O romancista e contista Abdulrazak Gurnah é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 2021. A atribuição foi anunciada pela Academia Sueca através de uma transmissão em direto e em vídeo para todo o mundo.
O autor nascido na Tanzânia, de 73 anos, foi assim distinguido este ano com o prémio literário, depois de este ter sido atribuído em 2020 à poeta Louise Glück, em 2019 ao romancista, poeta e dramaturgo Peter Handke e em 2018 à romancista e contista Olga Tokarczuk.
O prémio foi atribuído ao romancista nascido em Zanzibar [região autónoma da Tanzânia] e ativo em Inglaterra, pela sua capacidade de mergulhar de forma intransigente mas também compassiva nos efeitos do colonialismo e nos destinos dos refugiados que estão num abismo, divididos entre culturas e continentes”, justificou a Academia sueca.
O júri destaca ainda a “dedicação à verdade” notória na escrita de Abdulrazak Gurnah e a sua “aversão às simplificações”. Os romances de Gurnah são descritos, de uma forma geral, como movimentos de “afastamento de descrições estereotipadas” e obras que “despertam o nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversificada e desconhecida de muitos leitores de outras partes do mundo”.
Na forma como escreve sobre a experiência de refugiados, o autor tem particular atenção à “identidade e à imagem” que estes têm de si mesmos, defende ainda o júri. “As personagens dão por si em fendas entre culturas e continentes, entre uma vida que existia e uma outra vida que emerge; é um estado inseguro que não se pode nunca resolver”, aponta ainda o Comité.
Abdulrazak Gurnah publicou o seu primeiro romance em 1987 e o mais recente — o décimo — no ano passado. A obra By The Sea, o seu sexto romance, foi publicada em 2001 e traduzida para português com o título Junto ao Mar (2003, ed. Difel).
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The 2021 #NobelPrize in Literature is awarded to the novelist Abdulrazak Gurnah “for his uncompromising and compassionate penetration of the effects of colonialism and the fate of the refugee in the gulf between cultures and continents.” pic.twitter.com/zw2LBQSJ4j— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 7, 2021
Escritor, académico e refugiado
Nascido na ilha de Zanzibar em 1948, Abdulrazak Gurnah conhece bem a realidade de um emigrante e refugiado, sobre a qual aliás tem discorrido em obras de ficção ao longo das últimas décadas: segundo a nota biográfica divulgada pelo Comité do Nobel, o próprio Gurnah chegou a Inglaterra como refugiado no final da década de 1960.
O autor teve de sair do seu país devido às convulsões políticas em Zanzibar e na Tanzânia durante os anos 1960, que levaram à opressão e perseguição de cidadãos de origem árabe. Abdulrazak Gurnah fazia parte do grupo étnico perseguido e, depois de terminar o percurso escolar, foi forçado a fugir do país aos 18 anos com a família, indica a nota biográfica publicada no site do Nobel. Só pôde regressar à Tanzânia 18 anos depois, em 1984.
Também académico — lecionava Literatura Inglesa e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent, em Canterbury, até se ter reformado recentemente —, especializou-se em estudos pós-coloniais e na obra de autores como Salman Rushdie, Ngũgĩ wa Thiong’o (que era apontado pelas casas de apostas como um dos possíveis vencedores do Nobel este ano) e Wole Soyinka, que era até aqui o primeiro e último escritor negro africano a ser distinguido (em 1986) com este prémio. Só quatro autores negros receberam o Nobel da Literatura, até ao momento.
A obra que o tornou mais conhecido e lido no Reino Unido foi o seu quarto romance, Paradise, publicado em 1994 e selecionado para uma shortlist das obras candidatas ao Prémio Booker. Desde então editou Admiring Silence (1996), By the Sea (2001), Desertion (2005), The Last Gift (2011), Gravel Heart (2017) e Afterlives (2020). Tem ainda editados dois volumes de uma obra ensaística intitulada “Ensaios sobre a Escrita Africana”.
A principal responsável pela edição da obra de Abdulrazak Gurnah no Reino Unido nos últimos 20 anos, Alexandra Pringle (do selo Bloomsbury), defendeu que a atribuição é justa. Citada pelo jornal The Guardian, notou que Gurnah tem escrito desde sempre sobre a sensação de deslocamento e de não pertença “mas das maneiras mais bonitas e assustadoras, refletindo sobre o que arranca as pessoas das suas raízes e as espalha pelos continentes”. E apontou:
A sua escrita é particularmente bonita e série mas também tem humor, gentileza e sensibilidade. É um dos mais importantes escritores africanos ainda vivos e nunca ninguém lhe deu atenção. Isso desfez-me. Tem sido ignorado e agora acontece isto”.
Também o presidente do Comité do Prémio Nobel da Literatura, Anders Olsson, defendeu a atribuição e deixou rasgados elogios ao autor, defendendo que no seu “universo literário” tudo está “em movimento e mudança constante — desde memórias a nomes e identidades”.
Devido à Covid-19, ainda não haverá cerimónia presencial em dezembro
O Comité do Nobel da Literatura indicou também que este ano, “devido à situação pandémica”, os vencedores das diferentes categorias do Prémio Nobel não poderão juntar-se em Estocolmo em dezembro. “Em vez disso, a cerimónia de entrega de prémios e os discursos dos vencedores serão transmitidos” virtualmente. Os premiados serão convidados para uma cerimónia em Estocolmo “assim que possível”.
As casas de apostas mais conceituadas — e que aceitam todos os anos apostas para o vencedor do Nobel da Literatura — davam este ano mais probabilidade de atribuição do prémio à escritora francesa Annie Ernaux, à poeta canadiana Anne Carson, ao japonês Haruki Murakami, à romancista russa Ludmila Ulitskaya, à autora canadiana Margaret Atwood, à escritora nascida em Guadalupe Maryse Condé e ao queniano Ngũgĩ wa Thiong’o.
Os sete autores estavam no leque de favoritos, mas nos últimos anos o vencedor tem escapado à lista de principais candidatos sugeridos pelas casas de apostas e apostadores. Entre os restantes nomes apontados estavam a escritora Jamaica Kincaid, o húngaro Peter Nadas, o norueguês Jon Fosse, o norte-americano Don DeLillo e o espanhol Javier Marías. O autor lusófono mais bem colocado nas previsões dos apostadores era o moçambicano Mia Couto.
Em 2018, a entrega do prémio foi adiada para o ano seguinte na sequência de acusações de abusos sexuais imputadas a Jean-Claude Arnault, dramaturgo e fotógrafo francês ligado à Academia Sueca, por 18 mulheres. Os vencedores nos anos anteriores tinham sido Kazuo Ishiguro (2017) e Bob Dylan (2016).
O Prémio Nobel da Literatura é entregue há mais de 100 anos, desde 1901, e já distinguiu autores como Luigi Pirandello (1934), Hermann Hesse (1946), William Faulkner (1949), Winston Churchill (1953), Ernest Hemingway (1954), Albert Camus (1957), Jean-Paul Sartre (1964) e Samuel Beckett (1969), entre muitos outros.
O vencedor do Nobel da Literatura recebe um prémio monetário de aproximadamente 985 mil euros e é escolhido, de acordo com a vontade de Alfred Nobel, mediante a “produção no campo da literatura do trabalho mais excecional” com uma “direção ideal”.
Pode rever o anúncio aqui: