A Academia Real das Ciências da Suécia entregou o Nobel da Física a Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi “pelas contribuições inovadoras para a nossa compreensão de sistemas físicos complexos”. Metade vai para os dois primeiros, especificamente “pela modelagem física do clima da Terra, quantificando a variabilidade e prevendo o aquecimento global de forma confiável”. A outra metade vai para o último “pela descoberta da interação da desordem e das flutuações nos sistemas físicos de escalas atómicas a planetárias”.
Juntas, estas descobertas “demonstram que o nosso conhecimento sobre o clima se baseia numa base científica sólida, decorrente de uma análise rigorosa das observações”, sublinhou Thors Hans Hansson, líder do comité do Nobel da Física: “Todos os laureados deste ano contribuíram para que ganhássemos uma visão mais profunda das propriedades e evolução do complexo sistemas físicos”.
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The Royal Swedish Academy of Sciences has decided to award the 2021 #NobelPrize in Physics to Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann and Giorgio Parisi “for groundbreaking contributions to our understanding of complex physical systems.” pic.twitter.com/At6ZeLmwa5— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 5, 2021
Segundo a Academia Real das Ciências da Suécia, que atribuiu estes prémios, Sukuru Manabe demonstrou como o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera conduziu ao aumento das temperaturas na superfície da Terra. Na década de 1960, liderou o desenvolvimento de modelos físicos para o clima da Terra e foi a primeira pessoa a explorar a interação entre o equilíbrio radiativo e o transporte vertical de massas de ar. Estas foram as bases para o desenvolvimento dos modelos climáticos atuais.
Na década seguinte, Klaus Hasselmann criou outro modelo que relaciona o tempo e a meteorologia, provando porque é que os modelos climáticos podem ser confiáveis mesmo que o tempo seja “mutável e caótico” — por outras palavras, é graças a ele que sabemos que, apesar de haver dias chuvosos, o aquecimento global é real. Além disso, Hasselmann desenvolveu métodos para identificar sinais específicos de fenómenos naturais e atividades humanas que têm implicações no clima. Estes métodos foram usados para provar que o aumento da temperatura na atmosfera deve-se ao aumento das emissões de dióxido de carbono.
Já em 1980, Giorgio Parisi descobriu padrões escondidos em materiais complexos desordenados. As suas descobertas foram das mais importantes para a teoria de sistemas complexos e permitiram compreender e descrever materiais completamente aleatórios e diferentes uns dos outros — na física, mas também na matemática, biologia, neurociências e machine learning.
“Este Nobel é de centenas de pessoas”, diz presidente da Associação Zero
Em declarações ao Observador, Francisco Ferreira, presidente da Associação Zero e professor na área de ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, explica que a investigação dos três laureados foi “fundamental” para desvendar as bases físicas e científicas do aquecimento global: “Não é que possamos ter dúvidas, a ciência é clara”.
Francisco Ferreira recorda que o longo historial de investigação de Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi junta-se aos esforços de centenas de pessoas que, ao longo das últimas décadas, têm ajudado a compreender as alterações climáticas: “Este Nobel não é apenas destes três cientistas, é de centenas de pessoas, de centenas de outros cientistas”, resume o ambientalista: “É mais uma forma de nos levar a acreditar naquilo que são as evidências, e que já são mais do que suficientes, mas que assim ganham ainda mais visibilidade”.
Mas Mário Marques, climatologista especialista em previsões e alterações climáticas, considera o prémio redutor por se concentrar sobretudo no impacto do dióxido de carbono no aquecimento global: “Não é o CO2, somos nós”, disse ele em entrevista ao Observador, recordando o papel que outras substâncias têm neste fenómeno, como o metano, o dióxido de enxofre e o vapor de água. “Falta nestas equações a ação antrópica”, considerou, afirmando que outros cientistas, fora do foro teórico, e até mesmo ativistas mereciam de igual forma o Nobel por este assunto.
As alterações climáticas são uma realidade — disso não há dúvidas e os modelos matemáticos desenvolvidos pelos laureados desta terça-feira provam-no. O argumento de Mário Marques é que este fenómeno é ainda mais complexo do que transparecem as equações destes teóricos: falta contar com a desflorestação, que impede a absorção de dióxido de carbono e o refrescamento de áreas de calor; falta contar com os efeitos da agricultura intensiva, que obriga à utilização de quantidades enormes de água; e falta contar com o impacto humano no ciclo da água.
Prémio Nobel da Física distingue maiores contributos nesta área
Esta distinção é entregue anualmente a quem mais tenha contribuído para o desenvolvimento e conhecimento da física. Alfred Nobel, químico sueco que inventou a dinamite, reservou 94% da fortuna à criação deste e de outros quatro prémios (Medicina, Química, Literatura e Paz), que deveriam ser entregues “àqueles que fizeram o maior benefício para a humanidade”.
Este ano, o vencedor de qualquer Prémio Nobel ganhará 10 milhões de coroas suecas (cerca de 954 mil euros), mais um milhão (pouco mais de 95 mil euros) que nos anos anteriores. De acordo com o Conselho de Administração da Fundação Nobel, o aumento do valor do prémio é o resultado de um “reforço económico” feito na instituição nos últimos anos.
Entre os 114 Prémios Nobel entregues entre 1901 e 2020, 47 foram entregues a apenas uma pessoa. Só quatro dos laureados são mulheres, até agora: Marie Curie em 1903 (veio a ganhar também o da Química em 1911), Maria Goeppert-Mayer em 1963, Donna Strickland em 2018 e Andrea Ghez no ano passado. Uma pessoa ganhou o Nobel da Física duas vezes: John Bardeen, em 1956 e 1972.
Em 2020, o Prémio Nobel da Física foi para Roger Penrose “para a descoberta de que a formação de buracos negros é uma predição robusta da Teoria da Relatividade Geral”; e para Reinhard Genzel e Andrea Ghenz “pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro da nossa galáxia”.
Roger Penrose provou que os buracos negros (regiões do espaço-tempo em que o campo gravitacional é tão intenso que nada, nem mesmo a luz, lhe escapa) são uma consequência direta da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, um cientista que nem sequer acreditava que estes corpos existiam. Foi Penrose que, muito depois da morte de Einstein, descreveu pela primeira vez os buracos negros como singularidades — pontos no espaço cuja dinâmica não pode ser completamente compreendida porque todas as leis da física se quebram.
A outra metade do prémio vai para Reinhard Genzel e Andrea Ghez, dois astrónomos que estudaram a Sagitário A *, uma região no centro da Via Láctea onde habita um “objeto supermassivo”, com a massa de quatro milhões de sóis concentrada num espaço não maior que o Sistema Solar, que obriga as estrelas a mover-se a velocidades estonteantes. Fizeram-no utilizando tecnologia de ponta que lhes permitiu olhar para uma região coberta de gases e poeiras interestelares.
Portugal nunca venceu um Nobel da Física, mas já conquistou o da Medicina e o da Literatura. O primeiro foi arrecadado em 1949 pelo neurologista António Egas Moniz graças ao desenvolvimento da lobotomia, uma técnica de cirurgia cerebral que já não é utilizada na atualidade. O Nobel da Literatura pertence a José Saramago, vencedor em 1998, “que, com parábolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia torna constantemente compreensível uma realidade fugidia”.