Quando Roman Yaremchuk tirou a camisola depois de marcar o segundo golo do Benfica ao Ajax, na passada quarta-feira e horas antes de a invasão russa à Ucrânia arrancar oficialmente, ainda ninguém sabia ao certo o que iria acontecer até ao final da semana. O avançado encarnado, de forma quase premonitória, mostrou o símbolo nacional que trazia numa t-shirt, assumiu o medo e explicou que só queria apoiar o país. Instantes depois, também Yaremchuk recebeu um apoio significativo.

Oleksandr Zinchenko, lateral ucraniano do Manchester City, destacou o gesto do compatriota nas redes sociais antes de publicar uma das frases que se tornou um símbolo do sentimento de um país: “Espero que morras da maneira mais dolorosa possível, escumalha!”, escreveu, num desejo claramente dirigido a Vladimir Putin e que foi censurado pelo Instagram escassos minutos depois. Zinchenko foi talvez o mais vocal de todos os jogadores ucranianos ao longo dos últimos dois dias e já com a invasão russa a decorrer — e fê-lo por saber que, por trás, tem um clube que o apoia por inteiro.

A visão que esteve em risco por um elástico, o regresso aos golos, a homenagem à Ucrânia. “Quis apoiar, tenho medo”, diz Yaremchuk

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Falámos com ele pessoalmente. Embora não seja fácil, ele é um homem forte. Tem estado brilhante nos treinos e está pronto para jogar se for necessário. Claro que esta situação é uma preocupação. Estão a matar pessoas inocentes no país em que ele nasceu. Como é que te sentirias? Suponho que é assim que ele se sente. O clube está ao lado dele. Tem o nosso apoio, estamos a viver estes dias com ele e ele sabe que estamos aqui. Tem o nosso apoio incondicional. Há muitas guerras no mundo inteiro. Os inocentes pagam sempre o preço pelas terríveis decisões de uma ou duas pessoas. Talvez ainda não tenhamos aprendido com as situações do passado”, disse Pep Guardiola na antevisão da visita deste sábado ao Everton, onde Zinchenko começava no banco de suplentes. Ainda assim, existia a sensação de que tudo o que o Manchester City fizesse seria por e para Zinchenko.

E essa ideia ficou comprovada ainda antes do apito inicial. Goodison Park lembrou a Ucrânia e os ucranianos, com enormes tarjas em tons de azul e amarelo, e os jogadores do Manchester City surgiram com camisolas com a bandeira do país e a frase “no war”, sem guerra, enquanto que os jogadores do Everton entraram mesmo em campo acompanhados por bandeiras ucranianas. No banco de suplentes e já depois de ter trocado um sentido abraço com o compatriota Mykolenko, defesa adversário, Zinchenko não conseguiu esconder as lágrimas. 

Contra os toffees, o Manchester City procurava responder à derrota sofrida no passado fim de semana, contra o Tottenham de Antonio Conte, e não abrir a porta à eventualidade de ser apanhado na liderança pelo Liverpool. Com apenas mais três pontos do que os reds, os citizens precisavam de ganhar para não permitir que a equipa de Jürgen Klopp pudesse encurtar ainda mais a distância. Rúben Dias, João Cancelo e Bernardo Silva eram naturalmente titulares, com Gündoğan, De Bruyne e Rodri a serem os responsáveis pelo meio-campo, e Laporte atuava adaptado a lateral esquerdo. Do outro lado, num Everton de Frank Lampard que ainda não conseguiu inverter a fase negativa e que está à beira da zona de despromoção, Van de Beek era titular nas costas de Richarlison e Dele Alli, o outro reforço de inverno, começava no banco.

Numa primeira parte sem grandes oportunidades de golo, o Everton foi capaz de travar o Manchester City. A equipa de Lampard teve sempre menos bola do que o adversário, de forma natural, mas não permitiu grandes investidas ao conjunto de Guardiola e aproximou-se da baliza de Ederson através do entendimento entre Iwobi, Gordon e Richarlison. Na segunda parte, tal como seria expectável, o City pôs uma mudança acima e foi pressionando cada vez mais os toffees, com Cancelo (55′), Stones (64′) e Foden (70′) a ficarem muito perto de abrir o marcador em lances em que Pickford foi crucial para manter o nulo no marcador.

Lampard foi forçado a mexer a 20 minutos do fim, quando Van de Beek se lesionou e teve de sair para deixar entrar Dele Alli, e Guardiola respondeu pouco depois ao trocar Sterling e Gündoğan por Gabriel Jesus e Mahrez. Até que, já dentro dos últimos 10 minutos, o quase inevitável acabou por acontecer: num lance em que a defesa do Everton fica manifestamente mal na fotografia, Bernardo cruzou na esquerda, Holgate e Keane falharam por completo a abordagem e Foden aproveitou para marcar (82′).

O Manchester City venceu o Everton em Goodison Park, respondeu à derrota contra o Tottenham e garantiu que não vai perder pontos para o Liverpool nesta jornada. Mas, mais do que isso, o Manchester City venceu para Zinchenko. Porque este sábado, e provavelmente nos próximos sábados, tudo é por e para Zinchenko.