O facto de ser “inconcebível” e “inimaginável” um ataque terrorista com a dimensão e profundidade dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque deixou António Vitorino sem reação inicial, confessou, esta quinta-feira, o ex-ministro.
O na altura comissário europeu para a Justiça e Assuntos Internos, hoje diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), falava hoje numa conferência na sede da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em Lisboa, sobre os 20 anos do “11 de setembro”, ladeado pelo então embaixador de Portugal na ONU, Francisco Seixas da Costa.
Nessa manhã nova-iorquina, Vitorino estava no seu gabinete em Bruxelas, ao início da tarde, e não se apercebeu inicialmente do que estava verdadeiramente a acontecer quando o seu chefe de gabinete lhe pediu para ligar a televisão.
Aparentemente, um avião teria embatido numa das Torres Gémeas e as imagens que se seguiram deixaram-no confuso, uma vez que, pouco depois, viu-se, em direto, a “entrada” de um segundo aparelho no outro edifício, mas, ao aperceber-se da dimensão, explicou ter tido “mixed feelings” (sentimentos contraditórios).
“Não vi o primeiro [embate do avião]. Estávamos a ver [na televisão] e não era concebível e inimaginável”, explicou Vitorino, admitindo ter tirado, depois, uma “conclusão egoísta”, pois entregara, em fins de julho, no Conselho Europeu em Nice — era a presidência francesa da União Europeia (UE) –, um pacote da decisão quadro do combate ao terrorismo, o mandato europeu (extradição), uma comunicação sobre a trocas de informação entre polícia e polícias judiciários.
Em causa estava a possibilidade de o pacote só vir a ser aprovado “talvez depois do segundo sucessor” de Vitorino, “no mínimo dentro de 10 anos”, naquela pasta da Comissão Europeia (CE — na altura eram apenas 15 os Estados membros), tal como lhe afirmara então um “veterano” de Bruxelas.
“Trabalhei todo o pacote e terminei-o a 1 de setembro. Após o ’11 de setembro’, fui ao Conselho e entreguei-o oito dias depois. O pacote foi aprovado no final desse ano”, contou, lembrando que apenas um Estado membro, Itália, se mostrou relutante, face aos “constrangimentos da criminalidade financeira”.
Mas, para Vitorino, o embate mais preocupante estava já colocado: “o significado do ’11 de setembro’ é uma rotura profunda, de que ainda hoje sofremos as consequências”.
“Mais, a minha reação foi imediata” na análise às consequências dos ataques, que foram ainda agravados com um terceiro avião, que caiu no Pentágono, e um quarto, na Pensilvânia, sublinhou Vitorino na conferência, moderada pela diretora de Informação da agência Lusa, Luísa Meireles.
“O ’11 de setembro’ foi interpretado de forma diferente dos dois lados do Atlântico. Na estratégia de abordar o fenómeno, havia pontos de partida diferentes.
Representava um ataque exterior aos Estados Unidos e a prioridade norte-americana era a fronteira externa”, frisou o atual diretor-geral da OIM.
“Do lado, europeu, a perspetiva não era a mesma. Talvez por causa das fraquezas europeias, o controlo das fronteiras externas [dos Estados Unidos], que não tem um contra-pé do lado europeu, em que cada Estado é responsável pela sua fronteira”, acrescentou.
António Vitorino salientou, nesse sentido, que há um “desequilíbrio” na capacidade de resposta dos dois lados do Atlântico, “talvez por falta de tecnologias, de um sistema de entrada e saída do controlo fronteiriço” do lado europeu.
Se, para os Estados Unidos, o receio era a fronteira externa, na Europa o temor era a radicalização interna.
“Não foi com o ’11 de setembro que a Europa se preparou para a questão. A Europa tinha maior preocupação com a ordem interna, com o terrorismo dentro do espaço europeu, não responder à fronteira externa, mas sim ao controlo dentro do espaço europeu”, explicou.
“Esta discrepância de pontos de partida vai ter repercussões num conjunto de debates muito difíceis entre os dois lados, sobre certos mecanismos da Lei Patriótica (Patriot Act) dos Estados Unidos (decreto assinado pelo então presidente norte-americano George Bush a 26 de outubro de 2001) e os mecanismos da UE.
Mas, segundo Vitorino, essas divergências nunca transpareceram para o exterior como uma fissura dentro da Aliança Atlântica.
“As partes vulneráveis nunca foram mostradas. Mas não cabia nos nossos maiores pesadelos aquilo que aconteceu”, sublinhou.
Sobre a atualidade, Vitorino lembrou que o terrorismo islâmico não só permaneceu como também sofreu mutações, razão pela qual “o desafio permanece hoje com grande grau de intensidade”.
“Tentar evitar reescrever a história. Ligar o que acontece no Afeganistão ao que aconteceu há 20 anos não é justo. Até porque as bases de apoio a esses grupos terroristas, não estavam só no Afeganistão, mas também na Somália, nordeste da Nigéria, Sahel, RDCongo e Norte de Moçambique”, sustentou.
“Não há mono causalidade. Há várias explicações. O Afeganistão é um caso de escola. Não há vitória, apesar dos créditos reivindicados pela China e Rússia. Os líderes afegãos revelaram uma falta de capacidade de unidade nacional, país altamente fragmentado etnicamente. Falhou a Primavera Árabe. Muitas expectativas. Deram origem a novas soluções autoritárias ou os poderes aos extremistas”, terminou Vitorino.