Na bolha do combate às alterações climáticas, a sexta-feira tornou-se sinónimo de greves e protestos. Tudo à conta de Greta Thunberg, uma adolescente sueca que no verão de 2018 começou a fazer uma greve escolar às sextas-feiras para chamar a atenção para o problema das alterações climáticas. Rapidamente, o movimento das “Sextas-feiras pelo Futuro” ganhou dimensão global e inspirou milhares de jovens a juntarem-se à greve escolar e às Marchas pelo Clima.

Esta sexta-feira, não foi diferente.

A ativista sueca está desde o último fim-de-semana em Glasgow, na Escócia, onde decorre por estes dias a cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP26), a protagonizar uma série de eventos paralelos em vários pontos da cidade. Mas, esta sexta-feira, os eventos paralelos acabaram por ofuscar a agenda oficial da cimeira, que vai acontecendo no centro de congressos de Glasgow.

Milhares de pessoas (uma estimativa inicial apontou para 10 mil participantes) juntaram-se nas ruas da cidade escocesa para uma Marcha pelo Clima com apelos diretos à ação na COP26. A marcha terminou já perto das 17h com uma série de discursos na zona central da cidade, com destaque para Greta Thunberg, que fez o discurso de encerramento sem poupar nas críticas à cimeira, que classificou como “um falhanço” e uma “manobra de relações públicas”.

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“Não podemos resolver uma crise com os mesmos métodos que nos trouxeram aqui”, disse Greta a milhares de jovens. “O que será preciso para que as pessoas que estão no poder acordem?”, questionou a ambientalista. Ao microfone do protesto, Greta não poupou nas críticas. “Os líderes mundiais não estão a fazer nada”, disse. “Parece que o principal objetivo deles é continuar a lutar pelo status quo“, acrescentou, classificando a COP26 como “um festival de greenwashing“.

“Uma celebração de duas semanas do mesmo de sempre e do blá, blá, blá”, disse. “Não precisamos de mais promessas vazias.” Para Greta Thunberg, os acordos já alcançados durante a cimeira do clima (incluindo o acordo para travar a desflorestação, o acordo do metano e o acordo do carvão) não passam de “compromissos cheios de lacunas” e pediu aos líderes políticos que não ignorem “o consenso científico”. Greta Thunberg também criticou os meios de comunicação social por noticiarem os compromissos políticos, mas não verificarem se eles são cumpridos.

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Antes de Greta Thunberg, subira ao palco um jovem ativista filipino para lamentar que a COP se tivesse transformado “numa celebração de promessas inúteis por parte dos líderes mundiais, que vão dando palmadinhas nas costas uns dos outros enquanto sacrificam milhões de habitantes do Sul Global no altar do capitalismo e do imperialismo“.

Portugal estreou-se na COP26 com ministro do Mar

Enquanto milhares de jovens percorriam as ruas de Glasgow para ouvir Greta Thunberg e protestar contra a inoperância dos decisores políticos, Portugal estreava-se na cimeira com a presença do ministro do Mar, o primeiro governante português a representar o país na COP26. Ricardo Serrão Santos esteve em Glasgow para participar num painel de antecipação da Conferência dos Oceanos da ONU, que está agendada para 2022 em Lisboa. No programa oficial da COP26, esta sexta-feira teve como temas centrais o papel da juventude no combate ao aquecimento global e a proteção dos oceanos — com Serrão Santos a integrar um compromisso no sentido de classificar 30% dos oceanos mundiais como áreas marinhas protegidas até 2030.

O ministro debateu com um representante do governo do Quénia (país co-organizador da conferência). À saída, explicou aos jornalistas portugueses que a sua presença neste dia da COP26 teve como objetivo consolidar as discussões que vão conduzir à Conferência dos Oceanos. Até lá, vão decorrer vários outros eventos de antecipação da conferência, explicou.

Ricardo Serrão Santos foi ainda questionado pelos jornalistas portugueses presentes em Glasgow sobre a ausência do primeiro-ministro, António Costa, na cimeira. Mas o ministro desvalorizou o facto e pediu para que não se misturasse a ausência de Costa com ausências sonantes como as de Jair Bolsonaro, Xi Jinping ou Vladimir Putin.

“Estamos aqui muito bem representados pelo Ministério do Ambiente, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pela embaixada de Portugal”, disse Serrão Santos a jornalistas portugueses, em declarações transmitidas pela RTP3. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não misturar essas duas questões”, replicou, quando os jornalistas compararam a ausência de Costa com as ausências de alguns líderes mundiais que têm sido acusados de não considerar o combate às alterações climáticas como prioridade e que faltaram à cimeira, como os presidentes do Brasil, da China e da Rússia.

Foram questões de agenda. Eu próprio quis vir para o dia 2 e não consegui vir por falta de aviões e falta de quartos. Portanto, qualquer mudança que na altura provavelmente se procurava fazer foi inibida pela situação”, explicou o ministro do Mar, para depois dar o seu próprio exemplo e ilustrar como não tem sido fácil chegar a Glasgow com planos de última hora: “Eu ontem cheguei aqui e a minha reserva de hotel não existia.”

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António Costa não esteve presente na cimeira de líderes que deu o mote à COP26, uma ausência que foi justificada com as alterações repentinas de agenda motivada pela crise política (na sequência do chumbo do Orçamento do Estado) e também pelo facto de a sua intervenção na COP26 ter sido reagendada para dias diferentes várias vezes até ao último momento — altura em que se tornou impossível conciliar agendas.

Quem também representou Portugal na COP26 esta sexta-feira foi o presidente da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha. Numa entrevista em Glasgow à agência Lusa, Pitta e Cunha salientou que, “se os oceanos não forem fragilizados, eles vão poder ser um elemento fundamental na luta das alterações climáticas”.

“Falar em clima e não falar do oceano é impossível, porque o oceano é um dos principais fatores nesta dinâmica toda das alterações climáticas. É basicamente graças ao oceano que a humanidade não sofreu com as alterações climáticas porque ele absorve dióxido de carbono e 90% do aquecimento global”, argumentou o líder da fundação portuguesa.

Uma meta financeira alcançada um ano antes do previsto

Apesar de o tema do dia terem sido os oceanos e a juventude, a COP26 tem ficado quotidianamente marcada por debates sobre como financiar a transição climática. Na noite de quinta-feira, ficou a saber-se pela voz de John Kerry, enviado especial dos EUA para as negociações climáticas e antigo secretário de Estado do país, que a meta financeira das alterações climáticas — a mobilização de 100 mil milhões de dólares por ano entre as economias mais ricas do mundo para apoiar os países em vias de desenvolvimento na transição energética — poderá ser alcançada já no próximo ano, e não em 2023, como até aqui estimado.

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O objetivo de mobilizar até 2020 um total 100 mil milhões de dólares anuais dos países mais ricos para os países mais pobres foi assumido em 2009, na COP15, em Copenhaga; formalizado no ano seguinte, na COP16, em Cancun; e reiterado em 2015 na COP21, em Paris — tendo o compromisso ficado consagrado no Acordo de Paris com o horizonte temporal de 2025.

De acordo com um relatório da OCDE publicado em outubro, estimava-se que o valor em 2022 ficasse nos 97 mil milhões de dólares — e subisse para 106 mil milhões em 2023.

O dinheiro, com origem nas maiores economias do mundo, provém tanto de fundos públicos como de investimento privado. Apesar de as estimativas mais recentes apontarem para o alcance da meta em 2023, John Kerry explicou na noite de quinta-feira que o objetivo será antecipado.

De acordo com Kerry, o Japão comprometeu-se a pagar dois mil milhões de dólares por ano, durante os próximos cinco anos, para este fundo — o que permitiu desbloquear mais oito mil milhões de dólares por ano de financiamento privado. Kerry discursou num jantar promovido pela Confederação Britânica da Indústria, em Glasgow, à margem da COP26.

No discurso, Kerry salientou que “isto significa que em 2022 vamos ter os 100 mil milhões de dólares que queríamos ter”.

Porém, Kerry advertiu que “nenhum governo do mundo tem dinheiro suficiente para implementar esta transição”, pelo que é necessário convocar o setor privado para os esforços. “As Nações Unidas dizem-nos que esta transição já tem um buraco financeiro algures entre os 2,6 e os 4,6 biliões de dólares por ano. Por isso, milhares de milhões não chegam. Precisamos dos biliões.

Já na manhã desta sexta-feira, no interior da cimeira, John Kerry elogiou os esforços que estão a ser feitos na COP26. “Há um sentimento de urgência maior nesta COP, um maior sentimento de foco”, disse, sublinhando que nunca tinha visto tanto “dinheiro real” ser mobilizado no início de uma cimeira da ONU sobre o clima.

O ex-secretário de Estado dos EUA salientou mesmo que os compromissos assumidos pelo G20 significam que a COP26 já vai “muito além do que muitos achavam que era possível”.

A COP26 chega ao fim da primeira semana com uma série de compromissos assumidos que, de acordo com estudos publicados nos últimos dias, poderão limitar o aquecimento global a 1,8ºC ou 1,9ºC em relação aos níveis pré-industriais. Antes da COP26, as estimativas colocavam este aquecimento em torno dos 2,7ºC até 2100 — o que significa que a cimeira de Glasgow poderá deixar o mundo significativamente mais próximo das metas do Acordo de Paris. É necessário, evidentemente, que os compromissos sejam implementados na íntegra.

Isso não é, para já, certo. Esta sexta-feira, alguns países já se demonstraram céticos quanto a isso. A Indonésia, por exemplo, disse que o acordo sobre a desflorestação, que assinou nos primeiros dias da COP26, é “injusto”. O país asiático, que integra milhares de pequenas ilhas, tem a terceira maior floresta tropical do mundo e é um dos principais agentes do acordo que prevê travar a desflorestação até 2030. A ministra do Ambiente da Indonésia, Siti Nurbaya Bakar, disse agora que “forçar a Indonésia a chegar a zero desflorestação em 2030 é claramente inapropriado e injusto”. Bakar foi mais longe: “O grande desenvolvimento da era do Presidente Jokowi não pode parar em nome das emissões de dióxido de carbono ou em nome da desflorestação.”

Por outro lado, a Austrália, que ficou de fora do acordo destinado a travar a produção de eletricidade a carvão, já veio dizer, pela voz do ministro Angus Taylor, que o foco do país “não é dizimar as indústrias“, mas investir em “tecnologias de baixas emissões” — o que significa que dificilmente o país se juntará a este acordo decisivo num futuro próximo.

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A COP26 continua este sábado, com um dia dedicado à natureza e ao uso dos solos. Mas esta é só a face visível da cimeira. À porta fechada, as delegações dos vários países continuam a negociar o texto que vai constar do texto final da cimeira. No fim do dia de sábado, o presidente da COP26, Alok Sharma, vai reunir os negociadores num plenário informal para “reafirmar o compromisso em garantir que seremos capazes de adotar todas as decisões e conclusões na sexta-feira dia 12 de novembro, com o documento completo disponível em todas as línguas da ONU“.

Sharma quer evitar o que se passou em cimeiras anteriores e garantir que a COP26 cumpre o prometido e entrega, no último dia, um documento pronto a assinar. “Alcançar este objetivo implica que a finalização dos textos pendentes terá de avançar rapidamente na primeira parte da segunda semana”, disse. “A minha expectativa é que na quarta-feira, dia 10 de novembro, quando os textos quase finais forem apresentados, já só estejam pendentes poucos assuntos.”