Mariana Mortágua incumpriu o regime de deputado em exclusividade da Assembleia da República ao ter acumulado o salário referente a este estatuto com uma remuneração pelo comentário semanal na SIC Notícias, no programa “Linhas Vermelhas”, como noticiou a revista Sábado. A deputada do Bloco de Esquerda alegou desconhecimento da lei para justificar a acumulação e prontificou-se de imediato a corrigir a situação. No entanto, deputados houve que sabiam que não podiam acumular o vencimento de deputado em exclusividade com o de comentador televisivo.

Foi o caso de Isabel Moreira, que no site do Parlamento ainda aparece como deputada em regime de exclusividade mas que já não goza desse estatuto precisamente porque começou a ser comentadora regular da CNN. Sabendo que não podia manter as duas condições, a socialista contactou os serviços da Assembleia da República para alterar o registo de interesses e abdicar dos benefícios associados.

O documento que Isabel Moreira enviou ao Observador para comprovar que o registo de interesses disponível no Parlamento já não está atual pode ler-se isso mesmo. Ainda assim, há um pormenor que salta à vista: apesar de ter declarado o início de funções na CNN a 1 de dezembro de 2021, este documento onde pede a alteração de estatuto está datado de 7 de março — depois de ter começado a polémica entre Mariana Mortágua e o Jornal de Notícias e antes da notícia publicada pela revista “Sábado”.

A socialista explica que, apesar de ter colocado a data do início do mês de dezembro, acabou por não marcar presença no programa televisivo pelo facto de se ter entrado em período eleitoral. “Como a legislatura ainda é a antiga, lembrei-me disso e fiz a alteração de registo de interesses. Até pus a data anterior, o dia em que me confirmaram que era comentadora da CNN. Agora, tem de ser a própria AR a reagir”, esclarece.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Neste caso, a ação da Assembleia da República será fazer um acerto de contas nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro — tendo em conta a data apresentada pela deputada como o início do vínculo com a estação de televisão.

O entendimento de Isabel Moreira já tinha sido seguido por outros deputados, nomeadamente por Pedro Delgado Alves que, em declarações à mesma revista Sábado, admitiu ter optado por exercer o mandato sem exclusividade por ser comentador televisivo e por entender que “as colaborações escritas são enquadradas como direitos de autor”.

Comentário escrito vs. comentário falado. A confusão

Essa diferenciação entre comentário escrito ou falado é exatamente o ponto que levantou dúvidas. Em 2020, a Assembleia da República alterou o entendimento sobre as atividades compatíveis com o regime de exclusividade e passou a haver distinção entre quem escreve e quem verbaliza, com os direitos de autor a passarem apenas a ser considerados se forem escritos.

Por outras palavras: um deputado em regime de exclusividade pode escrever num jornal; o mesmo deputado, caso pretenda intervir com regularidade numa televisão ou rádio, já terá de alterar o estatuto para não exclusividade.

Voltando ao exemplo de Mariana Mortágua: a deputada do Bloco de Esquerda já escrevia para o Jornal de Notícias e isso não beliscava em nada o estatuto de exclusividade; mas o facto de ter assumido um compromisso remunerado com a SIC Notícias obrigava necessariamente a essa mudança. “Estive cinco meses em situação irregular, soube-o agora. Corrigi, acertei contas e continuo em exclusividade. Vivo bem com o escrutínio”, escreveu a deputada no Twitter.

A bloquista não abdicou do regime de exclusividade — sendo esta uma bandeira defendida pelo BE —, e optou por deixar de receber qualquer vencimento por parte da  SIC Notícias. Além disso, pediu um acerto de contas à Assembleia da República para devolver o dinheiro que ganhou indevidamente durante os dois meses em que esteve em incumprimento.

O regime de exclusividade prevê um acréscimo de 10% à remuneração base dos deputados. Tendo em conta os valores tabelados e publicados no site do Parlamento trata-se de uma diferença mensal de 382,66€. Um deputado em regime de exclusividade recebe um valor base de 4017,94 euros, enquanto um deputado que abdique da mesma recebe um valor ilíquido de 3635,28 euros.

Diferente é o caso de Sérgio Sousa Pinto que aparece indevidamente no site do Parlamento como estando em regime de exclusividade. O socialista é presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e, como tal, o seu vencimento é tabelado em conformidade — ou seja, não tem qualquer incentivo próprio por estar ou não em exclusividade.

Ao Observador, o comentador habitual da CNN esclarece que deverá ser feita a alteração para o regime de não exclusividade — tendo em conta que este não se aplica sequer ao seu caso —, e reforça que não recebeu “nada” a mais devido a esse estatuto.

Além dos exemplos já reportados, na lista de comentadores televisivos há vários deputados que comentam habitualmente nas televisões, como André Pinotes Baptista (CMTV), Marcos Perestrello (CMTV), Ana Catarina Mendes (CNN), Pedro Delgado Alves (SICN) e Telmo Correia (BTV). Todos optaram pelo regime de não exclusividade.

Mariana Mortágua acumulou exclusividade no Parlamento com programa remunerado na SIC