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Dentro de Azovstal. A cidade-fábrica de Mariupol onde a resistência aguenta até "à ultima gota de sangue"

Este artigo tem mais de 2 anos

Debaixo da fábrica em Mariupol há um longo complexo de túneis e passagens secretas que alguns analistas pensam que resistiriam a ataques de artilharia pesada. Construído por quem? União Soviética.

Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict
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Imagem do interior da fábrica em 2015, quando ainda funcionava

Pierre Crom/Getty Images

Imagem do interior da fábrica em 2015, quando ainda funcionava

Pierre Crom/Getty Images

A imagem começou a correr nas redes sociais, mas rapidamente se descobriu que era falsa. Um desenho mostrava um admirável mundo novo debaixo do complexo industrial de Azovstal, o último reduto da resistência ucraniana em Mariupol, que os militares insistem em defender “até à última gota de sangue”, mesmo depois do ultimato russo: “Rendam-se ou morram.” Na imagem havia dormitórios, refeitórios, locais de cultivo e os inevitáveis laboratórios de armas químicas, que a Rússia acusa a Ucrânia de desenvolver com o apoio dos Estados Unidos.

Como está a ser a batalha por Mariupol, rua a rua

Era falso. Tratava-se apenas de uma proposta de design para um bunker, que há muito corre a internet, e que serve de inspiração aos preppers norte-americanos — as pessoas que se preparam para o fim do mundo, construindo refúgios, acumulando mantimentos e armas. Nas contas oficiais de Telegram, as reações não demoraram a aparecer.

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“O segredo, não apenas da defesa heroica de Mariupol, mas também dos tratores de combate da Ucrânia foi revelado. Eles eram treinados na área de jardinagem perto de Azovstal. Jardinagem! E eles falam disto como se fosse a sério”, escreveu Petro2 Andryushchenko, conselheiro do autarca de Mariupol no Telegram perante a imagem rodeada dos ditos jardins.

Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict

Getty Images

Se os campos de jardinagem serão pura ilusão, a verdade é que debaixo da fábrica há mesmo um longo complexo de túneis e passagens secretas que alguns analistas pensam que poderiam resistir a ataques de artilharia pesada. O cenário será, no entanto, bastante mais obscuro, a lembrar antes o ambiente na nave espacial onde Sigourney Weaver lutou contra um extraterrestre, no filme Alien (1979).

A imagem que foi partilhada como sendo da fábrica é, na verdade, um design para um bunker que há muito se encontra na internet

“Debaixo da cidade há basicamente outra cidade”, explicou à rede de notícias estatal russa Ria Novosti, um separatista pró-russo da autoproclamada República Popular de Donetsk. Yan Gagin explicava por que motivo os russos não tinham ainda conseguido tomar o complexo industrial. Não só Azovstal é do tamanho de uma cidade (terá 11 km quadrados, um décimo da área de Lisboa), argumentava, como tem uma complexa rede subterrânea, com túneis e edifícios capazes de resistir a bombas e até a ataques nucleares.

Para além disso, Gagin afirmou que existe um sistema de intercomunicadores dentro desses canais que facilitam a comunicação entre os militares ucranianos e que toda a rede foi feita para resistir a ataques e bombardeios. E por quem? A resposta está nos livros de História. Foi a União Soviética, depois de Mariupol e de Azovstal terem sido destruídas pelos nazis, durante a Segunda Guerra  Mundial.

Antes de reconstruir a fábrica, foi construído o tal complexo subterrâneo para resistir a futuras invasões. Na altura, com toda a certeza, não imaginaram que o próximo invasor seria a Rússia.

Azovstal steelworks in Mariupol Azovstal steelworks in Mariupol

Imagens do complexo em 2017

NurPhoto via Getty Images

A um site suíço, um analista militar sediado em Kiev contava uma versão semelhante. “A fábrica Azovstal é um espaço tão grande, com tantos edifícios, que os russos simplesmente não conseguem encontrar os militares”, esclareceu Oleg Zhdanov. “É por isso que falam em começar a usar armas químicas, será a única maneira de tirá-los de lá.”

O Batalhão Azov, que defende a cidade, acusou os russos de terem feito isso mesmo, pouco depois de Eduard Basurin, porta-voz dos separatistas, ter sugerido que os russos poderiam usar armas químicas para fazer “as toupeiras saírem das suas tocas”, devido à dificuldade de invadir a fábrica de Azovstal.

É junto ao porto de Mariupol, o segundo maior da Ucrânia, só superado pelo de Odessa, que fica a imponente metalúrgica, uma das maiores da Europa, que cobre essa área de 11 quilómetros quadrados. Edifícios, fornalhas, trilhos ferroviários… Ali, há um pouco de tudo. O local não foi escolhido por acaso: a Azovstal começou a laborar em 1933 depois de os soviéticos terem escolhido a costa do mar de Azov para a sua implementação. O motivo? Fácil acesso marítimo aos depósitos de minério de ferro.

Em 1941, teve de parar, altura em que grande parte do equipamento seguiu para o Leste, para ficar a salvo dos avanços dos nazis. Nos últimos 8 anos, desde a batalha de Donbass em 2014, os separatistas pró-russos não conseguem exportar por ali os seus produtos. E é também por isso que gostariam de ter o complexo ao seu dispor.

Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict

Monumento à Segunda Guerra Mundial em Azovstal

Getty Images

Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict Azovstal Iron & Steel Works In Ukraine Lose Production Due To Conflict

Getty Images

Para quebrar Azovstal, é preciso artilharia muito pesada

Outro analista militar, Sergiy Zgurets, disse ao mesmo jornal suíço, o Swiss Info, que em Azovstal há territórios enormes, com oficinas que simplesmente não podem ser destruídas do ar — “e é por isso que os russos estão a usar bombas pesadas”.

As primeiras imagens divulgadas pela Ria Novosti mostram os estragos, através do ponto de vista de um drone. Sobre a fábrica, paira uma enorme nuvem negra, fruto dos bombardeamentos russos que ganharam força a 17 de abril.  Por essa altura, toda a cidade estava cercada e tomada pelos russos, exceto a bolsa de resistência na fábrica.

https://twitter.com/CidaKeiroz/status/1515813884828995585

Depois da primeira oferta de rendição — que os ucranianos recusaram, embora tenham pedido ajuda internacional para retirar civis da fábrica —, esta terça-feira, os russos voltam a oferecer a hipótese de sair com os braços no ar, com um cessar fogo previsto para as 14 horas locais desta quarta-feira. Lá dentro estarão cerca de mil civis, entre eles várias crianças: algumas têm mesmo relatado os seus dias na fábrica.

Mariupol. Alice, a criança de 4 anos, que vive nos subterrâneos da fábrica Azovstal

Se escolherem não sair, é quase certo que os túneis vão ganhar importância redobrada. À Reuters, uma fonte ligada à Defesa norte-americana confirmava o mesmo cenário que um fundador do Batalhão Azov descrevia ao Financial Times: há sistemas de túneis subterrâneos debaixo da fábrica de aço.

Mariupol. “Estamos prontos para lutar até à última gota de sangue”

O militar Andriy Biletsky, questionado sobre como conseguem os soldados sobreviver no complexo industrial, esclareceu que tudo o que os rodeia facilita a sobrevivência. “Mariupol é uma cidade grande, e há um grande número de grandes edifícios feitos de concreto armado e aço, e um grande número de passagens subterrâneas”, disse. “Tudo isso junto ajuda um bocado.”

Azovstal plant. Mariupo, Ukraine, 1945.

A fábrica em 1945

Universal History Archive/Univer

Viktor Macha é um fotógrafo industrial da República Checa. Em 2016 teve permissão para visitar e fotografar o complexo, e lembra os abrigos antibomba subterrâneos que terão levado os ucranianos a escolher aquele local como última fortaleza. À Radio Free Europe, Macha conta que quando a fábrica foi restaurada na década de 1940, depois da devastação da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos “construíram os abrigos antibombas primeiro, depois reconstruíram a siderúrgica por cima deles, por isso está bem protegido”. O suficiente para resistir a bombardeamentos pesados? “Talvez não o suficiente.” Os próximos dias trarão a resposta.

https://twitter.com/falandodedefesa/status/1516114782553878536

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