Depois de retirar as tropas da região em redor da capital ucraniana, Moscovo parece ter criado um novo epicentro da guerra, ao reorientar a sua ofensiva para o leste do país, numa zona mais próxima da fronteira com a Rússia, na região de Donbass. A queda da cidade de Kreminna, tomada na madrugada de segunda-feira e confirmada já esta terça-feira — ao mesmo tempo que a vizinha Rubizhne e as cidades de Popasna e Marinka eram alvo de explosões — pode ser o início de uma ofensiva russa em grande escala planeada para esta região.

A conquista de Kreminna pode significar o início daquilo que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, designou como o início da “batalha por Donbass” algo para o qual a Ucrânia tem vindo a alertar e a preparar-se há várias semanas.

Agora podemos dizer que as tropas russas começaram a batalha por Donbass, para a qual se estão a preparar há muito tempo. Uma parte muito grande de todo o Exército russo está agora dedicado a esta ofensiva”, declarou Zelensky, numa mensagem divulgada pelo Telegram na noite de segunda-feira.

Ou ainda, nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, uma “outra etapa da operação especial” na Ucrânia. “Esta operação no leste da Ucrânia pretende, como anunciado desde o início, libertar totalmente as repúblicas de Donetsk e Lugansk”, disse Sergey Lavrov numa entrevista ao India Today, acrescentando: “Outra etapa desta operação está a começar e estou certo de que será um momento muito importante de toda esta operação especial”.

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Operação especial ou batalha, certo é que a mais recente fase da incursão russa por território ucraniano começou pela cidade de Kreminna e poderá prolongar-se para a cidade de Rubizhne, separadas por uma curta distância de cerca de 14 quilómetros, e pelas cidades de Popasna e Marinka, mais distantes e mais a sul, como se pode ver no seguinte mapa:

Mapa que mostra a localização das cidades de Kreminna, Rubizhne, Popasna e Marinka, na região de Donbass (ANA MARTINGO/OBSERVADOR)

Apesar de se situar em território ucraniano, grande parte da região do Donbass é controlada pelos separatistas pró-russos das autoproclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk. Esta região estende-se desde a cidade portuária de Mariupol, localizada junto ao mar de Azov — onde as forças russas também estão focadas, dada a sua importância estratégica —, até à fronteira norte da Ucrânia com a Rússia. Conquistar totalmente toda esta região permitiria a Vladimir Putin criar uma espécie de corredor para a Crimeia — a região anexada pela Rússia, em 2014.

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Forças russas atacaram “de todos os lados” em Kreminna, a primeira cidade de Donbass a cair. Há pelo menos 200 mortos

Kreminna está a cerca de 50 quilómetros de Kramatorsk, a capital da região de Donbass, ainda sob controlo ucraniano, e um dos alvos da Rússia nesta região. A cidade parece ter sido a primeira a ser capturada numa ofensiva russa no leste da Ucrânia, segundo escreve o The Guardian. “Kreminna está sob controlo dos russos. Eles entraram na cidade. Os nossos defensores tiveram de se retirar”, disse o administrador militar de Lugansk, Serhiy Haidai, numa conferência de imprensa em que avançou que foram registados, pelo menos, 200 mortos (ressalvando que, “na realidade”, serão “muitos mais”).

Lavrov diz que começou uma nova fase da “operação especial” na Ucrânia

Os combates duraram três dias e, segundo o chefe da administração militar de Kreminna, Oleksandr Dunets, à Rádio Donbass, citado pela AFP, “a Rússia usou um grande número de veículos blindados para atacar a cidade”. As tropas russas incendiaram sete edifícios residenciais. Outro alvo foi o complexo desportivo de Olympus, onde a equipa dos Jogos Olímpicos da Ucrânia treina. As tropas russas tomaram então o controlo da cidade, obrigando as forças ucranianas a recuar para se reorganizarem. “Não faz sentido ficar num único lugar, morrer por todos, sem causar danos significativos ao inimigo”, disse ainda Haidai.

Mais três cidades alvo de ataques em larga escala, mas sem garantias de “grandes conquistas”

Depois de conquistar Kreminna, os russos avançam para outras cidades. O Instituto para o Estudo da Guerra, no seu mais recente relatório sobre o conflito na Ucrânia, regista “ataques em larga escala em Rubizhne, Popasna e Marinka com o apoio de artilharia pesada durante a noite de 18 de abril”. Mas, adianta, “as forças russas não garantiram grandes conquistas”, pelo menos até à publicação do relatório, às cerca de 23h30 desta segunda-feira.

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A cidade vizinha de Rubizhne está apenas 14 quilómetos de Kreminna. Na segunda-feira, ouviram-se potentes explosões. Algumas provocaram incêndios, segundo a AFP. De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, “imagens das redes sociais mostram intensos combates em Rubizhne”. Mas também em Popasna, uma cidade a 75 quilómetros de Kreminna. Estas duas cidades — Rubizhne e Popasna — foram evacuadas esta terça-feira.

Eles [os invasores russos] estão a vir de todos os lados. Houve mais bombardeamentos e ataques de lançamento de aeronaves muito mais fortes nas nossas cidades, ao longo de toda a linha de defesa. Temos batalhas em andamento nas cidades de Rubizhne e Popasna — o inimigo não pode fazer nada”, disse Serhiy Haidai, citado pela Ukrinform, a Agência Nacional de Notícias da Ucrânia.

Há ainda uma terceira cidade, mais afastada — a mais de 200 quilómetros de Kreminna, mas a pouco mais de 100 quilómetros de Mariupol: Marinka. Também aqui o relatório do Instituto para o Estudo da Guerra relata “ataques em larga escala” e as autoridades regionais de Lugansk confirmam ataques com mísseis.

Ainda assim, apesar dos relatos de ataques a quatro cidades — incluindo a queda de Kreminna —, de acordo com o Instituto norte-americano para o Estudo da Guerra “é improvável que a ofensiva russa no leste seja dramaticamente mais bem sucedida do que as ofensivas russas anteriores”. Porém, este instituto alerta que “as forças russas podem ser capazes de desgastar os defensores ucranianos ou obter conquistas limitadas”.