O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que cerca de 40 pessoas com nacionalidade portuguesa (incluindo portugueses e luso-ucranianos) já abandonaram a Ucrânia nos últimos dias para escapar à crescente tensão militar na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia — e confirmou que existe um plano pensado para retirar portugueses da região que pode ser implementado em poucas horas se for necessário.
Numa entrevista à RTP, Santos Silva explicou que o apelo recentemente feito pelo Governo para que os portugueses abandonassem o território ucraniano “é uma consequência lógica do agravamento da situação que se vive na Ucrânia“.
Questionado sobre a existência de um plano para retirar os portugueses que não saiam enquanto houver voos comerciais, Santos Silva confirmou que pode ser implementado em poucas horas. “O que eu posso dizer é que ele está pronto, com um estado de prontidão de horas“, disse o ministro. “A nossa embaixada continua sediada em Kiev e nós até reforçámos as pessoas na nossa embaixada, nomeadamente com pessoas com competências operacionais. Agora, será sempre uma circunstância difícil”, continuou.
“Por enquanto, nós mantemos a nossa embaixada em Kiev, correspondendo ao pedido que nos fazem as autoridades ucranianas“, acrescentou Santos Silva, em resposta a uma pergunta sobre se Portugal não ponderaria seguir o exemplo de outros países europeus e mover a representação diplomática da capital para a região ocidental do país, mais segura.
Atualmente, Portugal tem registo de 240 portugueses ou lusodescendentes na Ucrânia, mas a embaixada está a apelar a todos os cidadãos nacionais que contactem a representação diplomática para que este registo seja atualizado.
“Desses, sabemos que cerca de 40 já saíram. Há neste momento apenas 3 pessoas na região mais delicada, que é a região de Donbass”, disse. “Mesmo assim, é necessário saber se alguém ainda não foi contactado. Temos de ter a certeza de que todos os cidadãos portugueses que se encontram na Ucrânia estão à distância de um telefone ou de um email da nossa embaixada em Kiev.”
Santos Silva explicou ainda que “a maior parte dos cidadãos com nacionalidade portuguesa que vivem hoje na Ucrânia são também cidadãos ucranianos”. Ou seja, “não estão no estrangeiro, estão na sua terra e é natural que queiram continuar na sua terra”. Isso explica que “a maioria das pessoas contactadas” tenham dito “que continuariam na Ucrânia”.
Guerra está mais perto, mas não é inevitável
O ministro português confirmou também que o Ocidente se está a multiplicar em esforços diplomáticos para evitar um conflito armado.
“Estamos a trabalhar para que se encontre uma solução diplomática e política, para que se evite um confronto armado”, afirmou Santos Silva à RTP. “Nós estamos hoje mais perto, infelizmente, do que estávamos há dias atrás. Mas não é irreversível, não é inevitável. Ainda há uma janela política que deve ser aproveitada. Hoje de manhã decorreu mais um contacto de alto nível entre a França, que tem a presidência do Conselho da UE, e a Rússia, através dos dois presidentes.”
“Os dois ministros dos Negócios Estrangeiros, russo e norte-americano, têm uma conversa aprazada para esta semana. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reuniremos amanhã com o nosso colega ucraniano. Vou daqui a umas horas para Bruxelas. Estamos a toda a hora, a todo o minuto, a trabalhar para evitar uma confrontação armada“, continuou.
Ataque russo à Ucrânia não é ataque à NATO
Santos Silva procurou também clarificar qual o papel da NATO no conflito e qual o lugar que Portugal poderá ocupar em caso de uma agressão armada.
“Uma eventual agressão da Rússia contra a Ucrânia não significa uma agressão da Rússia contra a NATO. A Ucrânia não é membro da NATO. Não está aqui em causa a ativação do artigo 5.º, que diz que qualquer ataque contra, por exemplo, Portugal, seria imediatamente um ataque contra os EUA, o Reino Unido, a França, por aí fora“, disse à RTP.
“Portugal é membro da NATO, portanto cumpre os seus deveres e tem os seus direitos enquanto membro da NATO”, acrescentou.
Segundo Santos Silva, há três modos como Portugal poderá intervir no conflito. Por um lado, através de “medidas de tranquilização, que se fazem no flanco leste da aliança”. Neste aspeto, “a Força Aérea Portuguesa está neste momento empenhada na Islândia no âmbito dessas medidas“. Em segundo lugar, Portugal tem disponibilidade para uma “presença avançada” em certos países da região leste da NATO, como a Roménia. E, por fim, “Portugal faz neste momento parte do segmento de mais alta prontidão da força de reação rápida da NATO”, pelo que poderá ser chamado caso esta força seja mobilizada.
Santos Silva disse mesmo que há a possibilidade de Portugal “empenhar centenas de militares”.
“Mas não é isso que está em causa hoje. O que está em causa é a possibilidade de uma agressão militar da Rússia à Ucrânia“, acrescentou. “A NATO defende a sua fronteira. Mas o que já dissemos com toda a clareza é que uma eventual agressão militar da Rússia contra a Ucrânia desencadeará de imediato uma resposta do lado ocidental em termos de sanções económicas nunca vistas até agora. Não se trata de uma resposta militar.”
“O que está aqui em causa é um eventual conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, no qual a Ucrânia merece toda a nossa solidariedade política, todo o nosso esforço diplomático para apoiá-la e também merece o nosso apoio que se traduzirá em sanções económicas devastadoras contra a Rússia. Mas esperamos que nada disto venha a acontecer“, salientou o ministro.
Santos Silva afirmou igualmente que a possível adesão da Ucrânia à NATO não está agora em cima da mesa. “O que nós dizemos à Rússia é que a Rússia não tem o poder de veto seja sobre quem for. Uma eventual adesão da Ucrânia à NATO será uma decisão a ser tomada pela Ucrânia e pela NATO. Essa questão não está na ordem do dia. Não está hoje colocada. Escusa o Presidente Putin de agitar esse espantalho.”