Só no duplo atentado de quinta-feira, que vitimou 13 soldados norte-americanos, perderam-se mais vidas do que em todo o ano passado, já que há vários anos que era muito baixa a mortalidade (norte-americana) no Afeganistão. Este é um dado que contrasta com uma das principais justificações dadas por Joe Biden para retirar as tropas norte-americanas do Afeganistão – porque não estava disposto a perder mais vidas (vidas de militares norte-americanos) naquela guerra.

“Quantas mais gerações de filhos e filhas da América é que querem que eu mande para lutar com os afegãos, na guerra civil afegã, quando as tropas afegãs não querem lutar? Quantas mais vidas – vidas americanas – é que isso vale? Quantas mais filas intermináveis de campas no Cemitério Nacional de Arlington?“, afirmou Joe Biden a 16 de agosto, num discurso em que, apesar da pressão vinda de vários quadrantes, reiterou a decisão de retirar as tropas do país.

A realidade, porém, é que apesar de Joe Biden falar em “filas intermináveis de campas” de soldados norte-americanos, há vários anos que eram relativamente baixos os números de mortos entre militares (dos Estados Unidos da América). O portal iCasualties.org, um site independente que agrega números relacionados com perdas de vidas no Iraque e no Afeganistão, já atualizou o número de mortes de soldados dos EUA relativo a 2021 – são as 13 vítimas que morreram no atentado de 26 de agosto, esta quinta-feira, no aeroporto de Cabul.

Ou seja, não tinha morrido qualquer soldado norte-americano no Afeganistão nos sete meses até julho, segundo os dados do iCasualties. E em todo o o ano de 2020 só terão morrido 11 soldados norte-americanos no Afeganistão – ano que teve vários meses em que não morreu qualquer soldado.

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E não foi apenas 2020. Recuando um pouco mais, os números mostram que o ano de 2019 foi um pouco mais mortífero para as forças norte-americanas, com 21 vítimas mortais, mas é preciso recuar até 2015 para encontrar um ano tão mortífero quanto esse. Isto porque tanto em 2017 como em 2018 foram perdidas apenas 14 vidas de soldados dos EUA (14 em cada um desses anos) e em 2016 apenas 9 soldados ali morreram.

Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez TOTAL
2001 2 2 3 7
2002 10 1 9 4 1 3 1 1 30
2003 4 1 8 2 1 2 1 4 1 3 6 33
2004 9 2 3 1 8 4 2 3 4 5 7 1 49
2005 2 1 5 18 4 26 2 15 11 4 2 3 93
2006 1 7 7 1 11 18 9 10 6 10 7 1 88
2007 12 3 8 11 12 13 18 8 9 11 6 111
2008 7 1 7 5 16 28 20 22 27 16 1 3 153
2009 14 15 13 6 12 24 44 51 37 59 17 18 310
2010 30 31 24 19 34 60 65 55 42 60 53 33 496
2011 24 18 29 46 35 47 37 70 42 31 18 15 412
2012 26 10 18 34 39 29 41 39 19 17 16 13 301
2013 3 1 15 13 19 17 11 11 8 9 3 10 120
2014 7 6 4 4 13 3 5 5 2 3 3 54
2015 1 1 2 3 1 8 6 22
2016 1 2 3 3 9
2017 1 3 3 1 3 1 1 1 14
2018 1 1 2 1 2 1 5 1 14
2019 1 2 3 1 3 3 3 2 2 1 21
2020 4 3 1 2 1 11
2021 13 13

Fonte: iCasualties.org

É verdade que nos primeiros anos da administração Obama (em que Biden era vice-presidente) se perdiam várias centenas de vidas no Afeganistão, sobretudo nos anos de 2010 e 2011. Esses anos, em que morreram quase 500 soldados dos EUA (2010), foram marcados pelo chamado “surge” norte-americano decidido pela administração – uma investida reforçada com a qual Joe Biden não concordou, na altura.

Mas esse cenário há muito se alterou. Como assinalou, em entrevista recente ao Observador, Thomas Barfield (académico e presidente do American Institute for Afghanistan Studies), há vários anos que morriam muito poucos soldados norte-americanos no Afeganistão. “Nos últimos dois anos as tropas locais perderam uns 50 ou 60 mil soldados… Mas americanos? Não morreu ninguém, praticamente. Há muito que a mortandade se transferiu para os soldados locais”, lembrou.

“Claro que, provavelmente, era uma guerra impossível de vencer, mas não tenho dúvidas de que seria possível manter aquele equilíbrio que existia durante mais tempo – com muito poucas mortes de militares norte-americanos”, concluiu o especialista, em entrevista ao Observador onde argumenta que Joe Biden “criou um problema onde ele não tinha de existir”. Pode recuperar essa entrevista nesta ligação.

Afeganistão. Thomas Barfield: “Joe Biden criou um problema onde ele não existia”