A desvinculação do município do Porto da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) era o assunto mais aguardado da reunião municipal desta terça-feira, foi o último ponto da ordem de trabalhos e acabou por ser aprovado sem surpresas, uma vez que o movimento de Rui Moreira tem a maioria no executivo. A decisão teve votos contra do PS, CDU, BE e do vereador do PSD Vladimiro Feliz, aos quais se juntou a abstenção de Alberto Machado, vereador do PSD. A proposta será ainda votada em Assembleia Municipal, agendada para o próximo dia 30 de maio.

No passado dia 12 de abril, o presidente da câmara municipal do Porto definiu o processo de descentralização em curso como “desvirtuado”, feito “aos safanões” e “nas costas” dos autarcas. Rui Moreira abriu a porta à saída da autarquia da ANMP, criticando a suposta conivência da associação, presidida pela socialista Luísa Salgueiro, também autarca de Matosinhos, com o Governo. Moreira acusou a organização de “total fracasso” no desempenho de “funções que lhe estão estatutariamente atribuídas” e de “absoluto boicote” aos municípios por ter feito “acordos com o Governo sem ouvir os municípios e sem estar para tal mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas”. Garantiu ainda não passar “cheques em branco” e disse preferir negociar diretamente com o executivo de António Costa.

Rui Moreira vai propor saída do Porto da Associação Nacional de Municípios Portugueses. “Não passo cheques em branco”

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Na reunião desta terça-feira no edifício Paços do Concelho, Vladimiro Feliz, vereador do PSD, foi o primeiro a tomar a palavra para dizer estar “completamente solidário com a câmara do Porto” na revindicação dos meios adequados para assumir esta transferência de competências, “sem desequilibrar o orçamento da câmara”, concordando que a autarquia tenha autonomia para negociar diretamente algumas “fases do processo”. O social democrata sublinhou que a “gestão autárquica é mais eficiente do que do Estado central” e não tem dúvidas de que “o principal responsável pela fracasso festa negociação é o Governo”.

Tendo em conta que a presidente da ANMP garantiu que que se encontra em curso um novo processo de negociações com o Governo e está há apenas quatro meses em funções, o vereador do PSD surgiu que a proposta de Moreira fosse adiada, até serem conhecidos os resultados destas negociações, mencionando a importância da aprovação do Orçamento do Estado. Vladimiro acabou por votar contra.

Seguiu-se Tiago Barbosa Ribeiro, vereador socialista, que admitiu não ver “nenhuma vantagem” — nem para o município, nem para ANMP, nem para o processo de descentralização — na saída do Porto da associação. “Entendemos que isso acabará por fragilizar a nossa posição e da ANMP num diálogo que deve ser feito com o Governo”, referiu, acrescentando que o melhor neste momento é “procurar um adiamento nesta proposta por um período razoável pelo município, 30, 60 ou 90 dias, para que a ANMP em diálogo com a câmara do Porto e o Governo possa apresentar resultadas às reivindicações”.

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Rui Moreira pediu a palavra para responder a estas sugestões e justificar, mais uma vez, a sua posição. “Não queremos a descentralização qualquer custo e este custo é excessivo. Pretendemos estar fora na ANMP sem nenhuma hostilidade para dizer que amanhã ninguém vai assinar por nós, na área educação, na saúde ou na coesão social, que ninguém vai substituir órgãos eleitos desta câmara. Num movimento associativo não tem de haver unicidade”, referiu, acrescentando que a câmara do Porto dará tempo suficiente se mostrarem resultados das negociações, uma vez que a data da Assembleia Municipal será definida apenas em maio. “Decorrerá tempo suficiente, 40 dias, para percebemos se afinal estávamos a decidir mal e aí ficaremos todos contentes. Se virmos boas razões para voltar atrás, voltamos. Era daquelas coisas que queria mesmo não ter razão.”

Ilda Figueiredo, vereadora da CDU, e Sérgio Aires, do BE, defenderam ambos que a luta do município tem de ser feita dentro da ANMP, acreditando que a união faz a força, e que a câmara do Porto não deve atuar de forma isolada, pois isso “não leva a lado nenhum”. “Nós nunca daremos à ANMP o prazer de nos ver pelas costas, não desistimos das nossas lutas e temos em comum uma luta dentro da ANMP, sair não é o caminho”, sustentou Sérgio Aires, questionando o sentido democrático de Rui Moreira. “Como pretende negociar seja o que for com o Governo? Isso significa uma forma de estar muito estranha à democracia, poderia favorecer a cidade e os portuenses, mas poria em causa em igualdade de trato.”

Em resposta, Rui Moreira disse em voz alta: “A nossa guerra é sempre feita onde for preciso”. E continuou. “O Porto não é separatista, queremos ter o direito de aos negócios que nos propõe dizer que não os queremos. Quero que seja o senhor vereador comigo e com os outros, decidir se vale a pena ou não? Isto sim é democrático”, afirmou, recordando que a sua posição nada tem contra a atual direção da ANMP nem coloca em causa o respeito pelos outros municípios, “tem a ver apenas com o poder de representatividade”.

Já sobre as responsabilidades das forças políticas, nomeadamente PS e PSD, o independente não tem dúvidas de que “a ANMP é um órgão centralizado” e um “instrumento das forças políticas dominantes no país”, recordando que “a consonância com sucessivos governos leva a ANMP e o próprio parlamento a confundirem as coisas”. “A confusão não é nossa.”

Luísa Salgueiro responde a Rui Moreira: “Nos momentos de dificuldade não se abandona o barco. Fica-se”

Dias depois de ser conhecida a intenção de Rui Moreira de sair da ANMP, o autarca do Porto enviou na passada quinta-feira uma carta a Luísa Salgueiro a justificar as razões que o levaram a tomar esta iniciativa. Em resposta, a presidente da ANMP assegura ser “mais um útil” que o Porto “permaneça com todos os seus associados nesta luta pelo reforço do poder local”, sublinhando ter já em curso “um processo negocial ativo” com o novo Governo eleito.

A 25 de março, o autarca do Porto uma providência cautelar para travar a descentralização nas áreas da Educação e Saúde, pedindo o seu adiamento, no primeiro caso, para o início do próximo ano letivo. Dias antes, enviara a António Costa uma carta escrita juntamente com o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, em que garantiam que as verbas que acompanham a transferência de competências nestas áreas são insuficientes. No início deste mês, Rui Moreira revelou aos jornalistas que, após a primeira reunião do Conselho de Ministros, soube que havia a possibilidade de se reunir com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e o ministro da Educação, João Costa, um encontro que, segundo revela, ainda não aconteceu.