100 metros de profundidade e 20 quilómetros de distância da costa. São duas medidas que ajudam a enquadrar uma tecnologia que já deu provas, mas que está ainda a dar os primeiros passos para entrar no mercado. O Windfloat (cuja tradução literal é vento a flutuar) junta turbinas eólicas com plataformas de aço  que, apesar de estarem instaladas em águas com a profundidade de 100 metros, são flutuantes, não estão fixas no subsolo marítimo. A energia produzida por três aerogeradores com potência de 25 MW (megawatts) — cada um com 8,4 MW — é levada para um cabo submarino de 18 km que faz a ligação à rede de transporte elétrica gerida pela REN (Redes Energéticas Nacionais).

A costa do território continental português não permite tirar partido da tecnologia mais madura e acessível de offshore eólica fixa, que pode ser instalada sobre estacas em águas de menor profundidade e mais perto de terra. Daí o conceito o Windfloat, o primeiro parque eólico flutuante da Europa. É um projeto antigo (vem do tempo do Governo de José Sócrates e Manuel Pinho) que já teve a sua quota parte de dificuldades e contratempos. Durante anos testou-se um protótipo na Póvoa do Varzim, mas o arranque marcou passo, muito por causa das indefinições ao nível do financiamento e de quem pagava a ligação à rede de transporte.

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No ano de 2018 foi dado um empurrão decisivo com a assinatura de um contrato de 60 milhões de financiamento com o Banco Europeu de Investimentos (BEI.  A cerimónia foi o primeiro ato público dos atuais titulares da pasta de energia (o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, e o secretário de Estado João Galamba) e ocorreu na sede da EDP. O então presidente executivo da elétrica, António Mexia, afirmou: “Muita gente achava que o destino dele era estar no fundo do mar e não a flutuar”.

Hoje o Windfloat não só flutua ao lago da costa de Viana do Castelo, como está a produzir desde o ano passado. No primeiro ano de produção, funcionou 3.800 horas, o que equivale a um load factor de 48% (bastante acima da média dos parques eólicos tradicionais). Produziu 75 GW/h, quantidade que permite abastecer o consumo de 60 mil famílias num ano. Em junho bateu o recorde de produção mensal e em agosto teve outro recorde — quatro dias a operar em plena carga. Os números foram dados por José Pinheiro, o diretor de projeto durante uma visita de jornalistas ao Windfloat que se realizou esta terça-feira.

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Mas se os dados de produção estão dentro das metas, o Windfloat ainda é um projeto pré-comercial à procura de mercado, de clientes e de escala industrial que permitam tornar a tecnologia mais barata e competitiva. José Pinheiro, que é também o gestor para Portugal da Ocean Winds, a parceria entre a EDP Renováveis e a Engie, explica que o passo fundamental para alcançar o patamar da industrialização é o lançamento de leilões de potência para esta tecnologia que permitam uma remuneração estável. Isso já está a ser feito em alguns países, como França, mas ainda não em Portugal.

A ligação à rede elétrica de transporte — que foi um dos obstáculos ao arranque do projeto — já está feita e permite receber até 200 MW de nova potência eólica offshore, o que representa cerca de sete vezes mais do está atualmente instalado. Enquanto o leilão não surge, e interessados não faltarão, o custo da produção de eletricidade ainda exige subsidiação das tarifas elétricas. De acordo com José Pinheiro, o preço médio subjacente ao contrato de longa duração feito com o serviço universal para a compra da energia é da ordem dos 140 MW/hora, cerca do dobro do preço atual das eólicas offshore fixas mais perto da costa.

Também há vantagens: algumas evidentes como o impacto visual (muito mais mitigado pela distância), mas outras menos óbvias, como a intervenção menos intrusiva no meio marinho (por não ser necessário perfurar para instalar os parques e porque a instalação é feita em terra num ambiente controlado) e a possibilidade de exploração em qualquer tipo de costa. É claro que não deixa de haver impactos. No caso de Viana do Castelo um dos mais falados foi o constrangimento imposto aos pescadores na área em redor do cabo submarino e que levou ao pagamento de compensações financeiras quase todas sustentadas pela REN.

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Para o diretor do projeto, este tipo de offshore eólica não vai substituir outras tecnologias renováveis, mas terá o seu lugar no mix da geração. E pode constituir uma alternativa de energia verde quando a área disponível e adequada à exploração de eólicas em terra está perto do limite. Além de que o potencial de produção é mais alto.

O Windlfloat Atlantic é desenvolvido pelo consórcio Windplus, composto pela Ocean Winds (parceria entre EDP Renováveis e Engie), com 79,4%, pela Repsol (19,4%) e pela Principle Power, Inc. (1,2%). De acordo com dados divulgados em 2018, o investimento associado à segunda fase do projeto — a que está a operar — foi de 125 milhões de euros.

Apesar da tecnologia ter sido fornecida pela Principle Power, uma empresa da qual a EDP também é acionista, e que trabalha a nível global, este também pode ser visto como um projeto de engenharia portuguesa, refere José Pinheiro. Ainda que a parte mais visível seja fabricada pela Vestas, duas das plataformas de aço na qual assentam as turbinas foram construídas na Lisnave em Setúbal, tendo sido transportadas por mar para o porto de Ferrol na Galiza onde foram montados os aerogeradores e depois rebocados até ao local em águas profundas onde estão.

O parque eólico está construído para aguentar ondas de até 20 metros — um primeiro teste foi a tempestade Dora no final do ano passado que trouxe ondas de 14 metros — e ventos até 100 km/hora, velocidade a partir do qual os aerogeradores param automaticamente. Outro dos desafios desta tecnologia são as condicionantes de acesso à plataforma para manutenção porque as condições do mar nem sempre o permitem.

Para além de Viana do Castelo, estão identificadas mais duas áreas na costa continental portuguesa com condições favoráveis à eólica offshore flutuante, Cascais e o cabo de São Vicente (Sagres).