“Não haverá estabelecimentos russos incluídos na lista The World’s 50 Best Restaurants 2022 ou na lista The World’s 50 Best Bars 2022″, esclareceu uma das responsáveis da comunicação do evento que anualmente distingue os melhores no ramo da restauração quando a questionámos sobre a manutenção da cerimónia, prevista para julho, em Moscovo. Deslocalizada para a capital britânica, a cerimónia segue avante sem os restaurantes moscovitas eleitos para as 25ª e 30ª posições. “Não responsabilizamos individualmente quaisquer restaurantes ou bares pelas ações do seu governo e reconhecemos todos aqueles que na Rússia denunciaram corajosamente as ações dos seus líderes”, prepara o terreno a organização que retirou o White Rabbit e Twins Garden do leque de candidatos por considerar que “ao incluir restaurantes ou bares russos nas nossas listas de alto nível, estaríamos a apoiar tacitamente o turismo de hospitalidade na Rússia, aumentando as receitas no país e apoiando indiretamente o governo através da tributação.”

Numa altura em que o mundo empresarial, financeiro — e até desportivo — entra em cena no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, com sanções e boicotes anunciados ao primeiro, a McDonald’s decidiu juntar-se ao coro de condenação, fechando a porta aos 847 restaurantes que detém em território russo, comprometendo-se, para já, a manter o salário dos cerca de 62 mil trabalhadores da cadeia de fast-food norte-americana naquele país. Fê-lo depois do Burger King, do KFC, da Starbucks e da Pespsi e em resposta ao hashtag #BoycottMcDonalds, de resto, um dos mais populares no Twitter, durante o fim de semana. “Os nossos valores significam que não podemos ignorar o sofrimento humano desnecessário que se desenrola na Ucrânia”, justificou o CEO Chris Kempckinski. Antes, fruto do recolher obrigatório, da tensão das sirenes e da ameaça da entrada das tropas russas nos maiores centros urbanos do país vizinho, a McDonald’s já tinha optado por encerrar os 100 restaurantes ucranianos, mantendo o pagamento dos salários aos trabalhadores.

Em linha com a debandada da Rússia, a holandesa Heineken junta-se à já vasta lista de empresas que romperam relações com o país que violou as fronteiras ucranianas há 14 dias. Depois de ter suspendido novos investimentos e exportações para a Rússia na semana passada, a Heineken endureceu o boicote “em resposta à escalada contínua da guerra”, esta quarta-feira. “Estamos chocados e tristes ao ver a tragédia na Ucrânia desenrolar-se.”, disse o diretor executivo da Heineken, Dolf van den Brink, em comunicado. Concorrente direta das russas Zhigulevskoe e Oxota, a holandesa é a terceira marca de cerveja mais popular do país onde emprega 1.800 pessoas.

Por cá, o restaurante russo A Tapadinha, a funcionar desde 1995, revelou viver dias difíceis. “Levámos com uma pandemia e agora levamos com uma guerra. Dentro do restaurante nem sequer temos russos, apenas portugueses e ucranianos”, queixou-se a proprietária Isabel Nolasco. Parece “bulling”, acrescentou sofre a fuga de clientes que diz sentir desde 24 de fevereiro. O Observador tentou contactá-la para obter uma reação à alegada debandada, sem sucesso. Na curta declaração, Isabel limitou-se a afirmar que “já não sabe o que dizer aos jornalistas” e que “sim, o boicote continua.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nem poutine, nem salada russa

Ondas de choque que estão a correr o mundo e a tentar forçar a alteração do nome original de receitas centenárias como a salada russa ou as batatas fritas com queijo e molho de carne que os países francófonos apelidam de poutine. Do Quebec, a Toronto, no Canadá, passando por Paris e Toulose, em França, a confusão meramente fonética do nome de batismo destas batatas com o nome do Presidente russo, Vladimir Putin, obrigou o restaurante francês Maison de la Poutine a recorrer às redes sociais face aos insultos e ameaças que se sucedem desde a entrada das tropas russas na Ucrânia, há 14 dias.

“O nosso prato nasceu no Quebec na década de 5o e as histórias para contar sobre a sua origem são numerosas. Uma coisa é certa: a poutine foi criada por cozinheiros apaixonados que queriam trazer alegria e conforto à clientela. A Maison de la Poutine trabalha desde o seu primeiro dia para perpetuar esses valores e hoje traz seu apoio mais sincero ao povo ucraniano que está corajosamente lutando por sua liberdade contra o tirânico regime russo”, defendeu-se o restaurante, com direito a bandeira da Ucrânia na publicação, demarcando-se “do regime russo e do seu dirigente.”

No Canadá, a demarcação atinge outras proporções. Autoproclamado restaurante berço da poutine em 1950, o Le Roy Jucep “decidiu retirar temporariamente a palavra P**tine de sua marca registada para expressar, à sua maneira, seu profundo desânimo com a situação na Ucrânia”, numa publicação do Facebook, que acabaria retirada, apanhada pelo The Guardian. Manifestamente desagradado com a associação, um anónimo utilizador do Twitter apela ao regresso à calma: “Pessoal, por favor parem de confundir Putin e poutine. Um é uma mistura perigosa e prejudicial de ingredientes gordurosos, irregulares e congelados o outro é uma comida deliciosa.”

https://twitter.com/JohnRossMD/status/1497240058268721170

De Espanha à Índia, o boicote à salada russa também anda à solta, desde que o Kremlin decidiu entrar fronteiras da Ucrânia adentro. “Decidimos mudar o nome da nossa famosa salada a partir de hoje: na nossa carta encontrarão Salada de Kiev em solidariedade com o povo ucraniano”, determinou e publicou no Instragam o restaurante Meson Martin, de Zaragoza, noutro capítulo do boicote à Rússia no tabuleiro da gastronomia.

“Hoje parece-nos inacreditável que ainda haja guerras, então foi por isso que decidimos mudar o nome da salada. Como sinal de rejeição e gesto de apoio ao povo ucraniano”, explica Sergio Martin, proprietário do restaurante, ao The Canadian.  No futuro, pós-conflito, o espanhol diz que a intenção é que  “a salada continue sendo de Kiev, para lembrar que as guerras em meados de 2022 não fazem sentido”.

Um protesto que também ganhou forma no estado indiano de Kerala, onde a ‘Galeria de Arte Kashi e Café’ , decidiu informar a clientela que “em solidariedade com o povo da Ucrânia” removeu “a salada russa do menu.”

Na prática a salada pouco ou nada tem a ver com a Rússia, apesar de lhe dever o nome. Atribuída ao chef belga Lucien Olivier que viveu no século XIX, entre 1838 e 1883, a receita da salada russa já tinha sido citada no livro, ‘Modern Cook’, publicado no Reino Unido em 1846, pelo então chef da rainha Vitória Charles Elmé Francatelli, britânico de origem italiana. Nesta versão, o acompanhamento preferido dos filetes de pescada portugueses incluía anchovas, lagosta, lagostim e camarão sob uma maionese vermelha.

A vodka russa também está sob ameaça, depois de vários governadores norte-americanos terem oficializado o boicote à bebida. Apesar de serem produzidas fora da Rússia, a Smirnoff e da Stolichnaya estão incluída no pacote aplicado nos estados de New Hampshire, Ohio, Pensilvânia e Utah.