O avanço das tropas russas sobre a capital ucraniana, Kiev, está a deixar um rasto de morte e destruição na região circundante da cidade, de acordo com relatos e imagens divulgados pela imprensa internacional este domingo. Um dos principais focos de tensão tem sido Irpin, uma cidade com mais de 40 mil habitantes que se situa no limite da área urbana de Kiev.

Na cidade, nos arredores da capital, estão a cruzar-se em sentidos opostos milhares de habitantes de Kiev, que procuram fugir do país, e as tropas russas, que avançam lentamente para a capital ucraniana, com o objetivo de a cercar, capturar e fazer capitular o regime de Volodymyr Zelensky. O cruzamento entre as forças russas e as forças ucranianas, que estão a tentar proteger os civis que procuram fugir de Kiev, tem conduzido a batalhas sangrentas na pequena cidade — e este domingo pelo menos oito civis, incluindo uma família, morreram na sequência dos bombardeamentos russos enquanto corriam para salvar a vida.

As forças armadas ucranianas fizeram explodir uma ponte que cruza o rio Irpin, a leste da cidade com o mesmo nome, com o objetivo de atrasar o avanço das tropas russas sobre Kiev. Este domingo, centenas de civis ucranianos oriundos da capital acumularam-se na margem oriental do rio, procurando cruzar a linha de água através dos destroços da ponte, sob proteção de alguns soldados ucranianos.

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De acordo com um relato dos jornalistas do The New York Times presentes no local, os civis, carregados de malas, foram formando pequenos grupos para atravessar o rio. O grande desafio da travessia, contam os repórteres, era o de percorrer uma rua com largas dezenas de metros de comprimento, sem qualquer proteção de edifícios, imediatamente antes da ponte destruída, como é possível ver nas fotografias e vídeos divulgados pelo jornal norte-americano.

Foi justamente a essa parte do caminho que as tropas russas, do outro lado do rio, apontaram a artilharia pesada, disparando morteiros sobre os ucranianos numa altura em que apenas cerca de uma dezena de soldados ucranianos se encontravam no local — e não se encontravam em posição de combate, mas a ajudar os civis a percorrer o caminho. A queda dos morteiros gerou o pânico nas proximidades da ponte, levando os fugitivos a correr em várias direções em busca de abrigo, mas nem todos tiveram sucesso.

Assim que a poeira das explosões assentou, foi possível ver que quatro pessoas — mãe, um filho adolescente e uma filha com cerca de 8 anos de idade e um amigo da família — haviam ficado caídos no alcatrão. De acordo com o The New York Times, os soldados ucranianos correram para junto da família, mas encontraram a mãe e os dois filhos já mortos. Apenas o amigo da família (inicialmente identificado como pai das crianças) estava vivo, mas gravemente ferido — mas também acabaria por morrer. No total, este domingo morreram oito civis durante os confrontos na cidade, de acordo com um balanço divulgado ao final do dia pelo presidente da câmara, Oleksandr Markushyn.

Tudo isto ficou registado em vídeo e fotografias pelo The New York Times e, a julgar pelas imagens, as forças armadas russas terão aparentemente cometido naquela cidade vários crimes de guerra. O Estatuto de Roma, tratado internacional que estabelece o funcionamento do Tribunal Penal Internacional, classifica como crimes de guerra atos como “dirigir intencionalmente ataques contra a população civil ou contra indivíduos civis que não participam nas hostilidades” ou ainda “lançar intencionalmente um ataque com a consciência de que esse ataque vai causar perda de vidas ou ferimentos em civis”.

Ao longo dos últimos dias, a cidade de Irpin tem tido uma importância capital na resistência dos ucranianos face ao avanço das tropas russas. A destruição da ponte sobre o rio Irpin foi crucial para atrasar significativamente o avanço dos russos sobre Kiev, mas os habitantes da cidade também têm tido um papel fundamental, tendo-se organizado para vigiar a aproximação de sabotadores russos e para avisar o exército ucraniano sobre as movimentações dos russos.

Recentemente, a AFP deu conta de como os militares russos se estavam a introduzir na área urbana de Kiev a partir de Irpin, pilhando os apartamentos dos civis, roubando roupas e disfarçando-se de habitantes ucranianos para se infiltrar na cidade, com vários objetivos, incluindo a desestabilização da vida dos ucranianos, mas também a missão de assassinar líderes militares e políticos da Ucrânia. A desconfiança dos habitantes de Irpin relativamente a pessoas com aspeto estranho ou desorientado tem ajudado o exército ucraniano a detetar estes sabotadores.

Texto atualizado às 23h43 com a informação do New York Times sobre a morte de três membros da família (mãe e dois filhos) e um amigo, identificado inicialmente como pai das crianças