A Tejo Energia, empresa que gere a central do Pego em Abrantes, apresentou uma providência cautelar no Tribunal Fiscal e Administrativo de Leiria com o objetivo de suspender o concurso público anunciado pelo Governo para atribuir o ponto de ligação à rede elétrica.

A informação foi avançada ao Observador pelo presidente executivo da maior acionista da Tejo Energia, a Trust Energy. José Grácio adianta que a empresa irá também avançar com um processo de impugnação do concurso que pretende escolher o projeto e o promotor que irá ficar com o ponto de ligação à rede que era usado pela central de carvão cujo encerramento vai acontecer este ano.

A Tejo Energia contesta o concurso para entregar um ponto de injeção da rede que considera ter adquirido, juntamente com os terrenos onde está instalada a central, e garante ter vários pareceres jurídicos a validá-lo. A ação entregue no tribunal contra o Ministério do Ambiente tem o montante de 298 milhões de euros, que corresponde ao valor atribuído pela empresa ao ponto de ligação tendo por base o preço pago nos últimos leilões de potência solar.

O mesmo responsável garante ainda que a empresa vai lutar na justiça contra o promotor que vier a ganhar o ponto de ligação. “A Tejo Energia entende que o ponto de ligação é seu e vai defender nas instâncias judiciais a sua continuidade”, ainda que esteja também a estudar a hipótese de concorrer. Em suspenso está o futuro dos mais de 100 postos de trabalho diretos da central a carvão que vai encerrar no próximo mês.

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O concurso visa a seleção de um ou mais projetos de energias renováveis que garantam um ponto de ligação à rede que pode acolher a injeção de cerca de 600 MW (megawatts) de capacidade. Um dos critérios de majoração das propostas é a manutenção do maior número dos atuais postos de trabalho, mas uma solução que demore anos (o concurso prevê quatro anos) a ser implementada, como uma central solar, dificilmente poderá garantir os empregos no imediato, assinala José Grácio. E a entrega de propostas, que estava marcada para 18 de outubro, foi adiada para janeiro.

Segundo José Grácio, o projeto apresentado pela Tejo Energia ao Governo em julho garantia a continuidade das operações da central e dos empregos com uma transição para a biomassa no curto prazo. O investimento de 500 milhões de euros previa ainda a instalação de capacidade fotovoltaica para injetar energia na rede, mas este demoraria quatro anos a ficar operacional.

Conflito acionista opõe gigantes de energia no centro de Portugal

Como pano de fundo da decisão do Governo está a divergência entre os dois acionistas da Tejo Energia sobre o futuro da central a carvão do Pego, um conflito localizado no centro de Portugal (concelho de Abrantes) mas que envolve vários gigantes mundiais da energia. De um lado está a Trust Energy detida pelo francesa Engie e pelos japoneses da Marubeni que tem 56%. Do outro lado está a espanhola Endesa que é controlada pela italiana Enel.

A constatação de que os dois acionistas não se entendem foi o argumento para avançar com a solução de um concurso, que é defendida aliás também pela Endesa. “Não é um qualquer ponto de injeção à rede, é um ponto de injeção na rede de enorme capacidade. E esse é vosso, meu, é de todos nós. E é o grande ativo que está aqui. A partir do momento em que os acionistas se desentenderam perderam o direito a esse ativo”, afirmou o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, em junho.

Enquanto a Trust Energy defende a conversão no imediato para a biomassa, a Endesa, que tem 44% do capital, contraria esta opção por considerar que teria um preço muito caro e pouco grau de utilização. O presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, disse no passado ao Observador que a melhor solução seria um mix de tecnologias renováveis, com foco no fotovoltaico. As duas empresas deverão apresentar projetos ao concurso agora lançado em competição direta no prolongamento de um conflito que começou no ano passado. A Trust Energy ainda fez uma oferta para comprar a posição da Endesa, mas esta recusou.

Desativação da central do Pego afetará cerca de 85 empregos, diz presidente da Endesa

Para José Grácio, o que está em causa não é uma divergência sobre o futuro da central do Pego a carvão — a central a gás continua a ser operada por uma parceria paritária entre os mesmos acionistas — mas sim a insatisfação da Endesa por ser uma acionista minoritária. “Não agrada à Endesa ser minoritária”. O gestor diz que a elétrica espanhola quer “liquidar a Tejo Energia” ao defender o lançamento de um concurso para atribuir um ativo que é da empresa”. E estranha que o Governo tenha alinhado com a posição do acionista minoritário.

Segundo o gestor, foi apresentada ao Governo uma solução que permitia salvaguardar o emprego — indiretamente podem estar em causa mais de 250 empregos, contando com fornecedores e prestadores de serviços, alega — e as responsabilidades para com a região, diz, uma vez que a transição seria feita sem disrupção. A central parava apenas um mês para a conversão para a biomassa, que usaria o processo de torrefação. Mas se foi possível renovar a licença ambiental para biomassa, já a mudança de licença de produção do carvão para a biomassa não foi autorizada.

José Grácio contesta os argumentos contra a “mega-central de biomassa” que têm levado grupos ambientalistas a atacar o projeto por recearem a queima de madeira importada. Garante que seriam apenas usados resíduos florestais produzidos na região (que tradicionalmente é muito afetada por incêndios), e não importados, excluindo a queima de madeira verde. E sublinha que a central estaria preparada para funcionar com apenas 10% de utilização de um ano, como outras centrais térmicas que servem de reserva ao sistema quando a produção renovável não chega.

Tejo Energia quer investir 900 milhões de euros para converter central do Pego à produção de energia verde

Contraria ainda os que dizem que seriam necessários subsídios ao preço (que no mercado grossista até tem atingido valores mais altos do que qualquer tarifa garantida). O projeto apresentado dispensava as tarifas feed-in (garantidas) e estava preparado para funcionar apenas em situações de pico diários ou de sazonalidade e não em contínuo. O investimento, que ascendia iniciamente a 500 milhões de euros, envolvia também a instalação de painéis fotovoltaicos num horizonte de quatro anos para a potência de 600 MW.

Este projeto já tinha sido apresentado um ano antes no quadro das manifestações de interesse para o hidrogénio verde e prevê, numa segunda fase, a instalação de eletrolizadores para uma capacidade de 300 MW a injetar no gasoduto que numa fase posterior poderá evoluir para metano verde (um gás menos instável do que o hidrogénio). Já a solução defendida pela Endesa, segundo o que foi já divulgado, prevê uma central fotovoltaica de 650 megawatts (MW) e também o desenvolvimento de 100 megawatts (MW) de capacidade de armazenamento com baterias e a instalação de um eletrolisador com capacidade de produção de 1.500 toneladas/ano de hidrogénio verde.

Aquisição dos terrenos e do ponto de ligação aconteceu no tempo de Manuel Pinho

José Grácio diz ao Observador que a licença de produção atribuída à Tejo Energia em 2007 não tem prazo de validade porque passou a ser considerada uma licença não vinculada quando a REN (compradora da energia da central do Pego) propôs à Tejo Energia que adquirisse os terrenos e o ponto de ligação à rede.

Esta foi a forma encontrada para superar a impossibilidade legal de a REN, que ficou com a gestão da rede de transporte elétrico, ser ao mesmo tempo produtora e compradora de eletricidade, no quadro das regras que levaram à liberalização do setor e à criação do mercado ibérico de eletricidade. Nesta aquisição, refere o gestor, a Tejo Energia pagou o ponto de ligação e os terrenos e passou a assumir os custos de desmantelamento da central a carvão que explora desde 1996. A transação foi validada pelo Governo português na altura em que o ministro Manuel Pinho liderava a pasta da energia.

A empresa considera assim que a licença de produção que foi atribuída quando assinou o contrato de aquisição de energia (CAE) não termina com o fim deste contrato que cessa no final de novembro. E sustenta que é uma licença permanente de que se cumpram as regras. No entanto, a Direção-Geral de Energia e Geologia que recusou prolongar a licença de produção de energia, tendo o Ministério do Ambiente decidido colocar a concurso o ponto de ligação que a Tejo Energia defende ser um ativo seu.