Carlos Rates (1879-1961) foi uma personalidade controversa, primeiro líder do PCP que era contra a revolução comunista em Portugal, quase apagado pelo partido por defender a ditadura de Salazar, que escreveu romances e morreu esquecido.

“Incorrigível — A história desconhecida de Carlos Rates” (ed Ponto de Fuga) é o mais recente livro de Pedro Prostes da Fonseca que, ao longo de 216 páginas, algumas delas ilustradas imagens de jornais da época ou com fotografias inéditas, escreveu a biografia de José Carlos Rates, o primeiro secretário-geral do PCP, expulso em 1925 do partido por ter aceitado escrever num jornal “burguês”, “O Século”, o que ia contra as regras da Internacional Comunista (IC).

O livro, que esta quinta-feira chega às livrarias, tem mais uma linha de pós-título — “de primeiro secretário-geral do PCP a apoiante de Salazar” — e Prostes da Fonseca, autor já de outros livros como “O Assassino de Catarina Eufémia”, “Dona Branca — A verdadeira história da Banqueira do Povo”, que o autor explicou, em declarações à Lusa.

“Carlos Rates foi sempre contra uma revolução comunista em Portugal, que não passasse por uma revolução internacional. Jules Humbert-Droz [da IC], um moderado, também pensava assim. Ao contrário do setor mais radical [do PCP], que acabou por ficar com o partido nas mãos” após a saída do líder, em 1925, segundo Pedro Prostes, em declarações à Lusa.

O primeiro secretário-geral do PCP, acrescentou, “rapidamente percebeu que a revolução soviética era uma desilusão”, que “vinha para ficar como ditadura de partido único, que era o Estado, e de costas para os sindicatos”.

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“Mas não é fácil ter certezas neste assunto. Seguro é que ele depois de sair do PCP se manteve posicionado na esquerda” e que “só em 1931 aceita em pleno o golpe de 1926”, acrescentou, anotando que Rates antecipou que ia ser expulso face às graves divergências internas, com o regresso do grupo de José de Sousa, alvo de uma “purga” anos antes.

O livro, que Prostes da Fonseca, que foi jornalista na Lusa, demorou mais de um ano a escrever, sem qualquer colaboração do PCP, contou com o testemunho de uma familiar direta do biografado, a sobrinha Clélia.

O autor socorreu-se de muitos dos escritos de Rates, especialmente os políticos, em jornais e até de um romance da filha, Celeste Andrade, de 1954, “Grades Vivas”, em grande parte autobiográfico e que o ajudou a retratar a vida familiar.

José Carlos Rates nasceu em Setúbal, em 19 de fevereiro de 1879, numa família pobre — a Raul Brandão confessou que “comeu o pão que o diabo amassou” — e aos 15 anos já trabalhava como ardina e como “moço” numa fábrica conserveira, antes de se alistar na Marinha, aos 17 anos.

Questionava a autoridade, a sua folha militar somou castigos e foi detido, onde leu pela primeira vez autores anarquistas como Kropotkin, deportado para “o Ultramar” por “extravio de objetos”, datando dessa altura a classificação de “incorrigível”, e que dá título ao livro.

Em Setúbal, torna-se operário nas fábricas de conservas e mais tarde sindicalista, tendo ajudado a organizar as greves no Alentejo, nesses primeiros anos do século XX.

Membro da Federação Maximalista Portuguesa, aproximou-se dos ideais comunistas pouco depois da vitória bolchevique na Rússia e já estava na comissão organizadora do partido, em 1920, a defender uma “ditadura do proletariado”.

Num artigo publicado n’A Batalha, Carlos Rates escreveu: “Eu defendo, como Lenine, a necessidade de uma ditadura do proletariado, porque é exercida direta e exclusivamente pelos seus organismos —os sindicatos e as federações.”

Fundado o PCP em 1921, no ano seguinte foi escolhido para secretário-geral do partido, com o apoio de Jules Humbert-Droz, o suíço da IC, enviado por Moscovo a Lisboa para por “ordem” nos comunistas, a braços com divergências internas, nomeadamente Rates e o grupo de José de Sousa.

São essas divergências que ajudam a explicar a expulsão de Rates que, a partir dessa altura, tem uma vida na sombra e é praticamente esquecido.

Em 21 de janeiro de 1961, morreu, aos 81 anos, após anos e anos de “solidão e silêncio”, como descreve o historiador Fernando Rosas, que prefaciou o livro. Nesse e nos dias seguintes não houve notícias sobre a sua morte, nem do Diário da Manhã, jornal que, em 1931, publica a carta do “militante operário sr. Carlos Rates” a pedir a adesão à União Nacional, de Salazar.