É o regresso da “luta” à rua, sem restrições pandémicas, e o regresso em força da esquerda à rua, sem o compromisso da geringonça. Neste 1º de maio em que milhares voltaram às ruas para a manifestação do dia do Trabalhador, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins aproveitaram a deixa para pressionar o Governo e assumir o papel de oposição em pleno.

O contexto ajuda: com um Orçamento do Estado em plena discussão no Parlamento e a inflação a gerar cada vez mais preocupação, a esquerda apareceu pronta para disparar contra o PS absoluto de Costa.

“Não existe nenhuma surpresa com esta desvalorização do PS de questões fundamentais. Isto não se resolve com subsídios aqui e acolá. A vida está mais cara, os salários mais desvalorizados, as pensões já viram comidos pela inflação os dez euros extraordinários”, atirou Jerónimo de Sousa.

Mesmo tendo conseguido incluir no Orçamento algumas das bandeiras que já em outubro defendia, o PCP considera agora que até essas medidas ficam desatualizadas, graças ao aumento da inflação e a perda de poder de compra já assumida pelo Governo.

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Daí que os comunistas insistam agora que nem o aumento extraordinário das pensões até 1.108 euros, no valor de dez euros, será suficiente, atualizando a revindicação para uma subida de vinte euros por pensionista.

Com olhos postos no “fenómeno de quem trabalha e empobrece ao mesmo tempo” e nos “níveis de precariedade insuportáveis” que afetam os trabalhadores, o PCP decidiu por isso voltar à rua em peso, como tinha prometido depois das eleições de janeiro.

E assume que, se as propostas de alteração ao Orçamento — que o Governo “não alterou substancialmente” apesar da inflação e do contexto de guerra — não fizerem caminho no Parlamento a solução é mesmo a “luta dos trabalhadores”, com que o PCP está “solidário”.

Jerónimo fica porque “faz falta”. Próximo passo: carregar na “luta de massas” e nas ruas contra PS absoluto

Do lado do Bloco de Esquerda, o tom é muito semelhante. Depois de cumprimentar a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, que liderava o desfile, Catarina Martins falou aos jornalistas para fazer um retrato parecido da situação dos trabalhadores.

“A inflação está a comer salários e pensões, as rendas subiram 75% nos últimos anos, o preço do supermercado aumentou quando os salários estão estagnados”, enumerou a coordenadora bloquista.

E apontou ao Governo: “Não nos digam que não é possível subir salários. Não é aceitável o Governo dizer que apresenta o mesmo Orçamento que antes das eleições. O Orçamento corta salários e pensões a partir da inflação”, atacou.

Pelo Bloco, ficaram estabelecidas duas prioridades: a atualização dos salários — “dos mais baixos da Europa — à inflação e a alteração das leis laborais que continuam inalteradas desde o tempo da troika.

Na manifestação esteve também o secretário-geral do PS, João Torres, em representação do partido. Torres conversou por alguns minutos com Isabel Camarinha, a quem prometeu que o partido está “comprometido com a valorização do trabalho” e com o diálogo em sede de concertação social.

A central sindical não parece, no entanto, convencida: Camarinha pediu uma “mudança de rumo” para acabar com a “política de baixos salários” e frisou, mais uma vez, os impactos da “brutal perda de poder de compra” que a inflação está a provocar.

“Sempre disponíveis para dialogar, mas o diálogo tem de ter consequências e o que está em cima da mesa não o garante”, respondeu a líder sindical, citada pela Lusa.

Este 1º de maio marca o regresso do tradicional desfile nas ruas de várias cidades do país. Durante os últimos anos, graças às restrições pandémicas, as comemorações assumiram outro formato e a CGTP decidiu assinalar a data na Alameda, em Lisboa, onde colocou cerca de mil manifestantes distanciados e de máscara posta.