Encontro, escrito na sequência do prémio London Writers Award (2019), esta é a estreia literária de Natasha Brown. Considerado um dos livros de estreia do ano pelo The Guardian, e com direitos de publicação já vendidos para 16 países, o romance tem alguns méritos razoáveis, que nunca conseguem abafar por completo os problemas estruturais.
Aqui, a narradora é uma mulher negra britânica. Com uma posição de destaque no mercado financeiro, mantém-se sob a sombra da sua proveniência. Ainda assim, saiu do lugar de onde partiu em múltiplos sentidos: teve uma formação superior, conseguiu garantir uma carreira estável e lucrativa, comprou uma boa casa. Apesar disso, mostra-nos que a expectativa social sobre si implica silêncio e submissão. Ao mesmo tempo que sente asco pela posição de menorização, aceita um ou outro gesto de humilhação.
O livro aborda temas como a raça e a desigualdade de género, mas tudo é feito à superfície, quase como quem mete a pacotilha num romance, que, ao não ter investimento na constituição das personagens ou mesmo na linha narrativa, nunca deixa de ter um leve tom panfletário. O leitor sente que a autora está a tentar impor a conclusão ao invés de dar elementos que permitam ao receptor ser parte activa da relação dialógica, já que uma grande parte do romance, já de si curto, passa mais por dizer em vez de mostrar. Ao dar as conclusões de bandeja ao leitor, este não consegue ver a cena — nem ver-se em cena. Em simultâneo, as considerações sobre o mundo nunca largam o clichê.
Título: Encontro
Autora: Natasha Brown
Editora: Livros do Brasil
Tradução: Tânia Ganho
Páginas: 120
O fio da narrativa não é claro, deambulando entre pequenos fragmentos que parecem denunciar a tentativa da autora de alcançar subtileza. Em vez disso, atinge um olhar sobre a superfície. A autora parece ter material, e até capacidade para o concatenar, mas a narrativa parece feita à pressa, cabendo aos leitores o trabalho de atar os fragmentos que Brown atira de forma quase displicente. Por vezes, após capítulos que alcançam um grau relativo de coesão, temos um fragmento que parece responder a uma tentativa de compor, mas que só distrai. Para além disso, o nível de fragmentação é de tal forma visível que se torna difícil ganhar o vício pela história ou empatia pelas personagens. O leitor entende que está a ser levado de arrasto por um livro em que a informação é despejada meio à toa.
Natasha Brown tenta resumir o racismo inerente nas estruturas sociais. O problema aqui está no verbo: ao pegar no legado do colonialismo em meia dúzia de pinceladas, impede-se de atingir alguma profundidade. Ao retratar uma ou outra cena em que o racismo ou o machismo se tornam evidentes, parece não estar a tentar compor um romance calibrado, mas a apresentar uma tese ilustrada. E é aqui que o leitor se sente estupidificado. É evidente o que Brown quer: que o leitor diga, depois de a ler, que o racismo é estrutural nas sociedades, e que esta estruturação da vida colectiva vai muito além das micro-agressões diárias. O problema é precisamente que os desejos da autora sobre as conclusões do leitor sejam patentes. Ao invés de perguntar, a autora responde. O leitor, sem um conflito em frente, sem ter tido sequer tempo de olhar para as personagens com detalhe, não tem outro remédio senão aceder perante o óbvio.
Com outra edição e outra atenção, Natasha Brown podia ter tido aqui um romance coeso. O livro até começa bem, e parece que a cena inicial – de assédio laboral, de humilhação – significa que o romance nos irá dar aquela hipótese de vida, que a autora se demorará nela, que veremos as personagens em cena. Contudo, a narrativa dilui-se logo a seguir e o interesse de quem lê também.
Cabe, no entanto, dizer que a mão da autora é cirúrgica. As frases são incisivas e elegantes, o texto está tratado com uma cadência singular. E, se no que escreve há cuidado, é pena que se tenha perdido, algures na escrita, a capacidade de ver o romance de forma panorâmica.