Quando o preço dos combustíveis baixou em 2015, o Estado estava a perder receita no IVA e isso serviu de argumento para o primeiro Governo socialista aumentar o imposto sobre os produtos petrolíferos em 2016 no primeiro Orçamento apoiado pelos partidos à esquerda. A situação agora é inversa e já depois de publicado este artigo foi anunciada uma redução temporária do imposto até 2 cêntimos para devolver ganhos do IVA aos consumidores.
O preço dos combustíveis não para de subir: desde o final do ano passado, o gasóleo aumentou 25 cêntimos por litro e a gasolina trepou 30 cêntimos, e isso está trazer mais receita fiscal ao Estado por via do IVA, um imposto que reflete as variações de todas as componentes do preço, desde a componente antes de impostos até ao imposto sobre os produtos petrolíferos que este ano se manteve.
Comparando os preços médios semanais reportados a Portugal à União Europeia, e que são calculados pela Direção-Geral de Energia e Geologia, verificamos que no final de 2020, um período ainda muito afetado pelas restrições da pandemia, um litro de gasóleo representava quase 24 cêntimos em IVA, 23,7 cêntimos. Na segunda semana de outubro, o último dado disponível no site da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), o IVA cobrado ultrapassava os 28,3 cêntimos. A diferença é 4,6 cêntimos.
Na gasolina, onde a margem de incidência é maior (porque o imposto petrolífero é mais carregado), o IVA cobrado entre o final de 2020 e outubro passou de 26,4 cêntimos por litro para 32 cêntimos, o que resulta em mais de 5 cêntimos arrecadados por litro vendido.
Estes acréscimos no preço e no valor do IVA cobrado foram graduais ao longo do ano, mas aceleraram nas últimas semanas com a valorização do petróleo que esta sexta-feira já tocou nos 85 dólares por barril em Londres. E os números usados para fazer estas contas ainda não refletem os aumentos já anunciados para a próxima semana.
Desde o início de abril quando se consolidou a tendência de aumento, os preços médios semanais reportados pela DGEG para as estatísticas europeias subiram em cerca de 20 semanas e desceram apenas cinco. Estes dados referem-se à média de preços ponderada dos combustíveis simples que são mais baratos. No caso dos produtos aditivados os preços são mais caros.
O Estado está a ganhar mais em cada litro vendido por via do IVA, mas também está a receber mais receita fiscal global nos combustíveis por via de outro efeito. O consumo está a crescer, recuperando das quebras sentidas no ano passado e no início do ano, animado pela retoma económica e pelo fim das restrições à circulação. E isso é bem visível no tráfego das cidades como Lisboa que, segundo plataformas que medem a mobilidade, já regressou a níveis de congestionamento anteriores à pandemia.E por cada litro vendido, quase 80 cêntimos são imposto (ISP e IVA) no gasóleo e 99 cêntimos na gasolina, com base nos referidos dados de outubro.
O aumento dos combustíveis não resulta de uma decisão do Governo que até apontou na direção das petrolíferas quando a escalada nos preços começou no verão, promovendo legislação para poder intervir nas margens. Mas o facto é que os impostos representam a maior fatia no preço final, além de serem a componente que o Estado tem poder para alterar.
E o primeiro-ministro deixou já claro que este Orçamento não traz descida de impostos nos combustíveis, antes pelo contrário. A taxa de carbono que traduz a evolução das cotações do CO2 vai subir, disse António Costa no Parlamento. Os motivos invocados não são financeiros, mas ambientais.
“É tempo dos responsáveis políticos deixarem de se fazerem de sonsos perante a opinião pública. Não podem dizer metade da semana que querem medidas para combater a emergência climática e outra metade ser contra essas medidas. A emergência climática é todos os dias e exige uma taxa de carbono. Essa taxa vai continuar a aumentar e é uma medida correta não dar o menor contributo para baixar a fiscalidade sobre os combustíveis carbonizados”.
A incerteza associada à evolução das cotações internacionais do petróleo recomenda muita cautela em descidas de impostos pedidas por operadores e alguns partidos, porque estas podem não ter a eficácia pretendida. Corre-se o risco de perder receita ao baixar o imposto petrolífero, sem que isso resulte numa descida duradoura dos preços caso essa decisão coincida com um período de alta dos preços antes de impostos que pode engolir o desconto dado pelo lado fiscal.
Por exemplo, os transportadores pesados de mercadorias têm acesso a descontos no imposto petrolífero por via do reembolso da diferença face ao nível de fiscalidade cobrada em Espanha. A medida foi adotada em 2016, precisamente quando o Governo aumentou o imposto em seis cêntimos por razões orçamentais. Mas o chamado gasóleo profissional, que no passado já suscitou paralisações no setor, não protege estas empresas do ciclo de aumentos que se está a viver.
Daí a crescente pressão pública dos transportadores de mercadorias representados pela ANTRAM ou das petições online de milhares de cidadãos que ameaçam boicotar a compra de combustíveis, para além de promoverem protestos, vão manter o tema na agenda, sobretudo em tempo de discussão do Orçamento do Estado — o assunto é caro ao CDS e ao PSD, mas menos aos partidos à esquerda que podem viabilizar a proposta orçamental — e ainda mais se os preços continuarem a subir.