Os líderes do Chega e da IL trataram-se por tu, trocaram sorrisos, mas tentaram explorar as fragilidades do adversário para abandonarem a posição que tiveram em comum nos últimos dois anos: a de deputados únicos. Em mais um debate das legislativas, realizado este domingo na RTP3, João Cotrim Figueiredo tentou provar que o Chega é “incompetente”, “populista” e “irrelevante” para uma solução de Governo não-socialista. Em sentido contrário, André Ventura quis provar que a IL é um partido de “privilegiados” e que, repetiu, “vendeu-se ao PSD”.

Na verdade, os dois tentaram vender-se aos portugueses, numa espécie de saldos para caberem no fato de uma coligação anti-PS, começando precisamente pela governabilidade. Na montra televisiva, Cotrim e Ventura travaram mesmo um duelo pelo trono de partido mais relevante no espaço não-socialista a seguir ao PSD. Ventura abriu as hostilidades para denunciar que “há um arranjo entre PSD, CDS e IL para passar a mensagem política de que o Chega não conta para a solução”.

Nota: a este propósito, da governabilidade, Ventura tinha afirmado em entrevista ao Observador que chumbaria o programa de um Governo de Rui Rio caso esse executivo não tivesse ministros do Chega. “Leiam os meus lábios: se o Chega não tiver participação no Executivo e se depender dele não há nem Rui Rio nem o diabo que os carregue a passar pelo muro que vai ser o Parlamento porque não estamos aqui a brincar”, garantiu o líder do Chega.

Agora, do debate televisivo com o presidente da Iniciativa Liberal, André Ventura disse o seguinte: “Admitimos tudo, porque a nossa posição não é destrutiva“. Um recuo que o volta a colocar em jogo.

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Na resposta, Cotrim Figueiredo tentou reduzir o Chega a um partido de protesto e explicou que os Açores não são repetíveis, desde logo, porque partidos como o PSD e o CDS — que integram o governo regional — “já disseram que não querem acordos com o Chega”. O líder da IL acrescentaria ainda que o Chega queria tanto ser “incontornável” que agora “ninguém o quer”. E isso, vaticina, só quer dizer uma coisa: “A estratégia falhou”.

Depois da governabilidade, Cotrim e Ventura centraram-se em vender a qualidade do produto. João Cotrim Figueiredo tentou provar que o Chega é “incompetente” (deu exemplo da proposta “mal feita”, que descriminalizava a violação de jovens entre os 14 e os 18 anos), “pouco confiável” e que para “crescer rápido promete tudo“.

André Ventura respondeu na mesma moeda e tentou desvalorizar o produto na loja vizinha. “É mais do mesmo do sistema”, começou por dizer, para depois tentar apresentar a IL como um partido de nicho: “A IL é o partido dos privilegiados (…) A IL gosta de ser cool do Príncipe Real, são muito modernaços mas depois votam contra o aumento das penas para a corrupção.”

O líder do Chega lembrava ainda que a IL não tem “propostas pelo interior”, que votou “contra o Hospital do Algarve” e que até admite coligações com o PAN, numa tentativa de provar que a IL não vende fora das grandes cidades e que também despreza o mundo rural. Repetia Ventura: “A IL não quer saber de Portugal, só quer saber do lucro.”

O regateio continuou e com parada-resposta. Se Cotrim acusava o Chega de ser “populista” e de ser incapaz de lidar com propostas impopulares (como acontece no Novo Banco e na TAP), Ventura sacou de uma proposta que a IL deixou cair do programa de 2019 (e que foi polémica) e que passava por os alunos do ensino superior ficarem com uma dívida sobre o seu curso durante 30 anos. “Não acredito nisso, por isso é que tirámos do programa”, admitiu Cotrim após a insistência de Ventura.

Ao vestirem a camisola pelos partidos, chegaram ao ponto de discutir tamanhos. Pegando no programa do Chega, que tem 50 páginas, contra as cerca de 600 da IL, Cotrim Figueiredo insistia na incompetência do partido da direita radical. O que levou Ventura a questionar: “Então, o que conta é o tamanho?”, questionava Ventura. Ao que Cotrim retorquiu: “Não é o tamanho, é a profundidade”. E ainda acrescentou:  “Já vi trabalhos de ensino secundário com mais profundidade que o programa do Chega”.

Cotrim não deixaria ainda de atacar André Ventura pelas falhas na assiduidade no hemiciclo: “Sei que não vai muito ao Parlamento”. Ventura ficou sentido e não guardou para si: “Dessa não estava à espera, João”. O líder do Chega lembrou depois que foi candidato presidencial e acusou o líder da IL de fazer “demagogia barata”. Espirituoso e provocador, Cotrim atiraria com ironia: “Não é barata, é cara, que eu sou um privilegiado”.

O debate acabaria como começou: na governação. E aí, Cotrim vendeu-se melhor ao potencial comprador após 30 de janeiro: Rui Rio. Ventura disse que “Rui Rio nunca seria o primeiro-ministro que Portugal precisa”, enquanto Cotrim Figueiredo admitia que “se Rui Rio tiver um bom programa e parceiros com determinação que o deixem cumprir esse programa, pode ser um bom primeiro-ministro”. Ventura atiraria mais três vezes até o debate acabar: “Vendeu-se ao PSD, vendeu-se ao PSD, vendeu-se ao PSD”.

O diálogo mais revelador

– André Ventura (AV): Neste momento há um arranjo entre PSD, CDS e IL para passar a mensagem política de que o Chega não conta para a solução, o que é normal, visto que a IL só em termos orçamentais votou mais vezes ao lado do PS do que de outro partido à direita.

– João Adelino Faria: Quando diz arranjo quer dizer que depois vão aceitar o Chega para viabilizar?

– André Ventura: Isso não sei, ficará com eles. Nós dissemos que estávamos dispostos a uma maioria de direita para afastar o PS do poder. Aparentemente, IL, CDS e PSD não estão. Ouvi João Cotrim Figueiredo dizer que admitia governar com o PAN (…).

– João Adelino Faria: Mas se isso acontecer aceita ficar com esse ónus de manter a esquerda no poder ou ajuda a direita a governar?

– André Ventura: Se tivermos o que algumas sondagens nos dão, que é a terceira força política, se formos excluídos do debate agiremos consoante a nossa consciência, vamos ler o programa e analisar, não nos vamos colocar em bicos de pés.

– João Adelino Faria: Mas admite viabilizar um governo de direita?

– André Ventura: Admitimos tudo porque a nossa posição não é destrutiva.