“Desatualizado, desconhecedor, desajustado da realidade”, atirou o incumbente. Um dos responsáveis por atrasos de “20 anos” na vila de Cascais, devolveu o adversário. Foi esta a nota dominante do debate que pôs frente a frente o atual presidente da Câmara, Carlos Carreiras, e o principal challenger, Alexandre Faria, candidato apoiado por PS, PAN e Livre.
Na primeira edição do novo programa da Rádio Observador, “Eu é Que Sou o Presidente da Junta”, que organizará debates entre os principais candidatos às principais autarquias do país, Carlos Carreiras e Alexandre Faria falaram dos temas mais quentes do município: o polémico projeto para a Quinta dos Ingleses, os problemas de Habitação e os desafios na área dos Transportes.
[Ouça aqui o debate na íntegra entre Carlos Carreiras e Alexandre Faria]
Antes, a questão da sucessão do atual presidente da Câmara de Cascais acabou por marcar parte do debate a dois. Há muito que se discute a possibilidade de o autarca deixar o lugar a meio do mandato para Miguel Pinto Luz, mas Carreiras cortou a eito. “Não sou monárquico, sou republicano”. Ainda assim, quando o nome de um dos seus vice-presidentes é atirado para cima da mesa, não poupou elogios. “É completamente capaz de exercer estas funções porque tem mostrado dedicação e empenho ao longo dos últimos anos. O PSD escolherá, mas não vejo porque não seja ele”, disse.
Carreiras, no entanto, “não vê razões para não fazer o mandato até ao fim”. Só por “questões de saúde” admite sair — exatamente o que aconteceu com António Capucho que deixou a autarquia em 2011 e abriu o caminho para duas vitórias eleitorais do atual presidente (2013 e 2017).
Quem também não abandona o cargo de presidente é Alexandre Faria. Presidente do Estoril Praia desde 2014, Faria garante que vai cumprir o mandato até ao fim mesmo se for eleito presidente ou vereador. O clube acaba de chegar à primeira divisão e o candidato da coligação “Todos por Cascais” já sabe o que fazer para evitar conflitos de interesses:
“Faço como fiz quando tive outros cargos executivos na autarquia, abstenho-me de tomar decisões que envolvam ambas as partes. Falar sobre conflitos de interesses neste âmbito só serve para lançar lama para cima das pessoas”, disse.
Faria pisca o olho a Carreiras: “Não estou zangado”
Carlos Carreiras e Alexandre Faria aparecem em lados opostos nestas eleições autárquicas, mas são velhos conhecidos. Ambos desempenharam cargos na autarquia nos mandatos de António Capucho e quando Carreiras chegou à liderança não dispensou o atual adversário — Alexandre Faria foi vereador com vários pelouros e foi também administrador de uma empresa municipal.
“Nada mudou”, assumiu Alexandre Faria quando questionado sobre os motivos que o fizeram candidatar-se contra o homem com quem já trabalhou. “Não estou zangado com Carlos Carreiras”, acrescenta. E isso percebe-se mais à frente quando não descarta a possibilidade de conversar com atual presidente se ele continuar a liderar a autarquia. Com um twist: será Carreiras a falar com ele e não o contrário.
“A nossa coligação tem vários projetos para 12 anos e acredito que o Carlos Carreiras se identifica com alguns deles. Todos os que vierem por bem serão bem vindos”, salvaguardou.
A polémica da Quinta dos Ingleses entre avanços e recuos
Num dos temas mais quentes da vida autárquica em Cascais, a Quinta dos Ingleses é o que gera mais discussão entre os munícipes. Em causa está um empreendimento imobiliário que deve ser construído numa área verde junto ao mar, em Carcavelos.
“Este é um problema antigo, eu não recebi uma folha em branco, mas melhorei muito este problema”, defendeu-se Carlos Carreiras, antes de salvaguardar: “Ninguém é a favor deste projeto”. O atual autarca diz-se de mãos e pés atados. “O Governo é o único que pode intervir nesta matéria, a câmara pode ajudar, mas não pode assumir eventuais indemnizações.”
Alexandre Faria assume de forma clara que é contra. “Tem de ser a Câmara Municipal a resolver esta questão e tem de ser dentro de toda a capacidade negocial que tem”, atira o candidato apoiado pelo PS, PAN e Livre, sem se comprometer com o pagamento das indemnizações.
“Tive cinco ministros a ligarem-me para me pedir equipamentos de proteção individual”
Em janeiro, o Tribunal de Contas concluiu que Cascais tinha sido a autarquia que mais dinheiro tinha destinado às políticas de combate à pandemia — apesar de ter sido um dos mais afetados pela crise sanitária, com muitos casos de contágio.
Carreiras recusou qualquer crítica à sua estratégia e garantiu que não deixará de “investir nem um cêntimo enquanto a pandemia não estiver debelada”. Ainda deixa uma bicada ao Governo: “Tive cinco ministros a ligarem-me para me pedir equipamentos de proteção individual”.
Alexandre Faria queria ter visto mais no apoio ao setor económico: “A autarquia apoiou diretamente várias instituições, mas não fez o mesmo com as empresas”, lamentou o candidato do PS.
A esperança de Carreiras em… Pedro Nuno Santos
A política de Habitação foi um dos pontos onde o atual presidente mais criticou Alexandre Faria, acusando o adversário de estar “completamente desajustado” face à realidade. “Tem um discurso de tudo e de nada. Não é uma questão de hardware ou software, é mesmo vaporware, de quem está desajustado da realidade”, aponta Carreiras.
A critica surgiu depois de Alexandre Faria ter apontado um objetivo de 30% de habitação com custos controlados, um valor que Carlos Carreiras considerou ser irreal. Ainda assim, o candidato social-democrata disse acreditar que Pedro Nuno Santos pode ajudar os municípios a avançar mais na política de Habitação e Transportes.
De resto, a notícia de que a Linha de Cascais vai poder contar com novos comboios levou Carlos Carreiras a tecer rasgados elogios ao ministro Pedro Nuno Santos. Para o candidato do PSD/CDS, “depois do cúmulo que foi Pedro Marques, que desrespeitou tudo e todos, Pedro Nuno Santos tem cumprido todos os compromissos que assumiu”.
Neste frente a frente, Alexandre Faria, garantiu, entre risos, não ter “ciúmes” da relação entre Carlos Carreiras e o ministro das Infraestruturas, elogiou o papel do Executivo socialista e, ao mesmo tempo, recusou que o Governo socialista esteja a tentar retirar qualquer tipo de dividendo político deste anúncio a poucos meses das autárquicas.
À boleia dos problemas da Linha de Cascais, Faria ainda deixou outra crítica: “Há problemas que se falam desde a governação socialista em Cascais, mas que ainda não se resolveram ao fim de 20 anos”.
O “interior esquecido”
Alexandre Faria denunciou ainda a dupla realidade da autarquia de Cascais: um litoral pungente e um “interior esquecido e abandonado“. Corrigir as desigualdades é uma das prioridade do candidato apoiado pelo PS, que aposta na criação de “novas centralidades nas freguesias”.
Na resposta, Carlos Carreiras acusou o adversário de “desatualização” e convidou-o a pedir novos dados aos serviços da autarquia. O incumbente garantiu, aliás, que as áreas ilegais são já “resquícios” e que a Câmara tem apostado na criação de serviços nas freguesias menos desenvolvidas.
Assunto seguinte, nova troca de galhardetes: Segurança. Alexandre Faria lamentou o aumento de crimes relacionados com assaltos a moradias ou a viaturas, e Carreiras cortou. “Aqui não é desatualização, é mesmo desconhecimento. O crime não aumentou e é preciso ter cuidado com as palavras. Não é um acontecimento no verão junto a algumas das praias, com pessoas que nem são cidadãos de Cascais, que pode manchar todo o trabalho que está a ser feito”, defendeu-se o autarca.
Um debate entre velhos conhecidos com momentos de (alguma) discordância. A poucos meses das eleições, Carreiras parte para a corrida com o objetivo assumido de revalidar a maioria absoluta. Resta saber se Alexandre Faria será capaz de enganar a sua sorte.