O melhor arranque de Campeonato dos últimos 80 anos a par da época de André Villas-Boas (mas com mais dois golos marcados) e só superado pela temporada com Miguel Siska no longínquo início da década de 40. Oito vitórias consecutivas contando com todos os encontros oficiais que passaram a nove, 13.º olhando apenas para jogos do Campeonato que subiu a 14.º, 46 partidas consecutivas sem perder na Primeira Liga que são agora 47. O segundo melhor ataque da prova com uma média de quase três golos por partida e a melhor defesa a par do Sporting até Riccieli, já com o encontro resolvido, fazer o golo de honra. Se dúvidas existissem em relação à candidatura ao título dos dragões, os números falavam por si.

Agora, a receção ao Famalicão ganhava outra importância depois da inesperada derrota do Sporting em Alvalade frente ao Sp. Braga, que abria a possibilidade de distanciamento na frente da classificação com mais seis pontos do que os campeões nacionais (e nove do Benfica, terceiro classificado). E a artilharia ia toda a jogo, com Uribe, Luis Díaz e Taremi a fazerem o último encontro pelos azuis e brancos antes de rumarem às suas seleções para compromissos de qualificação para o Mundial, numa noite que seria de forma inevitável marcada pela homenagem a Lima Pereira, central que foi campeão nacional, europeu e mundial pelos dragões na década de 80 e que ficou ainda como um dos esteios dos valores do FC Porto.

Olhando para o passado, cumpriam-se este domingo 20 anos desde que Pinto da Costa apresentou José Mourinho como técnico dos dragões. Começava então a nascer aquele que chegaria a Inglaterra em 2004 como o Special One, com seis títulos em duas temporadas incluindo uma Champions, uma Taça UEFA e dois Campeonatos. E ainda houve mais tarde André Villas-Boas, outrora adjunto de Mourinho, com uma temporada de sonho em 2010/11. No entanto, o impacto que Sérgio Conceição teve pelo contexto em que entrava, como um antigo jogador a tentar acabar o maior jejum sem títulos da era Pinto da Costa, e o que tem feito ao longo de quatro anos e meio colocavam-no num patamar diferente, ao nível de Yustrich e José Maria Pedroto, como o próprio Pinto da Costa afirmou numa homenagem feita no Museu.

Aquilo que é hoje a equipa do FC Porto tem muito cunho de Sérgio Conceição à mistura (mesmo estando de novo na bancada, por castigo). O treinador conseguiu logo na primeira época nos azuis e brancos recuperar o que é o ADN dos dragões, sagrou-se campeão apenas aproveitando os jogadores que já estavam no plantel juntando a esses alguns dos elementos que tinham estado emprestados a outros clubes e enraizou aquilo que é uma forma de ser, de estar e de jogar que se mantém mesmo quando a equipa não ganha. Entre todos os títulos conquistados, esse foi o maior de todos. E esse triunfo esteve na génese de outras vitórias ao longo do tempo como o salto qualitativo de alguns elementos que hoje parecem jogar o dobro.

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Mesmo sendo um jogador em vias de deixar o clube em final de contrato, Mbemba tornou-se um esteio da defesa, muito mais refinado e personalizado do que era quando chegou num estilo que às vezes parecia meio atabalhoado. Uribe ganhou uma versatilidade de recursos que lhe abrem portas maiores no futebol europeu, tamanha é a influência que consegue assumir na equipa. Luis Díaz tornou-se um desequilibrador nato mas que alia a isso uma entrega ao jogo e uma inteligência tática que ganhou com o tempo. Vitinha e Fábio Vieira, em estilos diferentes, são dois talentos natos que começam agora a dar à equipa aquilo que sempre conseguiram fazer no plano individual. Depois, há Otávio. E esse é o traço mais distintivo.

O jogador nascido no Brasil mas que entretanto se tornou internacional português era daqueles criativos que muitas vezes nem percebe bem a melhor posição para atuar. Tinha ginga, era capaz de fazer o mais difícil, por vezes esquecia-se do mais fácil, desligava-se até do jogo com relativa facilidade, lutava muitas vezes contra problemas musculares que lhe retiravam regularidade. Hoje, Otávio parece outro. Aliás, Otávio é outro, tanto que assume a braçadeira da equipa. Está mais forte em termos físicos e mentais, ganhou uma cultura tática que permite ao técnico jogar com laterais mais propensos a ações ofensivas pela forma como percebe como e quando jogar por dentro, consegue desequilibrar mais com bola no último terço do que fazia, assume o ADN FC Porto como poucos no plantel. Este Otávio, o Otávio que conseguiu desequilibrar a primeira parte a par de Fábio Vieira, é a melhor homenagem ao legado de Lima Pereira.

Com o médio de volta à equipa e como capitão no lugar de Pepê, e com Fábio Vieira a assumir de forma mais vincada a batuta pelo corredor central contando de perto com o apoio de alguém com quem joga de olhos fechados (Vitinha), os dragões tiveram uma primeira tentativa à baliza de Luiz Júnior logo aos quatro minutos, num lance que começou num passe a explorar a profundidade de Uribe para Evanilson e que viu todas as tentativas baterem nos defesas contrários, e viram Fábio Vieira marcar com o jogo interrompido por falta de Otávio (8′). No entanto, e apesar da boa dinâmica coletiva, os dragões não conseguiam ter os espaços que tanto gostam no último terço, chegando aos 20 minutos iniciais apenas com mais um remate num chapéu de Luis Díaz de primeira que acabou nas mãos de Luiz Júnior (18′).

O Famalicão, dizimado nas opções entre lesões e infeções por Covid-19 (tanto que só tinha quatro nomes no banco…), mostrava-se organizado mas sem capacidade de saída e com a tendência de ir descendo metros e mais metros incluindo Pedro Marques, principal referência que muitas vezes ajudava a fechar à esquerda. Com isso, o FC Porto como que preparava a “presa” para o ataque e o primeiro golo foi apenas uma questão de tempo: Fábio Vieira marcou um canto na esquerda com o arco invertido, a bola atravessou toda a área sem qualquer desvio e Otávio, de meia distância, rematou de primeira para o 1-0 (25′). Aquela que seria a principal barreira estava superada, com Evanilson (remate de pé esquerdo na área para defesa de Luiz Júnior, 28′) e Luis Díaz (desvio muito por cima na área, 30′) a poderem dilatar essa vantagem.

Durante alguns minutos, os famalicenses ainda se tentaram mostrar um pouco mais ao jogo, mesmo que sem perigo para a baliza de Diogo Costa. Seria ainda assim uma imagem “falsa” de um primeiro tempo que chegou ao final com mais um golo, com mais duas oportunidades flagrantes desperdiçadas e com quase 70% de posse para os azuis e brancos, que chegaram ao 2-0 num fantástico passe de Otávio após ganhar a bola em zonas adiantadas para o remate sem hipóteses de Luis Díaz (37′). Antes, Luiz Júnior ainda evitou o golo de Evanilson, com uma “mancha” que tirou ângulo ao brasileiro isolado na área (36′); depois, Luis Díaz teve nos pés o bis após grande assistência de Fábio Vieira mas desviou por cima (41′). E ainda houve uma grande penalidade revertida pelo VAR, num lance com Otávio e Alex Nascimento (45+1′).

O segundo tempo acabou por ter menos motivos de interesse, com o FC Porto a fazer a gestão do resultado a manter a mesma pressão alta que lhe rendeu mais de 20 recuperações no meio-campo contrário mas sem a mesma objetividade no último terço que permitisse criar oportunidades para visar a baliza de Luiz Júnior. Em termos teóricos, a ideia do Famalicão passava por subir linhas e discutir de outra forma a partida mas, salvo um ou outro calafrio resolvido pela defesa dos azuis e brancos, a tendência da primeira parte foi-se mantendo com algumas ameaças sem grande perigo de Luis Díaz e Fábio Vieira até aos 70′.

Foi nesse momento que Sérgio Conceição, através de Vítor Bruno, percebeu que era possível fazer mais e trocou o médio ofensivo internacional Sub-21 por Taremi, voltando à fórmula mais pura do 4x4x2. E foi aí que, por alguns minutos, o jogo voltou a “acordar” da monotonia a que estava condenado, com o iraniano a ter uma primeira oportunidade após grande passe de Uribe num chapéu que saiu por cima (74′) e a marcar mesmo o 3-0 numa grande penalidade que conseguiu por falta de Pickel (78′). Tudo corria de feição aos azuis e brancos, que reforçavam a liderança com seis pontos a mais do que o Sporting, até ao único lance que correu mal esta noite no Dragão: Uribe teve uma entrada dura sobre Pepê, viu o quinto amarelo que lhe permitia limpar a série enquanto estava na seleção mas VAR e Rui Costa reverteram a decisão para vermelho direto, o que faz com que o colombiano mantenha os mesmos quatro amarelos (85′). E, a fechar, o Famalicão conseguiu ainda o golo de honra por Riccieli na sequência de um canto (90+1′).