O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo interrompeu esta terça-feira o interrogatório do antigo diretor da Inteligência Económica dos serviços secretos moçambicanos no julgamento do processo principal das dívidas ocultas devido à falta de condições psicológicas do arguido.

O réu António Carlos do Rosário ficou abalado, está muito afetado e vamos ter de interromper o interrogatório“, afirmou o juiz Efigénio Baptista.

Baptista referia-se à decisão de afastar o advogado Alexandre Chivale da defesa de Rosário, a pedido do Ministério Público, em virtude de o causídico ser colaborador do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).

O juiz avançou que o interrogatório do antigo diretor da Inteligência Económica do SISE vai ser retomado na quinta-feira, após a pausa semanal de quarta-feira nas audiências do julgamento.

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António Carlos do Rosário terá de escolher um novo advogado para a sua defesa ou passar a contar com um defensor oficioso nomeado pelo tribunal, avançou Efigénio Baptista.

O antigo diretor da Inteligência Económica do SISE disse há uma semana que o seu advogado no julgamento do processo principal das dívidas ocultas é “colaborador” dos serviços secretos.

António Carlos do Rosário respondia ao interrogatório da magistrada do Ministério Público no caso, Ana Sheila Marrengula, revelação que, na altura, Alexandre Chivale recebeu com um sorriso.

Esta terça-feira, no momento das questões prévias à retomada do interrogatório ao arguido, Marrengula pediu ao tribunal que Chivale seja impedido de continuar a defender o seu constituinte, considerando que o advogado está numa situação de “grave incompatibilidade”, porque está a agir num caso que o opõe ao Estado sendo também colaborador do SISE.

“Todos nós aqui presentes, seguramente, temos memória de que o réu António Carlos do Rosário declarou neste julgamento e consta da competente ata que o ilustre advogado Alexandre Chivale é colaborador do SISE”, enfatizou.

Na sequência da decisão de impedir Chivale de continuar a advogar no caso, o juiz disse a António Carlos do Rosário para indicar um outro advogado ou esperar que o tribunal escolha um defensor oficioso.

“Réu António Carlos do Rosário, [Alexandre Chivale] já não pode continuar a ser seu advogado neste processo”, enfatizou o magistrado.

Efigénio Baptista também ordenou ao advogado que deixe a casa onde vive e entregue as chaves dentro de cinco dias, depois de o Ministério Público ter apontado que o imóvel foi apreendido, porque é propriedade de Rosário e foi adquirido com subornos do dinheiro das dívidas ocultas.

Reagindo à ordem judicial que o impede de intervir no julgamento do processo das dívidas ocultas, Alexandre Chivale afirmou que se trata de uma decisão esperada e que visa condicionar a defesa do antigo diretor da Inteligência Económica do SISE.

“Já estávamos avisados, porque o objetivo final é afastar o mandatário judicial do réu António Carlos do Rosário deste processo”, declarou.

Alexandre Chivale é também parte da equipa de advogados de Ndambi Guebuza, arguido e filho mais velho do antigo Presidente moçambicano Armando Guebuza.

No mesmo processo, Chivale defende também Inês Moiane, arguida e secretária particular de Armando Guebuza, e o sobrinho da arguida Elias Moiane.

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), que atua no processo como assistente do Ministério Público, defendeu que cabe ao Conselho Nacional da entidade decidir sobre a retirada de Alexandre Chivale da função de advogado no caso das dívidas ocultas.

Caberá ao Conselho Nacional da OAM apreciar e tomar a decisão relativa à incompatibilidade evocada, até porque há necessidade de se confirmar junto do SISE qual é o vínculo que existe entre Alexandre Chivale e esta entidade”, declarou.

A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) – valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.