Manuel Pinho diz estar arrependido de ter entrado na política, em 2005, quando se tornou ministro da Economia de José Sócrates. Arguido no processo EDP, por suspeitas de corrupção, o antigo governante divulgou a declaração inicial que fez no interrogatório da semana passada e escreveu uma nota em que diz ter sido “um erro enorme” aceitar um cargo político.

“Além dos custos que eu e a minha família tivemos de suportar em termos financeiros (empobreci muito na política, ao contrário de enriquecer) e de exposição pública, posteriormente a minha vida nunca mais foi a mesma, tendo levado a um confinamento que já leva nove anos”, lamenta o antigo ministro numa página na internet que criou para se defender das acusações do Ministério Público.

O antigo ministro, que foi ouvido no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) na semana passada, reitera a inocência, queixa-se de estar a ser alvo de difamação e afirma que o processo “envolve situações que não teriam lugar durante o Estado Novo”.

Caso EDP. Manuel Pinho esteve a ser interrogado no DCIAP em mais de seis horas e diz estar de “consciência tranquila”

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A declaração que fez ao MP e que decide agora tornar pública começa com um número: “1484. À primeira vista, parece uma data do período dos Descobrimentos, mas não é, trata-se do número de dias que passaram desde que me chamaram aqui pela primeira vez para prestar declarações. Sempre pretendi prestar declarações, mas só agora o posso fazer. Esta situação teve efeitos devastadores na minha vida e, pior do que isso, na da minha família. Há cada vez mais pessoas que pensam, e até o escrevem, que situações destas não se passariam no Estado Novo”.

Pinho afirma ainda que “durante os 9 anos de duração deste inquérito” viveu “uma situação de verdadeiro confinamento, o que implicou ter de estabelecer residência no estrangeiro sem um visto de residência permanente, ter visto cada mais limitadas as [suas] relações sociais em Portugal, ter de dar explicações sempre que [precisa] de abrir uma conta num banco ou obter um visto para viajar e enorme dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de trabalhar”.

Dizendo ter visto a sua vida devastada, afirma: “Espero pelo dia em que os tribunais internacionais irão julgar esta situação que não se verificaria em nenhum país civilizado”.

“Tenho a certeza que não fiz favores”, diz ex-ministro

O antigo ministro refere-se ainda às suspeitas de corrupção que sobre ele recaem, dizendo que está disposto a esperar outros nove anos para que se descubra os “supostos favores”.

Tal implicaria ter favorecido a EDP, ou seja quem for, a troco de benefícios. Tenho a certeza absoluta de que não fiz favores, nem prometi favores, nem à EDP, nem a ninguém e os senhores sabem isso. Se quiserem mais 9 anos para tentar descobrir supostos favores que eu tenha feito, façam favor, mas não vão encontrar nada”.

Os três argumentos usados por Manuel Pinho, que diz destruírem o despacho do Ministério Público:

  • “Primeiro, a Comissão Europeia já fez uma investigação aprofundada às 5 matérias dos CMEC e da extensão do domínio hídrico, tendo concluído em Maio de 2017 não haver motivo para reabrir o dossier dos CMEC e que a avaliação que serve de base às vossas suspeitas não segue as práticas aceites pelos mercados e foi feita por uma parte interessada no negócio. Essa decisão está publicada em várias línguas no Jornal Oficial das Comunidades e não pode ser recorrida. Na prática, isto quer dizer que por mais que o queiram não há nenhum caso relacionado com favorecimentos à EDP”;
  • “Segundo, não promovi, nem apoiei a nomeação do Dr. António Mexia para a presidência da EDP, o que pode ser facilmente confirmado por vários intervenientes no processo. Se ainda não foi, há de o ser. Na prática, isto quer dizer que ele não me devia nada, como eu não lhe devia nada a ele”;
  • “Terceiro, os responsáveis da dita universidade que os senhores garantem que nunca me convidaria sem ser por exigência da EDP asseguram que me convidaram exclusivamente com base em critérios profissionais. Além disso, os vencimentos que auferi nessa universidade onde apenas tive contratos a tempo parcial, renovados anualmente e que nem davam direito a um visto permanente de residência nos Estados Unidos ou a um seguro de saúde não chegam a metade do que os senhores me imputam e ensinei em mais meia dúzia de outras universidades. Na prática, isto quer dizer que os senhores não se informaram antes de levantar suspeitas graves sobre mim”.

O ex-ministro reitera também na sua declaração que a elétrica portuguesa não foi beneficiada no regime dos CMEC — Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual: “Ao contrário do que pensam, a mudança do preço de referência não muda em nada o montante total a receber pela EDP pelos CMEC, o efeito que teve foi de baixar a parcela paga á cabeça e aumentar os pagamentos feitos ao longo do tempo”.

Deixou ainda a garantia de que nada recebera do universo Espírito Santo, contrariamente às suspeitas do Ministério Pùblico: “Posso garantir que não recebi um Euro indevido do BES. Sobre quaisquer pagamentos que em concreto me tenham sido feitos, continuo à espera que me mostrem os documentos que os titulam, o que os meus advogados requereram em 19/09/2019 e em 30/10/2019, sem resposta até hoje, mas não quero deixar de dizer que nunca recebi nada que não me fosse devido”.

Pinho garante que Salgado não orquestrou nomeação de Mexia

O antigo ministro nega ainda que Ricardo Salgado tenha orquestrado a sua ida para o Governo ou a nomeação de António Mexia na EDP e acusa os procuradores do Ministério Público de constituírem arguidos apenas para pararem os prazos de prescrição e ganharem tempo “para ir buscar material a notícias publicadas na imprensa e nas redes sociais e a outros processos em investigação de maneira a criar um caso”.

“Ricardo Salgado não teve rigorosamente nada a ver com a nomeação de António Mexia. Zero. Não vale a pena irem por aí porque não vão chegar a lado nenhum. Há muitas testemunhas que o podem confirmar. Isto quer dizer que Ricardo Salgado e o BES não têm rigorosamente nada a ver com o caso EDP, que diz respeito a supostos favorecimentos que nunca existiram”.

Manuel Pinto, culpa ainda na declaração que fez no DCIAP os procuradores pelo atraso do processo, avançando com uma explicação: “Quando constituíram arguidos há 4 anos, não tinham apurado nada, rigorosamente nada, sobre o caso que estavam a investigar, nem sobre os suspeitos. Não sou eu que o digo, basta consultar o processo”.

Por fim aborda ainda a questão de ter sido convidado pela universidade de Columbia — o MP diz que não o teria feito sem ser por imposição da EDP e do Mexia –, rejeitando tais compadrios.

Uma pessoa pode ensinar por vocação, por querer deixar um legado através dos seus alunos, por dinheiro ou por vaidade. No que me respeita, ensinar permitiu-me deixar um legado a largas centenas de jovens excecionalmente talentosos relativamente á importância de nos livrarmos dos combustíveis fósseis para evitar danos irreversíveis no planeta em que vivemos”, refere na declaração.

Revelando estar a preparar o lançamento de um livro com o título precisamente de “Confinado”, Pinho reforçou no seu novo site viver “confinado em resultado de estar a ser investigado há nove anos sobre supostos favorecimentos à EDP em 2007, quando [foi] ministro (2005- 2009) e da campanha difamatória de que [foi] alvo”.