A ministra da Justiça lamentou esta quinta-feira que a Assembleia da República não tenha aprovado, no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção, os “acordos sobre a pena aplicável” em fase de julgamento, dizendo acreditar que era “uma boa medida”.
Francisca Van Dunem falava na sessão de abertura, em Lisboa, do colóquio internacional “Políticas Públicas e Estratégias contra a Corrupção”, desenvolvido no âmbito do Barómetro das Estratégias Nacionais Anticorrupção (BeNAC), uma iniciativa do Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Em relação à não aprovação dos chamados “acordos de sentença”, a ministra referiu que “o parlamento é soberano e a medida não passou”, mas contrapôs que era uma “boa medida” para simplificar e acelerar a fase de julgamento nas situações em que o arguido confessa os factos, permitindo ao Ministério Público (MP) e ao advogado de defesa chegar a um acordo sobre a pena aplicável ao agente do crime.
Em defesa desta medida, Francisca Van Dunem invocou a sua experiência enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, altura em que houve julgamentos relativos a fraudes no Serviço Nacional de Saúde (SNS) relacionados com exames complementares de diagnósticos falsamente realizados para obtenção de verbas indevidas.
Segundo a ministra, muitos arguidos chegaram a julgamento e “admitiram tudo”, mas como “não era possível haver negociação da pena” foi necessário ouvir em tribunal todas as pessoas que constavam ficticiamente como pacientes dos exames médicos, o que atrasou a celeridade dos trabalhos. “Isto seria desnecessário”, comentou a propósito.
Quanto à Estratégia Nacional Anticorrupção, a ministra recordou que a proposta de lei que o Governo apresentou ao parlamento previa intervenções incidindo sobre áreas como a conexão de processos, o regime da atenuação e dispensa de pena, as sanções acessórias, a otimização dos efeitos da confissão integral e sem reservas e a responsabilidade penal das pessoas coletivas.
O pacote já aprovado não correspondendo integralmente ao sentido de todas as propostas do Governo, nomeadamente no que refere à simplificação da fase do julgamento — onde se sentem dificuldades acrescidas — constitui um importante avanço num processo evolutivo que sabemos complexo e exigente mas no qual vale a pena participar”, sublinhou, contudo, Francisca Van Dunem.
Relativamente ao que a estratégia trouxe de novo, a ministra indicou, desde logo, “a vontade de pensar o fenómeno, desde a sua génese, indo às suas raízes, às formas e aos lugares que o veiculam e perpetuam — e de conceber lenitivos adequados a cada um desses espaços e momentos, atingindo o fenómeno no seu âmago, retirando-lhe o oxigénio, debilitando-o”.
Por isso, a estratégia parte da educação formal, acompanha o ingresso e permanência em funções públicas, cruza com exigências de compliance na atividade privada, com renovadas imposições de informação, simplificação das organizações, de transparência, de clareza, na ação pública, seja ela de natureza política ou administrativa, introduz incentivos ao estudo e conhecimento do fenómeno e melhorias nas condições de responsabilização da toda a cadeia de intervenientes no ciclo corruptivo”, vincou.
Acentuou que a estratégia “não esquece a atividade legislativa e a necessidade de diminuir as obscuridades legais, a necessidade de avaliação da permeabilidade das leis aos riscos de fraude, nem oblitera a componente organização que, muitas vezes, por complexa, por disfuncional e por opaca subjuga, oprime os cidadãos, e convida ao aparecimento de supostos facilitadores“.
“O que a estratégia nos trouxe de novo foi também uma proposta de trabalho ‘orquestrado’, de dinâmica de ação concertada e de atenuação da complexidade por redução da dispersão regulatória”, concluiu, frisando que o regime geral de prevenção da corrupção “aglutina, num diploma único, um conjunto de regras hoje dispersas, o que facilita a sua assimilação e alivia os aplicadores de tarefas de pesquisa”.
Francisca Van Dunem falou também da primazia da prevenção, como “intervenção prioritária da estratégia no desenraizamento” do fenómeno da corrupção, que tem raízes históricas e culturais.
O colóquio, realizado na Gulbenkian, visa promover o debate em torno das múltiplas dimensões que envolvem os fenómenos ligados à corrupção e, em geral, à criminalidade económica e das estratégias para os combater, monitorizar e avaliar as políticas públicas contra a corrupção em Portugal, em especial as desenvolvidas no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024.
A sessão de abertura contou ainda com a participação de António Sousa Ribeiro, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e de Guilherme d’Oliveira Martins, membro do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian.
Carissa Munro, analista Política da Divisão para a Integridade no Setor Público/OCDE, Alina Mungiu-Pippidi, professora na Hertie School de Berlim, Paulo Pinto de Albuquerque, professor da Universidade Católica Portuguesa e Vítor Caldeira, ex-presidente do Tribunal de Contas e do Tribunal de Contas Europeu são outros dos participantes no evento.