As novas sanções aplicadas pelo governo do Reino Unido a mais sete oligarcas russos com ligações ao regime de Vladimir Putin envolveram o congelamento de todos os seus bens e a impossibilidade de viajar. Ou seja, em condições normais, como Roman Abramovich é um dos visados desta medida e como o Chelsea lhe pertence a 100%, o clube teria pura e simplesmente de parar. Mas não é bem assim. E até a questão da venda que estava a decorrer poderá avançar caso o empresário e o governo britânico assim o entendam, num negócio complexo com a premissa base de que o proprietário com nacionalidade portuguesa não terá acesso a essa verba.

O cidadão português Roman Abramovich é um dos sete oligarcas russos sancionados pelo Reino Unido

“Nesta altura, se isso se concretizasse, haveria um total estimado de dois mil milhões de libras (cerca de 2,37 mil milhões de euros) que ficariam presos num limbo por tempo indefinido”, explicou fonte governamental ao The Guardian. “Hoje o principal objetivo era agir contra os oligarcas com laços estreitos com o Kremlin. Estamos a trabalhar em algumas dessas implicações mais amplas, inclusive em torno de uma possível venda nesta fase”, acrescentou outra fonte ao jornal. Mas o que será agora do Chelsea, atual campeão europeu e que está ainda na corrida para revalidar pela primeira vez na história esse título? Em resumo, pode continuar a jogar, mas não pode contratar, tem as receitas congeladas, só pode gastar dinheiro no ordenado dos funcionários além de poucas outras exceções com valores fixos e pode sofrer mais se tudo se mantiver até ao verão, altura em que reabre o mercado de transferências com o clube de mãos atadas, sem poder fazer nada.

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O Chelsea vai poder continuar a jogar na Premier League e na Champions?

Sim e isso foi explicado em consonância com o anúncio das sanções a Roman Abramovich. “Face ao impacto significativo que as sanções teriam sobre o Chelsea, o governo concedeu uma licença para que as atividades relacionadas com o futebol possam continuar a ser realizadas. Esta medida inclui permissão para que o clube continue a disputar jogos e outras atividades relacionadas com o futebol, protegendo desta forma a Premier League, a pirâmide do futebol, os adeptos leais e os outros clubes. Esta licença permitirá apenas ações específicas, para garantir que os indivíduos designados não contornem sanções e será constantemente reavaliada. Iremos trabalhar de perto com as autoridades do futebol”, foi explicado pelo próprio governo.

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Ainda assim, as coisas não serão propriamente iguais ao que eram antes desta quinta-feira: está previsto um valor para as deslocações fora que não exceda as 20.000 libras (23.900 euros), sem que exista diferença entre os encontros a contar para a Premier League e para a Liga dos Campeões como a viagem da próxima semana a França para defrontar o Lille, e também o valor de 500.000 libras (quase 600.000 euros) para a organização de jogos em Stamford Bridge, entre pagamento a seguranças, polícia, stewards, funcionários e catering. Os ordenados de todos os funcionários, incluindo jogadores e treinadores, e as verbas de gestão corrente que se depreendem ser relacionadas com coisas básicas como água, luz ou relva estão nesta fase assegurados.

Roman Abramovich pode manter o processo de venda que estava a levar a cabo?

Em condições normais, e perante as exceções abertas pelo governo do Reino Unido para que o Chelsea pudesse manter a sua atividade, não. Ou seja, era mais um processo congelado. Ponto. No entanto, como explica o The Guardian, o próprio governo pode ter o poder de aceitar uma proposta de compra do clube desde que fique assegurado que Roman Abramovich não tenha acesso às verbas envolvidas – sendo que todos os lucros na transação seriam encaminhados para ajudar o povo ucraniano, como o próprio anunciou em comunicado oficial. Depende do russo, depende do governo, depende das ofertas. E nem as decisões anunciadas esta quinta-feira pelo Reino Unido alteraram a intenção de potenciais compradores.

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O The Telegraph anunciou na semana passada que um grupo liderado pelo suíço Hansjörg Wyss e que conta também com o milionário americano Todd Boehly avançará com uma oferta para comprar os 100% de ações de Abramovich. Esta quarta-feira, a Sky avançou que Nick Candy e alguns associados ao bilionário turco Muhsin Bayrak estariam também a preparar uma proposta conjunta pelo Chelsea. No mesmo dia, a BBC falou do interesse de 20 investidores liderados pelo norte-americano Raine Group. E ainda houve o anúncio feito pelo próprio milionário ganês Andy Owusu de uma oferta concreta. Questão? O africano ofereceu 2,8 mil milhões de euros quando Abramovich já terá recusado uma proposta de três mil milhões de euros e quererá chegar a uma fasquia de pelo menos 3,5 mil milhões por 100% das ações.

O clube pode vender bilhetes para os jogos em Stamford Bridge?

Não. A partir de agora, as únicas pessoas que poderão assistir aos jogos do Chelsea em casa são apenas os adeptos que já compraram o seu lugar para a época e que, como tal, poderão continuar a beneficiar disso, bem como as pessoas que já tivessem comprado bilhetes para um dos próximos encontros. Os ingressos para todos os adeptos visitantes estão cancelados (o que motivou que vários clubes pedissem explicações para o que se segue), o mesmo se aplicando à próxima eliminatória da Liga dos Campeões caso a equipa consiga o apuramento para os quartos de final na próxima semana, quando defrontar fora o Lille. Também os pacotes especiais mais caros e que envolvem várias atividades além do jogo encontram-se suspensos.

O Chelsea pode comprar ou vender jogadores? E renovar contratos?

Não. Não. E não. Ou seja, tudo o que tenha a ver com contratos está completamente proibido, numa medida que é transversal à equipa masculina e feminina. Exemplo prático 1: Azpilicueta, capitão de equipa que está em final de contrato sem ter fechado a possibilidade de ficar mais tempo em Stamford Bridge, não pode ficar no plantel enquanto se mantiveram estas sanções porque o seu vínculo está prestes a expirar e teria de fazer um novo contrato. Exemplo prático 2: os blues não podem exercer a opção de compra ao Atl. Madrid para ficar com o passe de Saúl Ñíguez, espanhol que está emprestado por uma época. Exemplo prático 3: o Chelsea não consegue assegurar a continuidade por mais temporadas de jogadores importantes e que terminam contrato em junho de 2023, casos de Kanté, Jorginho ou Marcos Alonso. Exemplo prático 4: se Thiago Silva, de 37 anos, quiser fazer mais um ano de carreira, terá de ser fora do clube londrino.

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A medida tem afetado os principais parceiros do clube?

Sim e ainda agora essa bola de neve está a começar a crescer. De acordo com o The Times, a Three, empresa de telecomunicações britânica que é a principal patrocinadora das camisolas de jogo da equipa masculina e feminina, já pediu mesmo a suspensão do contrato assinado em janeiro de 2020 e que acabava apenas em junho de 2023, à razão de 40 milhões de libras por ano (cerca de 48 milhões de euros). Oficialmente, a empresa apenas tinha dito que estava a rever a sua posição: “A Three encontra-se a discutir com o Chelsea e a rever a sua posição”. O The Times avança ainda que outros parceiros proeminentes do Chelsea estão a começar a discutir os seus contratos com o clube, sendo que, em termos práticos, essa ideia diz mais respeito ao limpo em que a equipa londrina foi colocada do que propriamente pela perda de visibilidade do ponto de vista desportivo (para já, o único impacto direto é não existir a possibilidade de Stamford Bridge poder encher como é habitual).

Que receitas é que o clube consegue ter perante esta decisão?

Os jogos do Chelsea irão continuar a ser transmitidos não só no Reino Unido mas também no estrangeiro, o que faz com que o clube continue a receber o valor da venda dos direitos televisivos. Questão: à semelhança de outros valores já previamente vinculados a nível de patrocínios, ficam congelados e não podem ser agora usados na gestão dos blues. Outro exemplo são os prize money da Liga dos Campeões (vitórias, empates e se passarem à próxima fase), a que o Chelsea irá ter direito mas que ficarão congelados. A única hipótese de desbloqueio dessas verbas é haver mais uma medida adicional por parte do governo, o que funciona como uma “nacionalização sem benefício” do clube, em virtude das sanções aplicadas a Abramovich e mais seis oligarcas pela ligação a Vladimir Putin. Existem outras fontes de receita que vão simplesmente desaparecer enquanto as medidas vigorem como a venda de merchandising (as lojas serão fechadas) ou o hotel do clube onde ficam muitas vezes hospedados os jogadores novos, que entretanto já suspendeu também o seu sistema de reservas por ser receita do clube.

“A folha salarial do Chelsea é de cerca de 28 milhões de libras por mês (33,3 milhões de euros). Não sabemos quanto dinheiro têm no banco a nível de tesouraria. As contas mais recentes apontavam para 16 milhões de libras (19 milhões de euros), sendo que Abramovich injetava de forma regular dinheiro nos últimos anos, o que poderá deixar de acontecer. A preocupação é essa, quando as reservas forem insuficientes para pagar salários mas o governo e a Premier devem estar a analisar a situação para minimizar uma possível interrupção. É necessário ver os termos de qualquer tipo de licença de venda mas o governo deverá estar em condições de garantir que os fundos dessa mesma venda possam ir para uma conta que possam monitorizar para garantir que Abramovich não terá acesso”, comentou a especialista Kieran Maguire na BBC.

Qual é o posicionamento dos adeptos perante todo este cenário?

“O Chelsea foi notificado das sanções aplicadas ao seu proprietário Roman Abramovich pelo governo do Reino Unido. Em virtude de ser o dono a 100% do Chelsea e de todas as suas entidades filiadas, o Chelsea seria sujeito em condições normais a todas as sanções aplicadas ao senhor Abramovich. Contudo, o governo do Reino Unido emitiu uma licença geral especial que permite que o Chelsea mantenha algumas das suas atividades. Vamos cumprir os nossos jogos das equipas masculina e feminina hoje [quinta-feira] contra o Norwich e o West Ham, respetivamente, e pretendemos estarmos envolvidos nas discussões com o governo do Reino Unido sobre o prolongamento dessa licença, que permite que o clube possa operar da forma mais normal possível. Estamos também à espera de perceber por parte do governo do Reino Unido o impacto das medidas na Fundação Chelsea e no importante trabalho com a nossa comunidade”, reagiu o clube através de um comunicado oficial, reservando para o futuro mais desenvolvimentos sobre o tema.

“O grupo de Adeptos do Chelsea vê com preocupação o anúncio feito pelo governo sobre o seu proprietário. Os adeptos devem ser envolvidos em qualquer conversação que esteja a decorrer sobre os impactos existentes no clube e na sua base global de fãs. O grupo de Adeptos do Chelsea implora ao governo que consiga conduzir o processo da forma mais rápida possível para minimizar a incerteza em torno do futuro do Chelsea para que os adeptos possam receber a sua golden share resultante da venda do clube”, anunciou também o Chelsea Supporters’ Trust em comunicado. De recordar que no último jogo dos blues, fora com o Burnley, alguns adeptos aproveitaram para cantar o nome de Roman Abramovich durante o minuto de aplausos que era dedicado ao povo ucraniano, algo que foi criticado pelo próprio treinador, Thomas Tuchel.