Está com os dias contados a lei japonesa do século XIX que presume automaticamente que um bebé nascido dentro de 300 dias após o divórcio da mãe é filho do ex-marido. O governo do Japão prepara-se para a reformular.
Na nova proposta, não só essa exigência cai como as mulheres grávidas podem casar novamente sem esperar 100 dias depois do divórcio — antes era proibido sob a alegação de que a paternidade dessa criança seria incerta. Além disso, o painel de especialistas que aconselhou o governo recomendou ainda dar às mães e aos filhos o direito de contestar as reivindicações de paternidade, opção que era dada só aos pais.
Se esta proposta de lei for aprovada, passar-se-á a assumir que, se uma mãe voltar a casar, o atual marido é o pai da criança. Esta será a primeira revisão do Código Civil, que entrou em vigor em 1898 durante a Era Meiji. Durante 120 anos, nenhuma mudança foi feita nas leis de paternidade.
De acordo com a lei atual, é filho do atual marido da mãe o bebé nascido 200 dias após o novo casamento, enquanto o bebé que nasceu nos 300 dias após o divórcio é considerado filho do antigo marido.
Por serem considerados descendentes de um ex-marido, algumas mulheres recém-casadas chegam a optar não registar o nascimento dos recém-nascidos, no sistema koseki — com raízes que remontam ao século VI. Este cenário é mais propenso para aquelas que sofreram violência, não querendo o nome do agressor na certidão de nascimento do filho.
Mais de 70% das 825 pessoas sem registo do país – ou seja 591 – em janeiro de 2022, evocaram esta razão para não estarem no sistema koseki, de acordo com um estudo do Ministério da Justiça, citado pelo Nikkei Asia. Isto deixa as pessoas sem nacionalidade e dificulta um conjunto de processos oficiais, como o pagamento de impostos e a atribuição de subsídios.
Contudo, alerta uma representante de uma ONG para este fim, Mayumi Ichikawa, a alteração não resolve “o problema fundamental das crianças sem registo de família”, porque esta reforma aplicar-se-á apenas às mulheres que voltam a casar. Por exemplo, se uma mulher vítima de violência doméstica se separasse e o marido recusasse o divórcio, a mulher poderia decidir não relatar o nascimento do bebé, para que o nome do agressor não estivesse na certidão, elucida Ichikawa.
O painel apresentará estas e outras recomendações ao ministro da Justiça japonês, Yoshihisa Furukawa, a 14 de fevereiro e o ministério procurará aprovar a legislação que altere a lei atual ainda este ano, de acordo com o mesmo jornal.
Noutros países leis deste género já vigoraram, mas foram abolidas em anos anteriores, tais como em Espanha que foram revogadas em 1981 e em França e na Coreia do Sul em 2005.
Já em Portugal, em 2019, acabou o prazo internupcial, uma disposição do Código Civil que estava em vigor desde 1966 e que impedia o segundo casamento num prazo de 180 dias após o divórcio ou viuvez, no caso dos homens, e de 300 dias no caso das mulheres (prazo que podia ser reduzido para metade se apresentassem um comprovativo de que não estavam grávidas).