A defesa de Armando Vara, que viu esta quarta-feira ser rejeitado o recurso para anular a sentença de dois anos de prisão efetiva pela prática de um crime de branqueamento de capitais, considera que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa contraria a “doutrina penal moderna” e o Código Penal português. Em declarações à Rádio Observador, o advogado do ex-ministro do Desporto de António Guterres, Tiago Rodrigues Basto, afirmou não compreender a insistência em executar uma pena de curta duração, quando é habitual fazer-se “exatamente o contrário”.

Vara foi condenado em julho de 2021 a dois anos de prisão efetiva por um crime de branqueamento de capitais por ter alegadamente ocultado 535 mil euros numa conta bancária suíça aberta em nome de uma sociedade offshore por si controlada. Uma vez que a condenação é inferior a cinco anos, o tribunal podia ter optado por uma pena suspensa, mas o juiz escolheu não o fazer, justificando a decisão com o facto de Vara ter desempenhado um cargo governamental.

O ex-ministro recorreu da decisão, argumentado que tinha recentemente cumprido mais de metade da pena de cinco anos de prisão por três crimes de tráfico de influência no caso “Face Oculta”. Os argumentos foram rejeitados pelas desembargadoras Alda Tomé Casimiro e Anabela Simões Cardoso, que decidiram manter a decisão da primeira instância, o que, na opinião de Rodrigues Basto, não faz qualquer sentido. “Estamos perante a aplicação de um Código Penal que desconheço. Não é isto que diz o nosso Código Penal, a doutrinal penal moderna”, declarou à Rádio Observador.

Relação de Lisboa rejeita recurso de Armando Vara e mantém pena efetiva de dois anos de prisão

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“Nas penas de curta duração a regra é que a sua execução seja suspensa. Só motivos muito fortes é que podem impor uma não suspensão da execução destas penas. O que o tribunal faz é exatamente o contrário, o que redunda num contrassenso brutal”, defendeu o advogado. “Todos os dias vemos crimes de uma enorme gravidade — crimes contra o património, a honra, a liberdade física, sexual, a integridade física das pessoas —, com penas de quatro e cinco anos suspensas na sua execução. Um crime de branqueamento de capitais com dois anos tem uma leitura de que a sua suspensão não seria razoável.”

Rodrigues Basto só encontra, por isso, uma explicação para a decisão da Relação: “Tudo o que diz respeito ao Dr. Armando Vara tem esta leitura e, aparentemente, já não estamos a julgar aqueles factos em concreto, mas a julgar o Dr. Armando Vara ou até uma teoria política qualquer sobre os crimes de colarinho branco”, afirmou. “Isso é manifestamente inaceitável. Penso que ninguém compreenderá esta duplicidade de critérios da nossa magistratura, em que crimes como tráfico de estupefacientes, abusos sexuais, violência doméstica e por aí fora tenham regra geral a execução das penas suspensa e um crime de branqueamento a propósito de uma fraude fiscal simples precise, segundo o tribunal, de ser efetiva na sua execução.”

Operação Marquês. Armando Vara condenado a dois anos de prisão por branqueamento de capitais

Na opinião do advogado de defesa, a decisão dada a conhecer esta quarta-feira tem por base a “intenção clara de suportar a decisão da primeira instância e de impor ao Dr. Armando Vara uma pena de prisão efetiva”. “Tudo o resto é uma construção para permitir isso, inclusive trazendo agora para o processo questões que não foram sequer discutidas”, argumentou. Essas questões são a possibilidade de utilizar provas oriundas da Suíça sobre os movimentos bancários do ex-ministro por estar eventualmente em causa um crime previsto pelo ordenamento jurídico suíço.

“Isso nunca foi discutido na primeira instância”, defendeu o advogado. “Não houve discussão sobre essa matéria. Como deve calcular, desconhecemos em profundidade o Direito suíço para dizer se está ou não em causa essa matéria. O que sabemos é que, face à acusação que foi proferida nos tribunais portugueses, o que está em causa é uma fraude fiscal simples que, à luz do Direito suíço, não admite esses meios de prova.”

Tendo em conta estes dados, defesa irá “verificar se há aqui ou não uma nulidade” e recorrer depois para o Tribunal Constitucional, o próximo passo acessível a Vara na contestação da sentença. “Em princípio iremos alegar a nulidade do acórdão e depois iremos discutir a questão no Tribunal Constitucional, fundamentalmente porque esta interpretação das normas do Código Penal sobre o branqueamento e a utilização de prova são, do nosso ponto de vista, utilizados de forma que as tornas inconstitucionais”, disse Rodrigues Basto.