Sem acusação, mas também sem arquivamento. O Tribunal de Guimarães decidiu suspender provisoriamente o processo do caso Marega, relativo aos insultos racistas dirigidos ao futebolista, antigo avançado do Futebol Clube do Porto, durante o jogo entre os dragões e os vimaranenses em fevereiro de 2020. A informação foi avançada pelo Jornal de Notícias e confirmada pelo Observador junto de fonte judicial. Mas os arguidos

O Ministério Público considerou que esta medida responde “suficientemente às exigências de prevenção especial e geral”. Desde logo, porque os crimes em causa não excedem os cinco anos de prisão. Mas também porque os arguidos são jovens, não têm antecedentes criminais e manifestaram “arrependimento” quando foram interrogados.

Pondera-se de forma decisiva a jovem idade dos arguidos, o facto de não terem antecedentes criminais e arrependimento assumido”, lê-se no despacho de 13 de setembro a que o Observador teve acesso.

Mas o que implica esta suspensão? Os arguidos não vão ser acusados ou enfrentar um possível julgamento, mas terão de entregar ao Estado mil euros cada um no prazo de três meses. Durante um ano, ficam impedidos de frequentar recintos desportivos, como espectadores e têm de se apresentar à polícia “sempre que a equipa principal de futebol profissional do Vitória Sport Clube jogar, a nível nacional ou internacional”. Têm, aliás, de “entregar qualquer título/cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (nomeadamente, cartão de sócio e/ou lugar anual) de que sejam titulares, na secretaria do DIAP de Guimarães, no prazo de 10 dias”.

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A última regra é um pedido de desculpas públicas a Marega, num texto publicado no jornal Desportivo de Guimarães. Ao que o Observador apurou junto de fonte judicial, os três arguidos terão escrever no jornal que assumem “ser uma das pessoas” que estava na bancada do estádio no jogo de fevereiro de 2020, entre o Guimarães e o FC Porto. Mais: que se associam “aos cânticos que surgiram no Estágio e vaiaram e insultaram o jogador da equipa visitante moussa Marega”.

Pelo comportamento assumido, pretendem apresentar um pedido público de desculpas ao visado Moussa Marega e a quem se possa sentir ofendido com tal comportamento, designadamente o assistente Vitória Sport Clube”, lê-se ainda no texto que deverá ser publicado no jornal.

Ao Observador, uma fonte do Desportivo de Guimarães garantiu que ainda não chegou à redação do jornal desportivo local qualquer texto com um pedido de desculpas dirigido a Marega e assinado pelos arguidos deste caso. Os arguidos têm um ano para publicar o texto, mas o Observador sabe que o pedido de desculpa deverá ser feito na próxima semana.

Marega marcou, festejou a apontar para o braço, fugiu de cadeiras, ouviu insultos racistas e saiu – tudo em dez minutos

Arguidos “reconhecem que erraram” e “tomaram a iniciativa” de informar que estavam “disponíveis para pedir desculpas”

Num comunicado enviado esta segunda-feira, o advogado dos arguidos esclareceu que os adeptos “reconheceram no processo que vaiaram e dirigiram expressões que poderiam ser consideradas ofensivas”, chamando “burro” e “boi” a Marega, mas lembra que esse “apupos e expressões não tiveram conteúdo discriminatório”, referindo-se ao facto de alguns adeptos terem imitado sons de macaco.

Quem o fez teve uma atitude reprovável e da qual se deve envergonhar, devendo este tipo de comportamento, recorrente em vários eventos desportivos nacionais e internacionais, ser erradicado. Contudo, estes foram uma minoria, não devendo todos os adeptos presentes serem confundidos com aqueles”, lê-se no comunicado.

O advogado Pedro Miguel Carvalho aponta ainda que “Marega também teve, inicialmente, um comportamento inadequado e provocatório, razão pela qual foi admoestado com um cartão amarelo”, nomeadamente “ao sair do relvado, levantou os dedos médios, dirigindo-se dessa forma grosseira aos adeptos presentes”. “Uma atitude também reprovável e indigna, mesmo considerando o contexto emocional que o atleta estaria certamente a viver”, lê-se.

A defesa lembra que foram os arguidos — “porque são pessoas educadas e sabem que se deviam ter abstido de agir” — reconheceram que “erraram” e, por isso, “tomaram a iniciativa de comunicar ao processo estarem disponíveis para pedir desculpas pessoais ao Marega”. “Assim pretenderam os meus constituintes pôr fim a este processo e também com esta atitude responsabilizar-se pelos seus atos aos quais o Vitória Sport Clube, os vitorianos e os vimaranenses são alheios e que, no entanto, estavam aqueles a ser julgados indevidamente na praça pública”, remata.

O processo tinha três arguidos neste momento e, segundo um despacho de 13 de setembro, fica suspenso pelo menos durante um ano — foi o mesmo destino dado ao processo movido contra um quarto arguido em 2020. Em causa estavam crimes de discriminação e incitação ao ódio e violência.

Contactado pelo Observador, o Comissário do Ponto Nacional de Informações do Desporto da PSP,  revela que nestes caso em particular, os três suspeitos são obrigados a permanecer dentro da esquadra durante toda a duração do jogo, quer o Vitória jogue em casa ou fora. Ainda assim, enquanto estiverem na esquadra “não estão detidos, estão em liberdade mas têm de estar presentes”, esclarece Roberto Domingues. “O objetivo é mesmo que eles não possam ir a nenhum evento desportivo da equipa“, explica o Comissário da PSP.

Ao Observador, José Miguel Sampaio e Nora, advogado especializado em Direito desportivo, explica que “esta questão não deixa os suspeitos sem castigo. No fundo, o processo fica congelado durante um ano e só é reativado se os indivíduos praticarem novos factos.” O especialista esclarece ainda que este tipo de suspensão provisória do processo é feito quando a justiça acredita que os suspeitos não vão voltar a cometer os mesmos crimes.

[Atualizado às 19h45 de 11 de outubro com o comunicado do advogado dos arguidos e com informações sobre o pedido de desculpas a ser publicado]