A velha tática do costismo vai tomando o PS à medida que se aproximam umas eleições de maioria incerta. Os discursos que pisam o palco socialista vão doseando aproximações e afastamentos à esquerda e à direita, para deixar tudo em aberto para o dia 31 de janeiro. Isto na estratégia política, porque na sociedade civil, que António Costa chamou este domingo para preparar o programa socialista, no Porto, há pedidos para que o centro se entenda.
Elvira Fortunato, professora catedrática e vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, era uma espécie de cabeça de cartaz do Fórum Nacional que o PS promoveu este domingo no edifício da Alfândega do Porto. Entrou no painel dedicado ao crescimento da economia e falou na necessidade de “previsibilidade no programas de investimento e de financiamento plurianual” na área da Ciência: “Têm de estar desagregados dos ciclos políticos“. Um pedido que traz associada a necessidade de entendimentos entre os partidos rotativos no poder.
A cientista falava num painel onde também participaram o fundador e CEO da Polygon, Fernando Freitas, e o presidente da DTX Digital Transformation Colab e professor catedrático da Universidade do Minho, Ricardo Machado. Mas foi a pioneira na investigação na eletrónica de papel — que ainda este fim de semana se mostrou pouco interessada na carreira política, em declarações ao semanário Expresso — que mais desafios deixou ao dizer que “tem de haver uma política de mais confiança com quem vem a seguir” e que mesmo que um Governo termine, “a Ciência não vai terminar”. Além disso, pediu também “um simplex na Ciência” para “simplificar procedimentos”, nomeadamente as regras de contratação pública que, diz, “fazem com que o país perca competitividade”.
“O Estado deve dar o exemplo”, atirou perante a plateia socialista pedindo “vontade política” para acelerar investimentos na ciência, como já houve para outras situações. A propósito até falou na inauguração recente da ala pediátrica do hospital de São João que acelerou depois da aprovação unânime, no Orçamento do Estado para 2019, do ajuste direto da construção contornado as regras de contratação pública. “É possível acelerar o investimento”, disse a cientista apontando a variável “muito importante que é o tempo”, na Ciência, e como, neste momento, as regras de contratação pública e a burocracia atrasam os processos.
O discurso político também andou ao centro
Estas são propostas que implicam entendimentos alargados, no Parlamento, que o PS vai propagando que consegue promover como ninguém. Este domingo, no Porto, Porfírio Silva, deu mais um contributo para a ideia de um PS capaz ao centro ao avisar que “para os socialistas democráticos, o Estado não tem de ser, não pode ser hostil à iniciativa individual e social, à diversidade, à diferença”. “A visão que o PS tem do público e do privado, do papel do Estado e da iniciativa privada e social não é a visão nem da direita nem das outras esquerdas”, exemplificou.
Em relação ao BE e ao PCP, parceiros do últimos anos, Porfírio Silva ainda atirou à “enorme desconfiança” que têm face “à iniciativa privada”, considerando mesmo “profundamente retrógrada” a proposta da esquerda “que impediria instituições de Ensino Superior de serem parte em consórcios com entidades privadas”. E se o PS não é a direita que “critica os serviços públicos quando está na oposição e corta-os quando está no poder”, também não é esta esquerda. Quer a única escolha viável ao centro.
António Costa havia de vir no final, sem ataques a esta esquerda, mas apenas à direita — e exclusivamente à direita representada por Rui Rio. E até para rejeitar que se possa ter uma solução de estabilidade para o país a prazo, como chegou a sugerir o líder social democrata quando falou na possibilidade de um acordo de meia legislatura. “Há uma coisa que não podemos consentir: que o país fique adiado e parado, com soluções provisórias para dois anos”, disse Costa no final do seu discurso já depois de ter atirado às exclusões promovidas por Rui Rio na elaboração das listas do PSD de candidatos a deputados.
Este jogo de equilíbrios políticos vai mantendo tudo em aberto, que foi o que António Cota foi fazendo em 2015 em relação à esquerda — que lhe falhou agora na aprovação do Orçamento para 2022. Mas os painéis de debate do Fórum socialista iam seguindo alheios a estas contas.
Pedidos de estabilidade também no setor social e um novo imposto
O padre Lino Maia interveio no debate sobre desigualdades, que decorria noutra sala da Alfândega, e onde deixou o desafio para um pacto para a solidariedade “para que as instituições de solidariedade não colapsem”, mais um acordo alargado. Mas também a consignação de um imposto (no âmbito do jogos sociais) para a proteção social. O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade vai mesmo propor isto a “todos os partidos”, segundo revelou.
Neste capítulo das desigualdades, Fernanda Rodrigues, professora auxiliar na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, disse ainda aos socialistas que o importante nesta área “não é só inventar coisas novas, mas saber continuar o que existe e consolidar” o que já está em marcha, em mais um pedido de estabilidade das políticas. Neste painel intervieram ainda Ariana Cosme, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, e Manuela Álvares, vereadora da Câmara Municipal de Matosinhos.
Na área da Saúde, o destaque maior foi para o antigo secretário de Estado (no Governo de Costa) e atual presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João. Fernando Araújo defendeu políticas de prevenção do sector da saúde num painel que se focou na necessidade de “cativar e manter os recursos no SNS” e onde também falaram Margarida Tavares, médica infecciologista do Hospital de São João e ainda Dalila Veiga, médica anestesiologista da Unidade de Dor do Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Por agora, António Costa não se compromete, por agora, com medidas concretas além das que ficaram por concretizar com o chumbo do Orçamento para 2022 — e que lamenta, a cada intervenção, não terem saído do papel prometendo que estão garantidas caso o PS consiga formar novamente Governo depois das eleições de 30 de janeiro. Os contributos que foram recolhidos neste Fórum e nos vários locais que decorreram pelo país vão agora ser analisados e eventualmente acolhidos pelo PS no programa eleitoral que António Costa vai apresentar no início do ano.
Quanto à configuração dos entendimentos que foram pedidos por alguns dos representantes da sociedade civil que Costa chamou ao debate, o líder socialista adiantou ainda menos. Continua a manter Rui Rio à distância, no discurso político, mas continua a não fechar a porta ao PSD. Neste ponto só se afasta mesmo — sem surpresa — da hipótese de um Governo a prazo. O seu plano, diz, é para quatro anos e é para esse horizonte que pretende “criar condições e estabilidade governativa”. Quais? Tudo em aberto.