A Janssen considera que todos os doentes considerados vulneráveis vacinados com a dose única da vacina contra a Covid-19 devem receber uma dose de reforço antes do inverno, de modo a que possam estar mais preparados para uma eventual quinta vaga. Para a generalidade da população, a dose de reforço poderá ser dada anualmente. A recomendação partiu de Hanneke Schuitemaker, chefe do departamento responsável pela criação da vacina contra a Covid-19, em entrevista ao Observador após uma intervenção no YES Meeting 2021, uma conferência dedicada a futuros médicos da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
A especialista defende que a segunda dose da vacina deve ser administrada aos idosos e pessoas imunossuprimidas dois meses após a primeira inoculação. Esta recomendação tem como base as flutuações nos níveis de anticorpos medidos durante os ensaios clínicos, mas não levou em conta outro braço da resposta imunitária: o desenvolvimento e amadurecimento das células de memória, que conseguem criar mais anticorpos e derrotar células infetadas caso o organismo venha a contactar efetivamente com o vírus. Hannake Schuitemaker indica, no entanto, que esse é um aspeto que está a ser estudado.
Embora, na generalidade da população, os títulos de anticorpos se mantenham elevados durante pelo menos oito a nove meses — é, pelo menos, o que indicam as análises efetuadas nos participantes na primeira fase dos ensaios clínicos —, eles tendem a decrescer em pessoas com um sistema imunitário mais frágil, como nos idosos. Mesmo considerado que os níveis de anticorpos continuam altos o suficiente para proteger da Covid-19 sintomática, Hannake Schuitemaker argumenta que é uma questão de prevenção.
Mas a virologista elogia que a palavra final seja das entidades reguladoras, como a Agência Europeia do Medicamento na União Europeia e a Food and Drug Administration nos Estados Unidos. Hannake Schuitemaker considerou que as autoridades norte-americanas “fizeram um bom trabalho” quando analisaram a possibilidade de administrar doses de reforço da vacina da Pfizer de modo generalizado à população — tendo decidido, no fim, que ela só deveria ser aceitável a pessoas a partir dos 65 anos. “Estou contente com este sistema, evita as suspeições” de que a big pharma poderia aproveitar-se destes dados para fins comerciais.
Nos primeiros ensaios clínicos em torno da vacina da Janssen, que pertence à gigante farmacêutica Johnson&Johnson, as vantagens de uma segunda dose tornaram-se imediatamente evidentes porque a resposta imunitária era ainda mais robusta. Mas, após ter verificado que o esquema de dose única cumpria os requisitos mínimos da Organização Mundial de Saúde (que pediu vacinas com uma eficácia mínima de 70%), a empresa tomou a decisão de adotar esse esquema vacinal para que a vacinação da população mundial, o armazenamento do fármaco e a distribuição fossem mais fáceis.
Essa continua a ser a filosofia da Janssen e de Hannake Schuitemaker, que prefere distribuir mais doses únicas da vacina contra a Covid-19 pelo globo — chegando a países financeiramente mais pobres — do que vacinar a generalidade da população no mundo ocidental com uma dose de reforço. “Continuamos a achar que uma vacina menos eficaz, mas mais acessível tem mais impacto da proteção da população do que se tivermos de esperar pela segunda dose”, defendeu ao Observador.
Questionada sobre a possibilidade de atualizar a vacina para ser mais eficaz perante uma infeção pela variante delta, Hannake Schuitemaker considerou que essa necessidade ainda não surgiu porque ela continua “muito boa” a proteger da Covid-19 mais crítica, que exige internamento dos doentes. Caso uma nova variante coloque em causa a resposta desencadeada pela vacina, a Janssen precisará de três meses para iniciar um novo ensaio clínico.
Neste momento, a Janssen está a trabalhar em estudos que apontem para a utilização da vacina em adolescentes com menos de 18 anos e em mulheres grávidas, mas Hannake Schuitemaker diz que os primeiros resultados só serão obtidos no próximo ano. “O estudo está a ser conduzido agora e precisamos de esperar para fazer algumas medições. Mas parece que a vacina está a trabalhar e será ainda mais imunogénica em jovens”, antecipou a virologista.
A presença de Hannake Schuitemaker no Porto surge numa altura em que as autoridades de saúde francesas e o Infarmed, em Portugal, registaram falhas vacinais possivelmente associadas à solução da Janssen. A virologista insiste que, mesmo perante a variante delta, a vacina tem protegido contra a Covid-19 grave ainda mais do que quando contra a variante beta. O Infarmed já tinha defendido que os casos de falha vacinal são 3,78 em cada 100 mil pessoas, uma proporção inferior à que era esperada.