O Tribunal Constitucional (TC) decidiu na terça-feira, por unanimidade, declarar a nulidade das eleições legislativas em mais de uma centena de assembleias de voto do círculo da Europa e a repetição do ato eleitoral nesses casos.

Esse processo deverá decorrer no dia 27 de fevereiro mas ainda se aguardam esclarecimentos da Comissão Nacional de Eleições sobre como vai decorrer , faltando ainda saber se será possível, dentro do prazo legal, o voto por via postal ou apenas presencial.

O que está em causa

Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, decisão tomada no apuramento geral dos resultados, na sequência de protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.

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Ou seja, foram considerados nulos 157.205 votos e validamente expressos 36.191, que teria resultado na eleição de um deputado do PS e outro do PSD.

Na sequência desta decisão, vários partidos (Chega, PAN, Livre, Volt Portugal e MAS) anunciaram que iriam recorrer junto do TC, pretendendo que os votos fossem validados.

Em resposta concretamente ao recuso contencioso apresentado pelo Volt Portugal, o TC declarou nula a decisão de invalidar mais de 157 mil votos relativos ao círculo da Europa, bem como a eleição nas assembleias de voto em que isto aconteceu, e determinou a repetição do ato eleitoral nas mesmas.

Sobre os restantes recursos o TC não se pronunciou ou por a resposta já estar dada com este acórdão ou por os outros recursos padecerem de insuficiências jurídicas.

A decisão foi tomada por unanimidade e comunicada ao Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e CNE.

O que argumentaram os juízes do TC

Os juízes do Palácio Ratton sustentaram que os mais de 157 mil votos invalidados eram suscetíveis de “influir no resultado”, alertando que “não é possível concluir que a decisão de declaração de nulidade foi neutra do ponto de vista da distribuição de mandatos, uma vez que está longe de ser certo ou necessário que o padrão de distribuição dos mesmos fosse substancialmente idêntico ao que se veio a verificar no apuramento geral”.

Na opinião do TC, os votos por correspondência que não chegaram acompanhados pela fotocópia do documento de identificação devem ser considerados nulos e aponta “procedimentos anómalos nas operações de contagem dos votos em cerca de 150 secções de voto”, uma vez que os boletins foram misturados em urna, o que impossibilitou a determinação dos “votos efetivamente válidos e a sua distribuição pelos partidos que concorreram às eleições” e levou à sua invalidação.

No acórdão divulgado, os juízes conselheiros consideram que “seria manifestamente ilegal” considerar válidos todos os votos, mesmo aqueles que não chegaram acompanhados de fotocópia do documento de identificação do eleitor, argumentando que a lei “não deixa margem para dúvidas” e que um voto postal que não cumpra os requisitos previstos “é irremediavelmente inválido”.

O TC advertiu igualmente que qualquer “acordo informal” entre os partidos políticos no sentido de aceitar os boletins de voto que não sejam acompanhados por fotocópia do documento de identificação do eleitor é “grosseiramente ilegal”, em referência ao que terá sido acordado numa reunião em 18 de janeiro.

 Quando e como poderão estes eleitores voltar a votar

A lei eleitoral para a Assembleia da República prevê que, “declarada a nulidade da eleição de uma assembleia de voto ou de todo o círculo, os atos eleitorais correspondentes são repetidos no segundo domingo, posterior à decisão”, ou seja, no dia 27 de fevereiro.

No entanto, ainda não é conhecido como decorrerá essa repetição deste ato eleitoral, aguardando-se esclarecimentos por parte da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Como esta situação afeta o início da próxima legislatura e a tomada de posse do novo Governo

A repetição das eleições legislativas na maioria das mesas do círculo eleitoral da Europa vai atirar para março a posse do novo Governo, que chegou a estar prevista para dia 23, a próxima quarta-feira.

A repetição do ato eleitoral deverá ocorrer no próximo dia 27, de acordo com a lei, e só após a eleição e o respetivo apuramento, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna está em condições de fechar o resultado e remetê-lo à CNE, que por sua vez o valida e envia o mapa final para publicação em Diário da República.

Ao terceiro dia após a publicação dos resultados, a Assembleia da República inicia a legislatura e só depois poderá ocorrer a posse de António Costa e dos seus ministros.

Com todas estas etapas, fontes parlamentares ouvidas pela agência Lusa consideram que muito dificilmente a posse do executivo poderá ocorrer antes da segunda semana de março.

O resultado da eleição dos dois deputados pelo círculo da Europa não irá alterar a maioria absoluta obtida pelo PS, que soma 117 deputados e 41,68 % dos votos nos círculos do continente e regiões autónomas.

Reações dos partidos à decisão

A maioria dos partidos políticos com representação na Assembleia da República reagiu logo após a leitura pública da decisão do TC. O PS referiu, num curto comunicado, que “espera que o processo decorra com toda a normalidade” e “tudo fez para que tivesse sido respeitada a vontade eleitoral manifestada pelos seus concidadãos”.

O PSD, pela voz do seu presidente, Rui Rio, considerou que a decisão do TC “dá razão” aos protestos do partido e salientou que a queixa-crime anunciada na sexta-feira ao Ministério Público “ainda faz mais sentido”.

Já o PCP manifestou dúvidas de que seja exequível o prazo legal para a repetição das eleições legislativas no círculo da Europa, pedindo um “aclaramento da situação”.

O BE, por seu turno, criticou “a enormíssima trapalhada” de PS e PSD nesta questão dos votos da emigração.

Na ótica da IL, esta desfecho “prova a incompetência dos partidos tradicionais do sistema” que não resolveram um problema que diminui a qualidade democrática.

O PAN defendeu a necessidade de revisão da lei eleitoral e disse esperar que a repetição da eleição no círculo da Europa “ocorra com a maior normalidade, isto é, que seja permitido não apenas a votação presencial mas também o voto à distância”.

Também o Volt pediu uma clarificação sobre a repetição do ato eleitoral e se este incluirá voto por correspondência ou não.

O Livre saudou a decisão do TC e apontou que “fica claro” que houve um “atropelo aos direitos” dos emigrantes.

Reação do primeiro-ministro à decisão

O primeiro-ministro, António Costa, que falava aos jornalistas à entrada de uma reunião partidária na qualidade de secretário-geral do PS, considerou na terça-feira à noite que a repetição das eleições legislativas na maioria das mesas do círculo da Europa “deve servir de lição para todos” sobre a necessidade de haver uma “lei mais clara”.

“Acho que esta experiência deve servir de lição para todos sobre a necessidade de termos uma lei mais clara, processos que respeitem efetivamente o esforço que todos fazem para participar neste ato cívico, e o apelo que faço é que, por uma segunda vez, exerçam o direito de voto”, disse António Costa.

O primeiro-ministro afirmou que “há um acórdão do Tribunal Constitucional que é preciso cumprir” e reconheceu que “é necessário dar uma palavra de desculpa às pessoas que votaram de boa-fé neste processo eleitoral, pela forma como tudo decorreu”, insistindo no apelo à participação dos cidadãos.