Os Estados Unidos vão começar a dar uma terceira dose de reforço da vacina a partir de 20 de setembro, apesar das fortes críticas de especialistas independentes. A diretora dos Centros para o Controlo e Prevenção da Doença (CDC), Rochelle Walensky, acrescenta mesmo que, depois da terceira dose, não se antecipa que seja necessário um reforço anual da vacina.

Sabemos que precisamos de um reforço agora e vamos continuar a seguir a ciência, mas não acho que seja um dado adquirido que vamos fazê-lo continuamente”, disse Rochelle Walensky, citada pela CNBC.

Especialistas ouvidos pelo STAT News discordam da decisão porque ainda não existem dados que evidenciem a necessidade de uma terceira dose, outros criticam que a decisão tenha sido anunciada antes do parecer de um comité independente da agência nacional do medicamento (FDA, Food and Drug Administration). Os especialistas ouvidos pela CNBC têm a mesma opinião.

Rochelle Walensky, por sua vez, prevê que a FDA dê autorização até à data anunciada, mas o STAT News lembra que só esta semana a Pfizer/BioNTech pediu autorização ao regulador para administrar uma terceira dose e a Moderna ainda não o fez.

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A pressão da data faz os especialistas recearem que o comité independente que tem de emitir um parecer não seja assim tão independente. Grace Lee, coordenadora do Comité de Aconselhamento para as Práticas de Imunização dos CDC, assegura, no entanto, que o grupo vai tomar uma decisão com sessões abertas ao público como sempre tem feito.

Os CDC basearam a sua posição em três estudos realizados nos Estados Unidos, que parecem indicar a redução da eficácia da vacina na proteção contra a doença, mas os cientistas que criticam o anúncio. Ouvidos pela CNBC, dizem que, apesar de a vacina já não ser tão eficaz a prevenir a doença ligeira e moderada, ainda é suficientemente eficaz a proteger da doença grave e internamentos.

Com base na nossa avaliação mais recente, a proteção atual contra a  doença grave, hospitalização e morte pode diminuir nos próximos meses, especialmente entre aqueles que estão em maior risco ou foram vacinados durante as fases iniciais da campanha de vacinação”, refere o documento assinado pela diretora dos CDC, pela comissária interina da FDA, pelo conselheiro da Casa Branca Anthony Fauci e por outras autoridades de saúde.

O problema está mesmo no “pode”, como reporta o STAT News. “‘Pode’ não é uma palavra muito forte… especialmente para servir de base a uma decisão na política [de saúde]”, diz Norman Baylor, consultor e antigo chefe do gabinete de vacinas da FDA.

Os Estados Unidos preveem assim a vacinação de todas as pessoas que tomaram a segunda dose das vacinas de mRNA há mais de oito meses em vez de se limitarem às pessoas com o sistema imunitário debilitado, como transplantados, pessoas a fazer quimioterapia ou doentes com VIH/sida, que tinham inicialmente previsto.

Mesmo no caso das pessoas imunodeprimidas ou mais vulneráveis são precisos ensaios clínicos que demonstrem que com uma terceira dose da vacina o sistema imunitário consegue realmente dar uma reposta reforçada ou corre-se o risco de estar a desperdiçar recursos sem resultados.

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O Reino Unido também já anunciou que quer vacinar os maiores de 50 anos com uma terceira dose de reforço, ao mesmo tempo que distribui a vacina da gripe (já o início de setembro), mas o Comité de Vacinação e Imunização (JCVI), que aconselha o governo sobre a matéria, ainda não se pronunciou, refere o jornal The Guardian. No entanto, é provável que o comité recomende o reforço da vacina em grupos específicos de pessoas mais vulneráveis e não de forma generalizada.

Israel vai começar a dar a terceira dose a pessoas com mais de 40 anos este fim de semana e a França e Alemanha planeiam dar uma terceira dose a certos grupos a partir de setembro. A Agência Europeia do Medicamento (EMA), no entanto, diz que não há dados suficientes para apoiar a toma de uma terceira dose e a ministra da Saúde, Marta Temido, diz que Portugal vai esperar pelas indicações da EMA.

Um aviso deve ser feito, no entanto, a terceira dose não implica, com aquilo que se sabe até agora, que se possam aliviar as medidas de prevenção, nomeadamente o uso de máscara, a quantidade de pessoas nos espaços interiores ou o distanciamento físico, alertou o médico Matthew Harris, diretor do programa de vacinação contra a Covid-19 na Northwell Health, num artigo de opinião publicado no STAT News.

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Nos Estados Unidos, só vão receber um reforço as pessoas que tomaram as vacinas da Pfizer/BioNTech ou Moderna, as duas empresas que mais têm insistido nesta necessidade de reforço da vacina num curto espaço de tempo. E os primeiros a receber a dose de reforço serão aqueles que primeiro foram vacinados (em dezembro e janeiro): profissionais de saúde, idosos e residentes nos lares.

Para a Johnson & Johnson, de dose única, as mesmas autoridades consideram que será necessário um reforço, mas a farmacêutica ainda não forneceu dados sobre isso, reporta o jornal The New York Times.

Os dados existentes são contraditórios, uns mostram que a vacina de dose única continua eficaz, outros que uma única dose não dá uma resposta suficiente contra a variante Delta. Fica assim por decidir se quem tomou a vacina da J&J terá de reforçar a dose e se o fará com a mesma vacina ou com uma de mRNA.

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Além da falta de dados que mostrem que precisamos realmente de tomar uma terceira dose ou que precisamos de o fazer agora, levanta-se também uma questão moral: há países a dar a terceira dose, enquanto outros ainda nem a primeira dose conseguiram dar.

Estamos a planear distribuir coletes salva-vidas adicionais a pessoas que já têm coletes salva-vidas, enquanto estamos a deixar que outras pessoas se afoguem sem terem um único colete salva-vidas”, disse o Michael Ryan, diretor do programa de emergência de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, respondeu que pode “tomar conta da América e do resto do mundo ao mesmo tempo”, dizendo que existem doses suficientes no país para uma terceira dose e para enviar mais do que isso para a ajuda internacional.

O problema é a mensagem transmitida a nível global quando países como os Estados Unidos ou o Reino Unido começam a dar a terceira dose: os outros países também vão considerar que a terceira dose é mesmo necessária e a escassez de vacinas para os países menos desenvolvidos será ainda mais notória, escreveram Andrew Pollard, diretor do Oxford Vaccine Group e cocriador da vacina de Oxford, e Seth Berkley, chefe executivo da Gavi — Aliança de Vacinas, num artigo de opinião publicado no The Guardian.

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