As histórias da vida política também devem ser escritas com “palavras muito simples”, como as do conto infantil de José Saramago (“A maior flor do mundo”). Mas nem sempre corre assim. A de António Costa, por exemplo, chegou ao “planeta Marte” do tal conto, o território desconhecido. E enquanto pensa por onde “vai ou não vai”, há uma certeza na vantagem de continuar a evidenciar o exercício do cargo que (ainda) ocupa — o de primeiro-ministro. É precisamente a partir dele que se prepara para “prevenir” em vez de remediar. Ou, nas tais “palavras muito simples”, Costa está prestes a tomar novas medidas pandémicas.
O dia em que se assinala o arranque das comemorações do centenário de José Saramago que levou o primeiro-ministro a uma escola de Rio Maior (a Fernando Casimiro Pereira da Silva) e também a plantar uma oliveira, a 99ª (a idade que o escritor completaria nesta dia), na Azinhaga, terra onde nasceu o primeiro e único Nobel da Literatura português.
Foi também o dia em que a comissão das comemorações desafiou as escolas de todos o país a lerem, à mesma hora, o conto “A Maior Flor do Mundo”. Costa aproveitou a moral dessa história para apontar à necessidade de “cada um ser maior do que si mesmo”. E, como o tempo é pré-eleitoral, pregar ainda uma outra moral: a da capacidade do Governo em fazer o mesmo, reinventando-se.
O contexto deu um empurrão. Afinal, aquele era o agrupamento de escolas que maior número de docentes disponibilizou para o “Estudo em Casa”, o programa criado pelo Governo para garantir o ensino à distância durante os isolamentos dos dois últimos anos letivos. Foi o pretexto para Costa reclamar méritos próprios no combate à pandemia: “Foi preciso reinventar o processo de aprendizagem”, recorda. Um capítulo que não pretende, no entanto, voltar a abrir.
O fecho de escolas dificilmente voltará a ser uma opção num país que António Costa diz ter sido capaz de se superar — mais uma vez a tal moral — em matéria de vacinação. O trunfo do país que está no topo dos que têm mais população vacinada contra a Covid-19 é jogada com insistência pelo Governo socialista nesta altura politicamente sensível. Mas o primeiro-ministro também vai lembrando: não chega “ficar sentado à sombra da vacinação” e é preciso preparar o terreno para encaixar medidas preventivas.
“Devemos procurar agir já para chegar à altura do Natal com menos receios do que se não atuarmos já. Quanto mais tarde actuarmos, maiores serão os riscos”, afirmou aos jornalistas entre uma visita e outra. Não diz em quê, mas o processo que está a desencadear, com as reuniões de peritos e partidos já convocadas para avaliar a situação epidemiológica, não deixa margem para dúvidas de que, na próxima semana, o país deverá conhecer novidades em matéria de medidas para voltar a tentar conter a pandemia.
O entendimento no Governo é que, embora o número de casos esteja a subir em muitos países da Europa, Portugal estará a conseguir conter esse disparo por causa da vacinação, do clima e do uso de máscara. Ainda assim, é preciso avaliar já as medidas a adotar sem esticar muito as restrições, com Costa a não prever que o país tenha “de adotar medidas que impliquem a existência do estado de emergência.”
É certo que o Parlamento estará dissolvido em breve, mas não é isso que impede o Governo de avançar já com pulso firme. António Costa, de resto, lembrou que a Comissão Permanente da Assembleia da República conserva instrumentos de fiscalização do Governo e outros poderes.
A moderação nas medidas que venham a existir não se prende, assim, com limitações políticas, mas com a exclusiva vontade do Governo — é uma escolha política — e tem duas razões. A primeira tem a ver com a fé na proteção conferida pela vacina, que não tem comparação com a de alguns dos países da Europa e a segunda prende-se com “a regra de perturbar o mínimo possível a vida das pessoas” embora “sem correr o menor risco de agravamento da situação”, diz Costa.
Este, confia o primeiro-ministro, é o momento para “prevenir”. “O vírus circula e aproxima-se o Natal. Somos um país que temos milhões de compatriotas no exterior e muitos vêm visitar famílias e [vindos] de países com taxas de vacinação inferiores”, alertou Costa.
Há um ano, a abertura no Natal foi apontada pelos especialistas como responsável pela vaga de janeiro, aquela em que o país registou não só o maior número de incidências diárias como também o maior número de mortos por Covid-19 e que os hospitais estiveram à beira do colapso.
A convicção de Costa segue agora com a cautela de quem não quer “pensar que só acontece aos outros” quando “sabemos que nenhuma vacina tem cobertura de 100%”. Garante que a administração da terceira dose da vacina aos mais velhos segue como o previsto e que, neste momento, 60% das pessoas com mais de 80 anos já teve essa administração. Apela a quem ainda não recebeu esse reforço e que está em tempo disso para se dirigir ao centro de saúde (os mais de 80) ou estar atento às chamada das autoridades de saúde (os mais de 65).
Enfim, sublinha a sua gestão da pandemia e segue para o desconhecido terreno eleitoral com essa carta na manga. Ou com essa cruz às costas. Das duas uma. É simples.