Uma porta automática, um dispensador de álcool gel, uma pilha de jornais, uma mesa de som, várias embalagens de garrafas de água, bandeiras cor de laranja e muitas folhas de árvores no chão. Há 12 anos que Rui Rio não entrava na “Marlene”, o autocarro que é a sede de campanha do PSD no Porto. “Esta já é uma Marlene 5G, muito mais moderna, desde 2009 que não entrava nela. Se costuma dar sorte não sei, mas sei que é uma forma muito interessante de fazer campanha porque nos permite percorrer as ruas todas da cidade, podendo parar onde quisermos para contactar com as pessoas, o que é muito bom”, explica o líder social democrata já sentado na primeira fila no andar superior do autocarro, a céu aberto.
Depois de acenar a alguns populares e trocar impressões sobre as obras a decorrer na cidade com o candidato Vladimiro Feliz, Rui Rio conta o que sabe da história do veículo que se tornou uma imagem de marca do partido na cidade. “Pelo que sei, isto começou nos anos 80 numa campanha eleitoral [de legislativas de Cavaco Silva] em que alguém conseguiu um autocarro antigo dos STCP, uma coisa muito velha, mas já com dois andares e sem cobertura. Nunca andei no original, mas vi-o a ser recuperado numa empresa de metalomecânica em Vila do Conde, onde eu trabalhava na altura. Anos mais tarde, lembrei-me de reeditar.”
Em 2005, Rio candidatava-se pela primeira vez à câmara municipal do Porto e fazer campanha em cima de um autocarro antigo era um dos seus desejos, que, tal como a eleição, acabou por ser cumprido. “A antiga tinha sido pintada de laranja, depois mais tarde pintei também de azul. Claro que foi outro veículo, já não me lembro onde o fui desencantar, mas era mais sofisticado, tinha os vidros mais baixos.”
Em 2009, na segunda candidatura, a tradição manteve-se num outro veículo, mais moderno, mas com as mesmas características. “Lembro-me de na época das minhas duas candidaturas existirem muitas críticas e um ambiente bastante hostil, mas quando arranquei a campanha no autocarro comecei a ver as pessoas todas a dizerem-me adeus e foi um choque, marcou-me muito.”
Habituado a conduzir carros clássicos, como aconteceu no passado domingo na Boavista, o líder do PSD diz já ter tido carta de condução de pesados. “Como sou economista, na tropa fui instrutor de condução e cheguei a tirar a carta de pesados, mas agora já passou a validade, já não posso ir ao volante”, partilha sorridente. Agora resta-lhe acenar a quem passa na rua, posar para as fotografias e ver a cidade onde nasceu a mais de quatro metros de altura.
Dos seus tempos de campanha, Rio recorda sustos e algumas peripécias. “A carrinha era velha e numa subida mais íngreme, como é normal no Porto, a embraiagem não aguentava o número de pessoas então alguns tinham de sair e ir uns minutos a pé, aconteceu diversas vezes. Depois tínhamos de ter atenção para não levar com os ramos das árvores na cabeça, mas na altura a câmara mantinha melhor as árvores, não havia tanto ramos assim”, afirma, aproveitando para mais uma indireta que tinha Rui Moreira como alvo.
Segundo o líder social democrata, esta sede de campanha sobre quatro rodas é coisa exclusiva do Porto e, desde que Rio recuperou a tradição, de eleições autárquicas. “Nas legislativas é mais complicado porque isto não anda na autoestrada, nas autárquicas é o ideal, e que eu saiba não se usa em mais nenhuma cidade ou em outro partido.”
O nome feminino, os litros de gasóleo e os banhos de mangueira
A primeira vez que Vladimiro Feliz entrou na famosa “Marlene” foi em 1991, numa ação no Porto para as eleições legislativas. “Penso que a ideia deste autocarro partiu de uma iniciativa de elementos da JSD e o nome é de uma senhora que assessorava a empresa que alugava o veículo na altura”, conta.
Das muitas vezes que apanhou boleia deste autocarro sem número ou estações obrigatórias, o candidato do PSD ao Porto recorda alguns momentos menos felizes. “Nos anos 90 chegamos a ser apedrejados e no passado sábado, numa iniciativa da JSD à noite na Foz, levámos um banho de mangueira. Entretanto já fizemos queixa na polícia e as pessoas já foram identificadas.” Na memória ficaram também as músicas, “tendência do momento”, que soavam das colunas, das mais populares do cancioneiro português às batidas frenéticas em outras línguas. Porém, nestas eleições, dentro e fora do autocarro apenas se ouve o hino de campanha em loop.
A “Marlene” de 2021 é um empréstimo de uma empresa sediada na Maia, tem mais de quatro metros de altura, uma lotação para 20 pessoas – apesar de esta segunda-feira ter transportado bem mais — e consome entre 70 a 100 litros de gasóleo por dia. “Temos o compromisso de compensar as emissões dos quilómetros feitos com a plantação de árvores, por isso vamos solicitar à câmara um espaço para plantar árvores para que esta campanha seja neutra em termos de carbono”, revela Vladimiro Feliz, que admite já ter ganho alguma cor pelo sol que tem apanhado à boleia da sua sede de campanha.
Rui Almeida é o homem que a conduz. “Posso levantar-me para falar consigo? Assim estico um bocadinho as pernas”, diz ao Observador, quando acaba de estacionar mesmo em frente à Estação de S. Bento. Durante uma década foi motorista da STCP, ficou sem trabalho, chegou a emigrar para a Suíça, mas de regresso ao Porto começou a guiar os caminhos da comitiva do PSD. “O meu irmão é militante e foi por isso que vim cá parar, mas quem me contratou foi a empresa da Maia responsável pelo veículo”, clarifica, acrescentando que o partido tem mesmo o seu voto no próximo domingo.
Com vários anos de experiência ao volante de automóveis pesados, Rui Almeida garante que esta é um trabalho diferente. “Sempre gostei de conduzir, mas este é autocarro inglês, tem o volante à direita, já estou habituado, mas é preciso ter mais atenção na estrada.” O motorista não costuma passar os 50 quilómetros por hora, esta segunda feira abasteceu o autocarro com 122 litros de gasóleo e quando abre as portas automáticas deixa sempre avisos à navegação. “Quando as pessoas entram digo sempre para lá em cima terem cuidado com as árvores e os fios de eletricidade.”