Manuela tem uma t-shirt do Chega vestida, uma bandeira às costas e um saco à tiracolo com as letras do partido. Está vestida a rigor, junto à estrada de calçada onde vai chegar André Ventura e tem uma pergunta para lhe fazer, de católica para católico. Faltavam uns minutos para que o líder do Chega aparecesse junto ao Largo D. João II, em Portimão. Não seria um encontro agradável.

Ainda antes da chegada de Ventura, instalou-se a confusão durante uma troca ideias de Manuela com João Graça, líder da distrital de Faro. Os ânimos agitaram-se e meia dúzia de apoiantes do Chega acabaram por insultar mesmo os jornalistas presentes na arruada — que reportavam o que dizia a mulher — e tentaram impedir que a auxiliar de saúde não falasse com a comunicação social. “Isto é que vai passar logo à noite, isso é o que interessa”, gritava um militante do Chega, incomodado por termer que o episódio fosse a imagem que ia passar do partido. Outro prosseguia: “Dona Manuela, veja que eles todos recebem dinheiro do Governo para você fazer essa figura.”

O foco precisava de sair dali: “O André está a chegar, o André está a chegar.” Estava mesmo, Ventura demorou uns segundos. Quando Ventura saiu do carro já ali estava na linha da frente. Queria questionar um debate com mais de um ano, na altura das Presidenciais, em que frente a Ana Gomes o líder do Chega admitiu que “não faria mal” cortar a mão a alguns ladrões. Ambos se lembram do momento e Ventura nem precisa de grandes explicações, sabe bem o que Manuela lhe quer dizer. 

Apresenta-se como “católica praticante” e começa: “Jesus Cristo deu-nos duas vias, a da direita e a da esquerda. O homem é livre para poder decidir.” André Ventura decidiu entrar a brincar ao dizer “é melhor ir pela direita”, mas Manuela não queria esse caminho. Refere-se ao bem e ao mal da doutrina do perdão.

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“Não, não é essa direita que o senhor está a falar, eu também sou da direita. Houve uma coisa que me deixou muito triste na televisão, no momento em que o senhor disse do corte da mão e me lembrou uma parábola da escritura, em que Jesus curou a orelha…” O líder do Chega interrompe, sabe o que está em causa, tanto a parábola como a finalidade da conversa — a prisão perpétua, nunca referida pela mulher. Manuela, sem o dizer, refere-se ao perdão que Jesus Cristo deu a um homem que o ia capturar. Segundo a parábola, um discípulo cortou-lhe a orelha, mas Jesus Cristo aproximou-se, estancou o sangue e curou-o. Perdoou-o. 

Manuela admitia ter ficado “incomodada” com a abordagem de Ventura naquele debate: “Explique-me, por favor, porque isso me incomoda como ser humano, como mulher, como mãe, como filha. O que é que isso quer dizer?”

E Ventura defende-se, diz que se tratou de “uma imagem”. “Estávamos a dizer é que há bandidagem em Portugal que tem de ter mão pesada da justiça (…) Aqueles que violam, matam, que roubam o país… que têm de começar a sentir a mão forte da justiça e não a vergonha. É no sentido de uma imagem que não permita que a justiça continue a funcionar como tem funcionado”, prosseguiu, em defesa do programa do partido, que defende uma reforma da justiça mais pesada e um aumento de penas para alguns crimes.

“Então, não acha que essas pessoas são recuperáveis?”, questiona a mulher, ainda de bandeira em riste. Ventura explica que “sim” e justifica que, por essa razão, o partido defende uma “prisão perpétua revista de 25 em 25 anos”. E prossegue: “Imagine que violam a sua filha ou a sua mãe e que a matam depois. Acha justo que ao fim de sete anos ou oito estejam cá fora? Que estejam a conviver e a reincidir no crime? Nós não achamos e por isso achamos que a prisão perpétua é importante revista de 25 em 25 anos.”

O diálogo ficava por ali, mas Manuela não ficou esclarecida com a resposta, queria mais. A arruada seguiu. Ainda antes, meia dúzia de militantes acusavam a auxiliar de saúde de estar a denegrir a imagem quando “vota Chega”. Não vota e Manuela admite-o. Vota à direita, mas não vai votar no Chega.