Há uma técnica clássica dos confrontos bélicos que está a permitir à Ucrânia ganhar tempo no combate contra as forças russas, atrasar os planos de domínio do adversário e condicionar as linhas de abastecimento inimigas: a estratégia de terra queimada. É que de nada vale aos russos reunirem milhares de soldados e centenas de tanques e formarem colunas de veículos armados com mantimentos às portas das cidades ucranianas se depois não puderem entrar — porque só dessa forma conseguiriam montar um “quartel-general” que permitisse suprir as necessidades de uma pesada operação de logística militar. Por isso, os ucranianos estão a destruir as próprias estradas e pontes para fechar o acesso às suas cidades.

Foi esta técnica que colocou travão a uma coluna com quase 13 quilómetros no total, que se dirigia para a cidade de Izium. A fila de veículos bélica tinha sido fotografada pela Maxar Technologies a atravessar a localidade de Velykyi Burluk, a menos de 100 quilómetros de Kharkiv, a 8 de abril. Seis dias depois, a Direção-Geral das Forças Armadas da Ucrânia confirmou que as forças especiais tinham feito explodir uma ponte que a coluna militar utilizaria para chegar à cidade.

Forças russas reorganizam-se no terreno. Nova coluna militar com 13 quilómetros a caminho de Izium

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E explicaram a lógica por detrás da estratégia para destruir infraestruturas da própria Ucrânia: “Tendo estabelecido a rota de movimento da coluna inimiga, os operadores das forças especiais da Ucrânia realizaram o reconhecimento do objeto mais adequado para realizar uma emboscada de engenharia. Era uma ponte para veículos inimigos. Em seguida, o trabalho profissional meticuloso foi determinar a localização do contra-ataque, calculando a quantidade necessária de equivalente de TNT”, diz o comunicado. Quando a coluna inimiga chegou ao local, a ponte foi destruída. E, com ela, a coluna russa que “conduziu para a morte”.

É que, neste caso, e do ponto de vista militar, os meios justificam os fins: a estratégia de terra queimada paralisou 200 veículos blindados, camiões com artilharia, equipamentos de apoio militar e mantimentos que iriam ser usados em Izium para reforçar a ofensiva russa em Kharkiv. Izium, destino final da coluna, fica no leste da Ucrânia, onde as forças russas deverão estar a preparar-se para atacar Sloviansk, vizinha de Kramatorsk. A conquista de Sloviansk permitiria aos russos garantir uma maior rede de controlo em Donbass. Depois disso, a Rússia estaria em condições mais favoráveis para atacar outras localidades fora dessa região até chegar a Lviv. Mas a destruição de uma ponte foi o suficiente para retardar estes planos.

Esta estratégia não é recente nos planos de defesa da Ucrânia e está a ser aplicada já desde o início da invasão russa — mas pode ser ingrata, sobretudo para os civis em fuga. Nos primeiros dias da guerra, os ucranianos destruíram uma ponte em Irpin, sobre o rio homónimo, para impedir os avanços da Rússia para a capital, Kiev; mas isso dificultou também a fuga dos cidadãos, que adaptaram as rotas para conseguirem atravessar o rio sobre os escombros da estrutura.

Em Irpin, nos arredores de Kiev, onde os ucranianos que fogem se cruzam com os russos que avançam, estão a morrer civis

E embora tenha mesmo retardado a aproximação dos militares russos por terra, não desmotivou um ataque aéreo: o Kremlin mandou bombardear as ruínas da ponte com uma granada no momento em que os cidadãos tentavam atravessar o rio para entrar em Kiev, causando a morte de várias pessoas. Foi durante este ataque que os jornalistas enviados pelo The New York Times captaram a fotografia emblemática de uma família que perdeu a vida após o ataque. De acordo com Lynsey Addario, autora da imagem, os cidadãos acreditavam que aquela rota já não seria alvo de ataques precisamente por ser inútil para o avanço dos russos para Kiev por terra.

Ainda antes do episódio em Irpin, as forças ucranianas já tinham destruído uma outra ponte que ligava esta cidade a Bucha — palco do massacre descoberto após o recuo russo —, na esperança de manter a região, a 30 quilómetros de Kiev, longe do controlo do Kremlin. Desta vez, a estratégia de terra queimada não resultou e a Rússia chegou mesmo a Bucha a 27 de fevereiro. E por lá permaneceu até 31 de março.

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E logo nas primeiras horas da guerra na Ucrânia, as forças de Volodymyr Zelensky destruíram grande parte das linhas férreas que ligavam o país à Rússia por comboio. Eram estas travessias ferroviárias que, de acordo com a Ucrânia, “transportavam milhares de mercadorias e traziam milhões de dólares [em bens] para as economias dos dois países”. Mas esses mesmos caminhos-de-ferro também começaram a ser utilizados como linha de abastecimento, por isso os ucranianos preferiram destruí-los:

Nós oferecemos às ferrovias da Federação Russa paz e o fim da guerra, mas eles continuaram a trazer tanques e outros equipamentos militares para a Ucrânia e para as suas fronteiras”, justificou a empresa que gere as linhas férreas.

Na semana passada, a Rússia acusou Kiev de ter destruído uma ponte incorporada nos caminhos-de-ferro da cidade de Belgorod, a cerca de 6,5 quilómetros da fronteira com a Ucrânia, um dos pontos por onde materiais bélicos e suprimentos para os militares russos chegavam ao palco de guerra. A notícia foi avançada pelo governador da cidade, Vyacheslav Gladkov, que sublinhou não haver vítimas mortais na sequência do suposto ataque. Mas os ucranianos nunca admitiram a autoria deste ato bélico e até já tinham avisado a comunidade internacional de que a Rússia poderia adotar uma estratégia de sabotagem: atacar as próprias infraestruturas em território nacional e culpar a Ucrânia de uma escalada da tensão.