Francisco Pedro, ativista que em abril de 2019 interrompeu um discurso do primeiro-ministro para protestar publicamente contra a expansão do aeroporto de Lisboa, é julgado na quinta-feira no Juízo Criminal de Lisboa por desobediência qualificada.

Os factos reportam-se a 22 de abril de 2019, quando o discurso do secretário-geral do PS, António Costa, no 46.º aniversário do seu partido, foi interrompido pela inesperada intervenção de um grupo de jovens ativistas da campanha ATERRA que está contra a expansão do aeroporto de Lisboa ou a construção de um novo aeroporto no Montijo, defendendo “o decrescimento da aviação e uma mobilidade justa”.

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Na altura, em menos de meio minuto, os jovens foram retirados do palco e António Costa prosseguiu o seu discurso, devendo na quinta-feira Francisco Pedro, de 35 anos, jornalista, começar a ser julgado por um crime de desobediência qualificada, cuja pena pode ir até dois anos de prisão.

Neste julgamento, o Ministério Público acusa Francisco Pedro de “perturbar a ordem e tranquilidade públicas”, uma vez que “não tinha comunicado a realização da manifestação à Câmara Municipal de Lisboa”, já que o incidente ocorreu na antiga Feira Internacional de Lisboa (FIL), onde o primeiro-ministro discursou.

De forma inesperada e durante a cerimónia, os ativistas da ATERRA aproximaram-se do palco e lançaram aviões de papel, mostrando também um cartaz onde se lia “Mais aviões só a brincar”.

Em comunicado divulgado em vésperas do julgamento, o movimento ATERRA salienta que, tal como denunciaram os ativistas em abril de 2019 e como explica o relatório “Decrescimento da aviação”, falar de “um clima que permita o futuro da espécie humana na Terra implica falar de menos aviões, menos e menores aeroportos”.

“O governo português insiste na construção dum novo aeroporto e avançou com uma avaliação ambiental estratégica (AAE) subjugada à ideia do crescimento do turismo e da aviação, que compara apenas três cenários (Lisboa + Montijo, Montijo + Lisboa, e Alcochete). Em vez de responder à necessidade capitalista de expandir a capacidade aeroportuária de Lisboa, uma AAE deve responder à necessidade planetária de diminuir drasticamente a aviação, e de fomentar alternativas, como o transporte ferroviário e as economias locais”, dizem os ativistas da campanha ATERRA.

“É graças a todas as pessoas que desobedeceram no passado que temos o que chamamos direitos e que felizmente são muitas as pessoas a defender a Terra e a não ficar de braços cruzados quando se assiste a crimes contra o planeta que a todos dá vida”, disse Francisco Pedro à Lusa.

Nas suas palavras, “progresso e desenvolvimento é perceber os impactos negativos da indústria da aviação” que, observou, “até agora têm sido escondidos” da opinião pública.

Segundo o ativista, o transporte aéreo é “de longe o mais poluente por cada quilómetro/passageiro” e “aumentou 70% nas últimas duas décadas”, ou seja, de “forma exponencial”. Assim, anteviu, o “transporte do futuro é a ferrovia”, como já chegaram à conclusão os países do centro e do norte da Europa.

Francisco Pedro disse ainda à Lusa que a pandemia por Covid-19 “mostrou muitas coisas que são essenciais como hospitais em condições e boa habitação, mas também mostrou que se pode passar muito bem com muito menos tráfego aéreo”.

No exterior do tribunal, os ativistas anunciaram a realização de um “julgamento sério” em que no “banco dos réus deste julgamento popular sentar-se-ão a multinacional Vinci (detentora da ANA Aeroportos), os partidos que defendem os combustíveis fósseis e a aviação, as companhias aéreas, os meios de comunicação social `mainstream´ e as grandes petrolíferas”.

O discurso interrompido em 2019 ocorreu no jantar de aniversário do PS, em que foi homenageado o antigo líder parlamentar socialista Alberto Martins pelos 50 anos da Crise Académica de 1969, contestação estudantil ao regime do Estado Novo que este ministro dos governos de António Guterres e José Sócrates chefiou enquanto presidente da Associação Académica de Coimbra.

Quatro jovens contra aeroporto do Montijo interrompem discurso de António Costa