A Comissão Europeia anunciou um pacote de medidas que os Estados-membros podem adotar para atenuar no imediato a fatura da eletricidade para consumidores vulneráveis e empresas, numa altura em que os preços estão a atingir níveis sem precedentes nos mercados grossistas e a Europa se prepara para o Inverno.

Bruxelas afasta para já mexer no princípio fundamental de organização do mercado elétrico que é apontado como causa dos preços para recordes — o facto de ser a tecnologia mais cara, o gás natural, a fixar o preço para toda a energia vendida, incluindo a produzida por fontes renováveis a custos muito inferiores aos das centrais térmicas. Apesar de considerar que o mercado marginalista é o modelo mais eficaz, a Comissão Europeia faz uma análise mais profunda e destaca a importância de reforçar a armazenagem de gás natural.

A “caixa de ferramentas” divulgada esta quarta-feira fornece um conjunto de instrumentos que os países podem usar entre os quais uma descida temporária de taxas e impostos para consumidores economicamente vulneráveis ou a entrega de vouchers para pagamento parcial das faturas que podem ser suportadas pelas receitas dos leilões de CO2. São ainda sugerida salvaguardas para que o incumprimento das faturas não resulte logo no desligar do abastecimento e ajudas às empresas, dentro das regras europeias.

Os consumidores portugueses nem têm sido dos mais afetados, para já, devido à forma de organização do mercado, e ao contrário de Espanha onde o Governo já teve de tomar medidas como a redução de impostos. Mas por força dos elevados custos históricos do sistema elétrico português, muito resultantes da herança da dívida tarifária criada há mais de dez anos, Portugal já utiliza alguns destes instrumentos para evitar o aumento do preço da eletricidade e até foi mais longe no que toca às famílias na medida em que a proteção não se limita aos consumidores de baixos rendimentos.

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Governo anuncia super-almofada de 815 milhões para impedir subida da eletricidade em 2022. De onde vêm os milhões?

O ministro do Ambiente apresentou um pacote no valor de 815 milhões de euros que, segundo João Matos Fernandes, vai garantir que as tarifas no mercado regulado não vão subir em 2022. Mas isso não resolve tudo até porque a esmagadora maioria dos consumidores domésticos está no mercado liberalizado. Apesar das medidas anunciadas permitirem baixar de forma substancial as tarifas de acesso à rede, não há garantias de que isso seja suficiente para travar o aumento do preço na renovação de contratos ou ofertas em mercado livre dada a subida de mais de 100% nos custos da compra de energia por parte das elétricas.

As medidas propostas por Bruxelas e o que Portugal está a fazer (ou anunciou)

Proporcionar apoios de emergência para ajudar consumidores de baixo rendimento, por exemplo através de vouchers ou pagamento parcial da fatura, o que pode ser financiado com as receitas dos leilões de licenças de CO2.
Portugal tem há anos uma tarifa social de eletricidade com descontos de mais de 30% para consumidores vulneráveis financiados pelas elétricas. Mas apesar de abranger mais de 700 mil famílias, esta tarifa não tem sido poupada aos aumentos causados pela escalada da eletricidade que foram dois este ano (julho e outubro). Por outro lado, desde o tempo da troika que Portugal usa as receitas da venda das licenças de carbono para baixar o preço da eletricidade, uma medida que tem beneficiado todos os consumidores, incluindo industriais, e não apenas os vulneráveis. Este ano serão destinados 270 milhões de euros para as tarifas de 2022.

Autorizar atrasos ou adiamentos temporários do pagamento de faturas e introduzir salvaguardas nas interrupções de abastecimento por incumprimento.
Legislação de resposta à pandemia impede cortes a consumidores de eletricidade e gás que estejam no desemprego ou que tenham sofrido queda de rendimento superior a 20%. Este regime foi estendido até ao final do ano por regulamento da ERSE, indicou ao Observador fonte oficial da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Foi ainda aplicado um regime extraordinário que suportou uma parte da fatura de janeiro quando um período de baixas temperaturas coincidiu com o segundo confinamento.

Aprovar reduções temporárias de impostos e taxas para clientes vulneráveis.
Desde dezembro de 2020 que Portugal aplica taxas reduzidas do IVA até um limite de consumos e para potências contratadas até 6,9 KVa. Esta foi a alternativa que o Governo aceitou face à descida generalizada da taxa de 23% para 6% proposta pela esquerda e que chegou quase a ser aprovada. Segundo o Executivo, a medida permite poupanças de 200 milhões de euros que chegam a todos os consumidores, sem discriminar os mais vulneráveis.

Quanto pode poupar na conta da luz com três taxas de IVA

A possibilidade de alargar o consumo mínimo abrangido pela taxa reduzida chegou a ser admitida pelo ministro do Ambiente em sede de discussão orçamental, mas o ministério de Matos Fernandes veio entretanto esclarecer que isso não estaria proposto no Orçamento como se veio a verificar. No entanto, tal não significa que o tema não volte à discussão por iniciativa dos partidos. Até agora, o Governo tem afastado as soluções adotadas por Madrid — que baixou o IVA e o imposto sobre o consumo — argumentando que em Portugal não se têm sentido os mesmos aumentos de preços do que do outro lado da fronteira.

Proporcionar apoio às empresas, dentro das regras europeias que controlam as ajudas de Estado.
O pacote anunciado em setembro pelo ministro Matos Fernandes também tem vantagens para as empresas que beneficiarão, a partir de 2022, de uma descida de 30% nas tarifas de acesso, mas a energia tem um peso muito maior na fatura destes clientes e não deverá ser suficiente para compensar o forte aumento que já está a ser sentido.
A situação é mais grave para os consumidores intensivos de energia, indústrias que também são exportadoras, porque perdem este ano a compensação assegurada por via da interruptibilidade, cujo fim, imposto pela Comissão Europeia, vai permitir também aliviar em 100 milhões de euros os custos do sistema elétrico.

Apoio de 25 milhões a indústrias que consomem muita eletricidade é “manifestamente insuficiente” e não chega a todos

O Governo anunciou um apoio extra de 25 milhões de euros que as empresas dizem ser insuficiente e não chegar a todos. O regime da banda de reserva de regulação passa por leilões promovidos pela REN para contratar capacidade de reserva junto dos grandes consumidores para manter a possibilidade de interrupção do fornecimento que é um mecanismo de segurança energética. O Governo está trabalhar num outro regime de reserva de segurança, mas que precisa de ser aprovado pela Comissão Europeia.

Investigar comportamentos potencialmente anticompetitivos no mercado de energia e pedir à ESMA (supervisora europeia dos mercados) para reforçar a monitorização da evolução do mercado do carbono, cuja valorização é outra das causas da subida do preço da eletricidade.
A Autoridade da Concorrência já condenou a EDP por abuso de posição dominante no mercado de serviços de sistema, na sequência de uma auditoria encomendada pelo Governo e em concertação com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Para além da coima de 48 milhões de euros, cujo recurso vai começar a ser julgado no Tribunal de Santarém, a elétrica foi também sancionada com a perda de 73 milhões de receitas no quadro das compensações devidas pelos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Sobre o pedido de investigações europeias, em 2018 e por iniciativa do então secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a ERSE pediu ao regulador europeu que investigasse suspeitas de manipulação de preços no Mibel (mercado ibérico de eletricidade). Não se conhece o resultado desta iniciativa.

Facilitar o acesso mais alargado a contratos de compra de energia renovável.
A ERSE colocou em consulta pública um conjunto de propostas para acautelar riscos de falência junto dos consumidores e facilitar as condições de operação das elétricas. Uma dessas medidas prevê que os leilões para o comercializador de último recurso adquirir energias renováveis incluam produtos com uma dimensão e prazo mais curtos dedicados a elétricas mais pequenas para permitir aliviar os custos de aprovisionamento.

Escalada do preço. Regulador propõe medidas para acautelar risco de falências de elétricas