O pedido para retirar a Rússia do chamado sistema SWIFT tem sido reiterado pela Ucrânia, mas embora o Ocidente tenha apertado as sanções a Moscovo, essa arma poderosa — “nuclear”, apelidam mesmo alguns analistas financeiras — ainda não saiu da algibeira. Tanto os EUA como os seus aliados ocidentais (UE incluída) têm estudado a opção, mas mostrado relutância — até porque também eles sofreriam consequências.

O SWIFT (sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é um sistema utilizado internacionalmente que permite aos bancos fazer transações transfronteiriças e trocar mensagens e informação sobre transferências. É para ali que vai toda a informação da transação — desde o beneficiário, o ordenante, o montante, explica ao Observador Duarte Líbano Monteiro, diretor regional da Ebury para o sul da Europa.

O sistema foi criado em 1973, quando 239 bancos de 15 países se juntaram para chegar a uma solução para os pagamentos transfronteiriços que então se tornavam uma constante. Num mundo globalizado como o de hoje, o sistema é mais importante do que nunca. E os dados ajudam a perceber a dimensão: hoje é usado por mais de 11 mil instituições financeiras e, em 2021, registou, em média, 42 milhões de comunicações por dia, um aumento de 11% em relação ao ano anterior. E dessas, a Rússia representou 1,5%.

Remover a Rússia do sistema impossibilitaria às instituições financeiras do país receber ou enviar dinheiro, com consequências para as empresas russas, mas também para os seus clientes. “Se se cortar o acesso ao sistema, os bancos ficam isolados”, resume João Duque, economista e professor de gestão e finanças do ISEG. Por outras palavras, “quem não tem acesso ao SWIFT não pode fazer pagamentos à comunidade bancária internacional”. Um eventual bloqueio, que tem sido ponderado, mas que, segundo a Reuters, será descartado pelo menos pela UE, seria uma forma de “pressionar” a Rússia, acrescenta João Duque, para quem uma medida do género “vai diretamente ao coração” do país.

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A Rússia deixaria de conseguir, por exemplo, receber pagamentos de exportações feitas para o Ocidente. Ou de fazer pagamentos para pagar importações. Ou seja, aumentar-se-iam os riscos no comércio internacional das exportações como o petróleo, gás ou os metais.

Mas se os prejuízos se aplicam à Rússia, o mesmo aconteceria no Ocidente — e será mesmo essa uma das razões pelas quais os EUA e a UE ainda não avançaram com aquela que é considerada uma das sanções financeiras mais radicais. Os efeitos chegariam às empresas — portuguesas e não só — que exportam para a Rússia, e que veriam a relação comercial (atual e futura) interrompida. “Naturalmente, se a empresa sabe que o lado de lá [a Rússia] não tem condições para pagar deixa de enviar os seus produtos. Se não existem meios de pagamento deixa de fazer fornecimentos”, indica João Duque.

O mesmo aplica-se a títulos de dívida emitidos por empresas russas: “As empresas russas emitiram um título de dívida, que foi comprado. Os juros seriam pagos através de um banco russo, mas assim deixam de ser porque não têm maneira de pagar”.

João Duque acredita, no entanto, que, a avançar, a medida teria mais efeitos no longo do que no curto prazo — lembra, aliás, que tem sido essa a intenção transmitida pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, nos discursos sobre o conflito na Ucrânia. “A curto prazo acho que [um bloqueio do SWIFT] não tem assim tanto impacto até porque a economia russa não está assim tão dependente das exportações”, observa João Duque, que não acredita em consequências “muito dramáticas” para a Rússia, que também está apetrechada de matérias-primas.

Além disso, o economista admite que haja muitas empresas que têm contas em bancos europeus, a partir dos quais fazem as liquidações. Ainda assim, reconhece, um bloqueio do SWIFT iria “aumentar a complicação das liquidações internacionais”.

Chris Weafer, presidente executivo da Macro-Advisory, uma empresa de análise estratégica com sede em Moscovo, defendeu à CNBC que a decisão de retirar a Rússia do sistema SWIFT teria um efeito “muito severo e duradouro” na economia do país, mas lembra os efeitos também para o Ocidente. “De todas as exportações de materiais e de energia da Rússia, a maioria vai para a Europa, mas também para os EUA e outros países. [As exportações] têm que ser pagas e são pagas usando o sistema SWIFT”, disse, esta quinta-feira.

Embora a Rússia já tenha assegurado que não vai cortar o fornecimento de energia por questões políticas, se os pagamentos não forem feitos, o especialista prevê, ainda assim, “constrangimentos” no fornecimento. Por esse motivo, o corte do SWIFT tem sido visto como uma hipótese de último recuso, uma “arma nuclear” a ativar apenas se a Rússia mantiver ou piorar a atividade na Ucrânia.

Pelo menos, para já, segundo a Reuters, este não deverá ser um recurso da UE como parte do novo pacote de sanções a Moscovo. A agência de notícias cita fontes diplomáticas segundo as quais alguns Estados-membros estão relutantes em avançar com a medida, apesar dos efeitos nas empresas e bancos russos. “A urgência e o consenso são a prioridade máxima neste momento”, indicou um diplomata da UE à Reuters.

Sediada na Bélgica, a sociedade que gere o SWIFT diz-se neutra e obedece à regulação europeia. Mas já esteve envolvida noutras disputas diplomáticas. Em 2014, durante a anexação da Crimeia, o Ocidente já tinha ameaçado com uma suspensão da Rússia do SWIFT. Na altura, Moscovo argumentou que a medida seria o equivalente uma “declaração de guerra” e a ideia acabou por cair. A entidade gestora do SWIFT defendia-se: chegou a dizer, então, que era uma “cooperativa global neutra” e que “qualquer decisão para impor sanções a países ou entidades individuais cabe apenas às entidades governamentais competentes e aos legisladores em questão”.

Segundo o Carnegie Moscow Center, um think tank com sede em Moscovo focado em política interna e externa, as previsões russas já apontavam, em 2014, para uma quebra do PIB do país em 5% por via do bloqueio do SWIFT, se este tivesse avançado. Desde o conflito de 2014, e os receios de que uma suspensão pudesse ocorrer, que a Rússia tem tentado desenvolver o seu próprio sistema de transações financeiras.

Se UE não concordar com Biden, EUA podem atuar sozinhos?

Esta quinta-feira, o presidente do EUA, Joe Biden, defendeu que retirar a Rússia do SWIFT não é uma opção com que a UE concorde, pelo menos para já. Mas acrescentou que é “sempre uma hipótese”. “As sanções que propusemos em todos os bancos [russos] têm iguais consequências, mesmo superiores à que teria o SWIFT”, defendeu.

Mas caso a UE não alinhe numa suspensão do SWIFT à Rússia, os EUA têm, se o entenderem, formas de atuar sozinhos. Duarte Líbano Monteiro, da Ebury, explica que Biden pode dar ordens para que todas as transações feitas com a Rússia em dólares americanos sejam bloqueadas. As entidades financeiras que não o fizerem poderiam arriscar multas pesadas. “Imagine que está a pagar dólares de Portugal para Espanha. A moeda, como é o dólar, teria de passar pelos Estados Unidos que conseguiria bloquear [a transição]”, refere o especialista. “É como em Cuba. Há 20 anos que não é possível fazer transferências para Cuba em dólares, os EUA bloqueiam”, lembra.

O The New York Times refere outra via: “Se os EUA decidirem impor sanções aos bancos russos poderiam dizer que o SWIFT estava a violar essas sanções por continuar a permitir que os bancos usem o sistema. A Lei de Defesa da Soberania da Ucrânia de 2022 autorizaria sanções a fornecedores de serviços financeiros de mensagens especializadas, como o SWIFT, mas a administração Biden também poderia impor tais sanções sem a aprovação do Congresso”, escreveu, no final de janeiro.

A sanção através do bloqueio do sistema SWIFT já foi usada para o Irão, em 2012. Segundo lembra o The New York Times, nesse ano, o SWIFT expulsou 30 instituições financeiras iranianas, incluindo o seu banco central, para cumprir as sanções da UE impostas como resposta ao ao programa de energia nuclear. Resultado? O Irão perdeu quase metade das suas receitas com a exportação de petróleo e 30% do comércio externo, disse à CNN Maria Shagina, do Instituto Finlandês de Relações Internacionais.