As alegações finais do processo em que o Ministério Pública acusa Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, do crime de prevaricação por, alegadamente, ter favorecido a imobiliária da sua família, da qual era sócio, durante o seu primeiro mandato, em 2013, em detrimento da autarquia. Na base do processo está o negócio de terrenos na escarpa da Arrábida, cujo conflito judicial opunha há vários anos a câmara à imobiliária Selminho.
Rui Moreira teve a última palavra nesta sessão e começou por defender não apenas a sua honra, mas também a das pessoas que trabalham na autarquia. “Sabia ao que vinha, mas não contava era ver a minha honra ofendida e a honra das pessoas com que me habituei a trabalhar na câmara ao longo dos últimos oito anos e meio. Pessoas essas que não conhecia e com quem nunca falei sobre o caso Selminho e a quem nunca dei instruções.” O autarca aproveitou ainda para salvaguardar ainda a sua antiga vice-presidente, Guilhermina Rego, ao afirmar que esta “assinou o acordo certamente convicta de que estaria a fazer o melhor para o município”, concluindo dizendo que conta “cumprir o mandato até ao fim”.
Durante as alegações finais desta quarta-feira, o procurador Luís Carvalho afirmou que o Ministério Público “entende que a pena [de prisão] a aplicar deverá ser suspensa na sua execução, mas defende que a pena acessória de perda de mandato”. No entender do MP, durante oito anos — de 2015 a 2013 — a Selminho não viu as suas pretensões serem acolhidas, “nem em sede de urbanismo nem em sede judicial”, mas “conseguiu em 11 meses” – após a tomada de posse de Rui Moreira – o que não tinha conseguido: um acordo com a autarquia que acolhia a sua intenção de construir nos terrenos situados na escarpa da Arrábida.
Segundo o MP, “os factos relacionados entre si” permitem concluir que a intervenção de Rui Moreira permitiu um “acordo totalmente favorável às pretensões da Selminho”, acrescentando que o autarca “foi o responsável e quem beneficiou” do desfecho do litígio entre a imobiliária da sua família, da qual era sócio, e o município a que preside. Para o MP existiu uma “mudança de sentido” por parte da autarquia desde que Moreira assumiu funções no município, algo “que não aconteceu até aí”.
Segundo o procurador, as “dúvidas subsistem” relativamente à intervenção e influência de Rui Moreira no processo. O MP sublinha que quando tomou posse o autarca deveria não questionar Azeredo Lopes, seu chefe de gabinete, se podia ou não assinar a procuração que transmite plenos poderes ao advogado Pedro Neves de Sousa para representar o município numa audiência prévia com a Selminho, mas questionar sobre “o que fazer para não intervir de todo no processo”, uma vez que a imobiliária pertencia à sua família”. “[o arguido] Vai perguntar ao senhor Azeredo Lopes se pode assinar a procuração? Devia era tentar perceber como é que não podia intervir [no processo]”, questionou o procurador do MP, defendendo que o autarca se devia ter declarado impedido de intervir no processo desde o início.
O documento em causa, que está na origem de todo o processo, permitiu ao advogado, em nome do município, chegar a acordo com a Selminho, assinado em 24 de julho de 2014, que previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), ou, se isso não fosse possível, indemnizar a imobiliária num valor a ser definido, mas em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao eventual pagamento de indemnização de 1,5 milhões de euros.
Já o advogado de defesa fala num “ataque indescritível à honra” de Rui Moreira. “O sr. Procurador trouxe aqui 17 testemunhas e não nenhuma alma foi capaz de dizer tivesse, direta ou indiretamente, alguma instrução por parte do presidente”, disse Tiago Rodrigues Bastos, questionando mesmo se “estas pessoas mentem?”. “Não posso dizer que fiquei surpreendido, embora me choque o que acabamos de ouvir. Infelizmente já não espero que o MP tenha o comportamento condizente com as suas funções, ou que os senhores procuradores ignorassem aquilo que se passa no julgamento, de forma a denegrir e ofender a honra das pessoas”, afirmou, acrescentando que as descrições do MP são “de uma violência sem paralelo”.
Segundo Tiago Rodrigues Bastos, “a prova relativamente à intervenção é absolutamente inequívoca e esmagadora”, admitindo, contudo, que “teria sido melhor” Moreira não ter assinado a tal procuração, sublinhando que dela não “adveio” qualquer orientação sobre o processo.
Para o advogado de Moreira a procuração forense assinada é “um ato inócuo” no acordo celebrado entre a autarquia e a Selminho, garantindo ser “absolutamente evidente não existir palco” para o crime de prevaricação. “Neste processo tanto ou mais importante para Rui Moreira é saber se sai absolvido ou não é que não fique permaneça esta ideia que lhe é atirada desde 2016 de que mal foi eleito presidente a primeira que foi fazer foi tratar vidinha da sua família, é uma ideia intolerável e inaceitável.”
À saída do tribunal, o advogado de defesa garantiu que irá aguardar com “confiança”, “tranquilidade” e “serenidade” a decisão do tribunal, que será conhecida a 21 de janeiro, pelas 14h30.
No passo mês de novembro, o Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, ouviram-se cerca de 20 testemunhas arroladas pelo Ministério Público, sobretudo antigos elementos da autarquia — o ex-chefe de gabinete de Moreira, ex-diretores dos serviços jurídicos, o advogado que representou a câmara no diferendo com a empresa — que explicaram como ficaram a saber da relação familiar que Rui Moreira tinha com a Selminho ou detalharam o acordo final, assinado em julho de 2014, entre o município e a imobiliária.
Todas as testemunhas negaram que o autarca tenha interferido no processo e quatro delas dizem desconhecer a procuração forense assinada pelo próprio, poucos meses de tomar posse, documento que está na origem de todo o processo. Rui Moreira esteve presente em todas as sessões e prometeu prestar declarações “só no final do julgamento”.