Ainda que o próprio Volodymyr Zelensky tenha agradecido o apoio aos “russos que continuam a espalhar a verdade”, nem todos os ucranianos aplaudem a decisão da jornalista Marina Ovsyannikova, que na última segunda-feira interrompeu a transmissão do noticiário do Canal 1, canal de televisão estatal russo, com um cartaz antiguerra, onde se lia a seguinte mensagem: “Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui, estão-vos a mentir”.
Jornalista interrompe noticiário russo com cartaz contra a guerra: “Não acreditem na propaganda”
Ovsyannikova tem dominado as notícias nos últimos dias: foi interrogada durante mais de 14 horas e obrigada a pagar uma multa de 20 mil rublos (cerca de 238 euros) pela publicação de um vídeo nas redes sociais em que apelava a que os russos saíssem à rua para protestar contra a guerra. Não é claro se vai ou não ser sujeita a outro julgamento por ter mostrado o cartaz. Mais recentemente, admitiu temer pela sua segurança.
Do lado ocidental, sucedem-se os elogios à postura de Marina Ovsyannikova, com a porta-voz do gabinete das Nações Unidas para os Direitos Humanos a afirmar que a jornalista não pode ser “alvo de represálias por exercer o seu direito à liberdade de expressão”. Já a União Europeia aplaudiu a coragem dos cidadãos russos que exprimem a sua oposição ao regime de Vladimir Putin, nomeadamente a da mulher que interrompeu o noticiário.
Mas o sentimento não é partilhado de forma unânime pelo povo ucraniano, tal como salienta o El Confidencial que reúne três exemplos que fazem parte de uma onda de críticas partilhada por milhares de contas ucranianas nas redes sociais, assegura. “Agora todo o mundo está a falar de uma mulher que trabalha há anos na máquina de propaganda russa, que cospe ódio e guerra, em vez de [comunicar] dezenas de crianças ucranianas mortas”, escreveu no Twitter a youtuber ucraniana Melaniya Podolyak.
Marina Ovsyannikova is just another infooperation on humanizing those, who for years have supported Russia’s war against Ukraine. Mark my words.
There’s no way in hell this was spontaneous.
This just means that sanctions actually work.— Melaniya Podolyak (@MelaniePodolyak) March 14, 2022
Já Ostap Yarysh, jornalista ucraniano, coloca a seguinte pergunta: “Onde tem estado Marina durante todos estes anos desde que a Rússia ocupou a Crimeia e o Donbas? Amplificou a propaganda da Rússia e ajudou o Kremlin a matar civis ucranianos. E agora, de repente, é uma ‘heroína'”.
Where has Marina been all past years since Russia occupied Crimea and Donbas? Where has she been in the last 19 days since Russia invaded Ukraine again? She's been amplifying Russia's propaganda and helping Kremlin kill Ukrainian civilians. And now, suddenly, she's a "hero." https://t.co/ZRGCxjMYIJ
— Ostap Yarysh (@OstapYarysh) March 14, 2022
Outra tomada de posição semelhante é a de Olya Vorozhbyt, também jornalista no país de Zelensky: “Enquanto muitas pessoas aqui estão encantadas com uma mulher com um cartaz, Kharkiv está sob pesado bombardeamento com bombas de fragmentação, o que é considerado um crime de guerra”, lamentou.
Okay, we need to talk serious about this performance on Russian TV. pic.twitter.com/lAnu3QtzZg
— Roman Hryshchuk (@grishchukroma) March 14, 2022
O jornal espanhol destaca o abismo entre a visão ocidental e aquela ucraniana, sendo que, no primeiro caso, a visão predominante é de que a guerra é de Vladimir Putin e não dos cidadãos russos. Uma linha que não é tão clara para os ucranianos, cujo país é invadido de forma ininterrupta há 20 dias.
Além disso, somam-se as outras opiniões mais radicais, como é o caso do argumento de Roman Hryshchuk, deputado do Parlamento ucraniano, que no Twitter publicou a tese de que as palavras de Ovsyannikova eram parte de uma estratégia do governo de Putin.
Two tweets. First one is additional proof that anti-war sign on Russian state TV channel was nothing but directed performance. Second one is terrible news about true hero.
Rest In Peace, Oleksandra. We will never forget, we will never forgive. pic.twitter.com/k4s2KfeWhz
— Roman Hryshchuk (@grishchukroma) March 15, 2022
Já o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, classificou a demonstração da jornalista como “hooliganismo” e defendeu que o Canal 1 tem feito um trabalho de informação “objetivo”, “oportuno” e “rigoroso”.