Um responsável da Brisa disse à GNR que, no dia em que o carro do Ministério da Administração Interna colheu Nuno Santos, apenas estava previsto que os trabalhos, acabamentos, limpeza e monitorização de drenagem na A6 decorressem no lado direito daquela estrada. Não constava, assim, do plano para aquele dia 18 de junho a realização de trabalhos no separador central, onde a vítima foi atropelada, acabando por morrer.

Ricardo Damião, encarregado geral da obra civil no Centro Operacional de Estremoz da Brisa, prestou declarações a 14 de julho e explicou às autoridades que todos os trabalhos que decorram na A6 têm de lhe ser comunicados. Naquele dia, o responsável sabia dos trabalhos de “revestimento vegetal” que a empresa Arquijardim estava a realizar, mas estes seriam apenas executados no lado direito. Um dado que contradiz a tese dos colegas de Nuno, que alegaram ser normal os trabalhadores deslocarem-se ao separador central para verificar os escoadores de águas pluviais.

Aliás, foi precisamente por apenas estarem previstos trabalhos naquela zona que só foi usada uma carrinha de sinalização. Caso contrário, teria de ser usada outra carrinha, para assinalar os trabalhos que estivessem a decorrer no separador central. E, neste caso, sim, haveria sinalização estática colocada antes da zona do acidente, porque a via estaria obstruída (como veio a acontecer após o atropelamento, com uma informação no painel de mensagens da A6 localizado uns quilómetros antes).

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O responsável explicou que, quando soube do acidente, contactou um oficial mecânico que fazia o patrulhamento no local e que tinha passado na zona cerca de uma hora antes, pelas 11h50. O funcionário garantiu que os trabalhadores estavam a trabalhar a cerca de 100 metros da carrinha de sinalização, que tinha os sinais traseiros acoplados e os luminosos ligados (contrariando, neste ponto, a tese dos ocupantes dos carros da comitiva do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita).

A dúvida que permanece: o que levou Nuno Santos a atravessar a estrada

Também o responsável da Brisa, Ricardo Damião, testemunhou o mesmo, mas às 14h05, após o atropelamento mortal. Terá sido depois desse momento que participou numa breve reunião com os três funcionários presentes. Dois deles não se aperceberam dos momentos que antecederam o acidente porque estavam a trabalhar a 100 metros do local do acidente, mas Joaquim Parreira, que naquele dia substituiu Nuno a volante da carrinha de sinalização, ter-lhe-á dito que a vítima tinha ido buscar papel à carrinha.

Este diálogo acabou por ser mais tarde alvo de acareação entre as duas testemunhas, com Joaquim a insistir que não se recorda de ter fornecido essa informação. E garantindo desconhecer o motivo pelo qual o chefe de equipa atravessou a A6 e deixou o soprador na valeta, junto à carrinha de sinalização. A GNR acabou, ainda assim, a recolher papel higiénico e vestígios biológicos do separador central da A6. As perícias revelaram-se inconclusivas.

Também o motorista de Eduardo Cabrita, Marco Pontes — que agora é acusado de homicídio por negligência —, quando testemunhou sobre o acidente, e ainda de ser constituído ser arguido, disse que ouviu no local os trabalhadores a avançarem com a informação de que Nuno teria ido “urinar”.

Já no relatório final da GNR, que consta no processo consultado pelo Observador, afasta-se também a tese de que Nuno Santos tenha ido ao separador central verificar os escoadores da chuva, uma vez que, quando estiveram a fazer uma nova visita ao local (e encontraram uma luva e papel higiénico), não localizaram qualquer escoador. A GNR continua inclinada para a tese de que fora fazer necessidades, ainda que as perícias da PJ ao papel higiénico e a fragmentos biológicos tenham concluído que não se pode retirar tal conclusão.

Permanece a dúvida sobre o que foi Nuno fazer ao separador central. Quanto às contradições a propósito da sinalização — em que os trabalhadores dizem estar correta e os elementos da comitiva do MAI alegaram não existir —, o Ministério Público concluiu, na acusação que proferiu há uma semana, que a sinalização da carrinha era a correta, com os sinais traseiros acoplados e com os sinais luminosos ligados.