E ao sétimo orçamento de João Leão, o segundo enquanto ministro das Finanças, são mais as boas notícias do que as más. É a economia a acelerar, o salário médio da função pública a subir 2,5%, o IRS a baixar para todos (mais para uns do que para outros) — ao encontro das preocupações dos partidos à esquerda, fez questão de sublinhar o ministro das Finanças. E até há um envelope chorudo de 1,8 mil milhões de euros para a CP, a empresa que perdeu o presidente há poucas semanas devido à burocracia e à demora das Finanças em resolver os problemas financeiros crónicos da empresa.

Nem tudo são rosas nesta proposta orçamental — a carga fiscal sobre combustíveis fósseis vai continuar a subir (via taxa de carbono e IVA) e as mais-valias “especulativas” vão ter englobamento forçado para os que ganham mais de 75 mil euros, o que terá um impacto previsto na receita de apenas 10 milhões de euros.

Estes foram alguns dos temas dominantes da conferência de imprensa de apresentação da proposta orçamental para 2022 na qual João Leão enviou também um recado para a oposição quando confrontado com a eventualidade de coligações negativas entre esquerda e direita distorcerem um Orçamento “de contas certas” e sem as quais “não há futuro”.

Ministro confia na aprovação, mas avisa que Parlamento terá de ter “sentido de responsabilidade” nas alterações à sua proposta

A negociação do Orçamento está longe de ter bandeira branca, o Governo continua a precisar de apoio parlamentar para viabilizar a sua proposta e entregou-a sem que isso estivesse sinalizado pelos parceiros do costume. Mas o ministro João Leão avança com “confiança que tenha condições para ser aprovado”, até porque surge num “momento crítico e decisivo, pelo que não seria compreensível que o país não tivesse este instrumento tão importante para a sua recuperação”. Não o considerou “mais difícil” de negociar nem externa, nem internamente, junto dos restantes ministros (ver em baixo), mas a verdade é que continua sem garantias públicas de validação por parte do PCP ou do BE — que até está mais distante do que alguma vez esteve — e um dos dois é essencial para fazer passar já na primeira votação parlamentar a 27 de outubro.

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João Leão apelou ao sentido de responsabilidade dos partidos quando questionado sobre a aprovação do Orçamento

E, mesmo que essa primeira prova seja cumprida com sucesso, há a especialidade e toda uma variedade de geometrias que podem formar-se no Parlamento — com a esquerda a encontrar-se com a direita — para aprovar propostas contra a vontade do Governo. Existe a possibilidade de João Leão poder ter a sua proposta desvirtuada e a despesa menos controlada com propostas que possam vir a ser aprovadas em coligações contrárias às suas pretensões. E nesse caso, seria melhor ter um Orçamento em duodécimos? “Todos os portugueses exigem sentido de responsabilidade e isso implica ter um Orçamento que responde às principais questões do nosso país — recuperação de rendimento, apoio à retoma económica e reforço na saúde — no próximo ano, mas ao mesmo tempo com sentido de responsabilidade e credibilidade que não ponha em causa o nosso futuro”. As “contas certas” continuam a ser uma exigência e a meta do défice que prevê para 2022 (3,2%) até pode sofrer ajustamentos, mas só caso a pandemia agrave e volte a ter consequências no crescimento da economia. Não há afrouxar de metas para acomodar novos compromissos de despesa.

Tensões com ministros? Leão responde com ano difícil e exigente para todos

Já os desabafos do colega do Governo, Pedro Nuno Santos, que responsabilizaram as Finanças pelas dificuldades de gestão na CP, foram contornados várias vezes por João Leão nas respostas aos jornalistas. O ministro remeteu para o colega das Infraestruturas as explicações sobre a medida de dimensão para a CP — tabela na proposta prevê dotações de capital de 1,8 mil milhões de euros que serviram para baixar a dívida histórica da empresa. E à terceira pergunta sobre Pedro Nuno Santos, respondeu:

“Tivemos um ano muito exigente para todos, muito trabalho. É o meu sétimo orçamento, como secretário de Estado (cinco) e agora como ministro, acompanhei de perto todas estas negociações. E não diria que este tenha sido mais difícil. É natural quando se prepara uma proposta tenha de se fazer escolhas e chegar a entendimentos e este não foi diferente”.

Sobre a insatisfação dos ministros setoriais face à disciplina das Finanças, João Leão volta a tocar na nota de que o ano foi exigente e difícil em que todos “estivemos particularmente envolvidos no combate à pandemia”.

IRS. A promessa de que baixa terá impacto nos salários já em janeiro

O Governo garante que as alterações ao imposto sobre os rendimentos “não resulta em nenhum aumento de impostos para nenhum português” e promete ainda ser célere no despacho que vai fazer refletir os ajustes feitos aos escalões de IRS nas tabelas de retenção. Aqui até falou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, na conferências de imprensa sobre o OE para 2022, para prometer (com cautelas) ter tudo pronto em janeiro. “Esperamos publicar despacho a tempo de em janeiro já estar em vigor”, garantiu Mendonça Mendes.

A ideia é que os contribuintes abrangidos pela alteração — sobretudo a classe média — não sintam a diferença apenas na altura da devolução do imposto, mas logo no vencimento mensal. No final haverá sempre acertos, explicou o governante quando disse que “esse ajustamento nunca é total”, admitindo, no entanto, que o Governo dispõe de “dados que permitem antecipar qual o nível de deduções a fazer e ajustar as tabelas”.

As alterações propostas pelo Governo ao nível dos escalões de IRS passam por desdobrar o terceiro e sexto escalões, criando novas taxas para os rendimentos mais baixos, dentro de cada um dos referidos escalões. Mas há também o alargamento do IRS Jovem. E aqui, o ministro João Leão já tinha feito uma junção de medidas, entre IRS e prestações sociais, para totalizar em 578 milhões os apoios às famílias.

Pelas simulações das Finanças todos os contribuintes ganham com a baixa de IRS

Na apresentação da proposta, o ministro das Finanças garantiu que todos os contribuintes acima do terceiro escalão vão ter ganhos e levou as suas próprias simulações para o demonstrar. E mesmo nos casos dos contribuintes que saltam para o escalão mais alto com taxas de 48% a aplicar-se a rendimentos acima dos 75 mil euros, o saldo é favorável e pode chegar aos 183 euros no caso de um solteiro que caia no último escalão e tenha um rendimento de 85 mil euros.

Para os rendimentos mais baixos, os benefícios virão da dedução de 900 euros para o segundo filho e outros mecanismos como os abonos ou da Garantia Infância que estabelece um pagamento de 50 euros por mês e por criança até aos 17 anos, valor que sobe para 100 euros em casos de pobreza extrema. Há ainda um aumento de pensões de 10 euros que deverá entrar em vigor apenas em agosto.

Do outro lado da escala de rendimentos, os contribuintes que ganham a partir dos 75 mil euros e invistam em valores mobiliários vão ser obrigados a englobar as mais-valias “especulativas” — conceito aplicável a transações feitas com títulos detidos menos de um ano — na declaração de IRS, pagando taxas mais alta do que os atuais 28%. O impacto desta medida é difícil de antecipar, admitiu o ministro das Finanças já que pode levar à mudança de comportamentos. Por isso, a estimativa é modesta: 10 milhões de euros.

Os números que dão nas vistas para o reforço da função pública e saúde

Foi um dos números mais gordos da apresentação orçamental. A massa salarial vai subir 780 milhões de euros no próximo ano. Este valor é a soma de várias parcelas, sendo que a atualização dos 0,9% anunciada já no final da semana passada representa menos de um terço, cerca de 225 milhões de euros. As outras parcelas vêm da progressão de carreiras, da valorização de alguns setores e da prometida contratação de mais profissionais qualificados e com salários mais altos em áreas como a saúde.

Quando confrontado com a probabilidade da inflação em 2022 ser superior aos 0,9% previstos no Orçamento, dadas as pressões em vários preços, Leão responde que as medidas em conjunto vão permitir um aumento do salário médio no Estado em 2,5%.

A Saúde também foi uma das áreas destacadas por João Leão com um reforço de 700 milhões de euros. Mas sobre o número concreto de contratações que pretende fazer no próximo ano, o ministro respondeu com o passado, afirmando que houve um aumento de 25% no número de funcionários desde 2016.