É provavelmente uma das cartas mais duras que a UGT já terá enviado para um primeiro-ministro. A central sindical dirigida por Carlos Silva enviou esta quinta-feira para António Costa um relato amargo do que vê no país, no governo, na atitude para com o diálogo social e a concertação. E não poupa nas palavras contra a atitude de vários ministros.
Para começar, há – segundo a UGT, na carta a que o Observador teve acesso – uma atitude quase generalizada de “desconsideração” dos ministros pela concertação social, com governantes a reduzirem os encontros entre as partes a “meros momentos de informação” aos sindicatos, sem qualquer disponibilidade para chegar a consensos.
“Vários responsáveis da sua equipa governativa não parecem compreender o desígnio do tripartismo e das virtudes da negociação coletiva. Estes não se esgotam nas conversas formais e informais das reuniões que se realizam ao longo do ano com os sindicatos da Administração Pública, mas sem quaisquer consequências para a vida das pessoas que estes representam. E não podem reduzir-se a meros momentos de informação aos sindicatos, sem que exista uma efetiva disponibilidade e abertura do governo para alcançar consensos”, escreve a UGT na carta, datada desta quinta-feira.
Esta “atitude de vários governantes, diz a central sindical, “desprestigia o diálogo social e qualquer tentativa do movimento sindical de atingir os seus objetivos”. “Tal desconsideração afeta a dedicação e a motivação de quem trabalha para auferir, no final do mês, um salário justo e a valorização do seu esforço”.
Críticas na Educação, Saúde e Justiça. E a Pedro Nuno Santos com a gestão da TAP
E depois passa a exemplos. “O setor da Educação é dos que mais se sente violentado com a ausência de uma negociação séria entre o titular da pasta [Tiago Brandão Rodrigues] e os sindicatos” da UGT. Mas não é caso único, insiste.
“Pese embora o papel relevante da atuação da senhora ministra da Saúde [Marta Temido] durante a crise pandémica, tal não justifica por si só que os sindicatos calem as suas legítimas reivindicações, o mesmo se passando na Justiça, ou na Administração Pública (latu sensu)”.
E se os ministros não têm respeito pelos parceiros sociais, pelos trabalhadores ou pelos sindicatos, considera a UGT, é porque o exemplo vem de cima. “O exemplo vem sempre de quem está no topo da governação do Estado. E o setor privado copia sempre o que de pior o Estado exemplifica”, assinala a central sindical.
Próximo alvo: Pedro Nuno Santos. Ao ver o que se passa na TAP, como é que a UGT pode negociar com as empresas privadas ainda mais poderosas, como no setor das comunicações ou na banca?
“Ao assistirmos à forma como a TAP está a ser gerida, com destruição de postos de trabalho, mesmo depois de um acordo com os sindicatos para a redução de salários, será de acreditar que o movimento sindical consegue verdadeiramente negociar com a PT/Altice, os CTT ou, de forma particular – por ser o pior exemplo de que há memória nas duas últimas décadas – com a banca nacional?”, sublinha a UGT.
Corrupção, branqueamento de capitais e impunidade. “Tudo é permitido aos poderosos”
A juntar a tudo isto, um quadro negro de impunidade no país, que contrasta com a visão mais dourada deixada pelo primeiro-ministro no recente debate do Estado da Nação. “Tudo isto [surge] aliado a um conjunto de situações de corrupção, desvio de fundos, branqueamentos de capitais etc”. Esta poderia ser uma referência aos casos recentes de Luís Filipe Vieira ou Joe Berardo. Mas a referência seguinte aponta mais para casos como o de Ricardo Salgado ou de José Sócrates, uma vez que a UGT diz que estes casos “parecem conduzir o nosso país para um clima de impunidade, onde tudo é permitido aos fortes e poderosos”.
Resta, assim, “aos mais frágeis, àqueles que são dependentes dos seus salários e dos seus vínculos sócio-profissionais, observarem todo este panorama com desânimo e incredulidade”.
Com a “negociação coletiva emperrada”, o que faz o Governo? Segundo a UGT, usa a legislação laboral para negociar com os seus parceiros mais poderosos à esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda.
“A legislação laboral segue ao sabor da onda político-partidária em plena Assembleia da República, como contrapartida de fazer aprovar Orçamentos do Estado, num jogo de luzes e sombras a que os sindicatos são alheios”.
Depois da exposição do problema surge o aviso: ou as coisas mudam, ou a UGT fará tremer “a paz social”. Como? “O Governo tem de cumprir as regras do diálogo social e respeitar os sindicatos da UGT. Sem a participação da UGT não há acordos de concertação social no nosso país, porque este é um esteio fundamental para a garantia sustentada da paz social, não apenas em Portugal, mas em qualquer democracia”.
Fundos Europeus? “Os abutres já rondam o pote”
Nem os fundos europeus – e aquilo que se prevê para a gestão da maior verba alguma vez atribuida a Portugal no próximo quadro plurianual – escapam aos alertas da UGT. Mas não sem antes haver uma nova bicada aos escândalos da banca.
“Não podemos calar a nossa angústia e revolta com o que se está a passar no nosso país. Se querem alterar a legislação laboral, penalizem quem se aproveita da lei para despedir, depois de ter recebido apoios do Estado de terem sido todos os portugueses a absorver (…) os custos da gestão danosa de muitos banqueiros e gestores”.
E agora, sim, os fundos, com alguns conselhos à mistura e um reparo que evoca a frase do primeiro-ministro, António Costa, à presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, quando veio a Lisboa certificar que o Plano de Recuperação e Resiliência português estava aprovado: “Já posso ir ao banco?”.
“Retomem os valores das indemnizações por despedimento, pré-troika, e imponham limites ao setor privado nos despedimentos e rescisões, num período difícil do nosso país, em que a retoma económica vai ser lenta, e em que os abutres já rondam o pote dos fundos europeus, tal a ganância e avidez que se faz sentir quando se fala em dinheiro da Europa”, escreveu a UGT a Costa.