Um total de 127 civis chegou esta terça-feira a Zaporíjia nos autocarros da ONU que se deslocaram à fábrica de Azovstal para de lá retirar as centenas de pessoas que ali estavam há mais de dois meses, desde que começou a invasão russa à Ucrânia. Ao Observador, no local, um porta-voz da ONU detalhou a complexa travessia.

“São 127 civis. 127 mulheres, crianças e idosos que conseguimos retirar de Azovstal. 101 pessoas saíram da fábrica. 69 vieram connosco, as outras decidiram ficar em Mariupol por vontade própria. Outras 58 juntaram-se a nós em Manhush [cidade nos arredores de Mariupol] e estão aqui connosco. Foi um processo árduo, complicado. Tivemos problemas durante o tempo todo, com negociações a cada minuto. Mas chegámos com estas pessoas e esperamos que não seja a única vez”, indicou Saviano Abreu.

No parque de Zaporíjia onde os ucranianos que fugiram de Mariupol são recebidos. Há quem já pense num regresso e quem pondere sair do país

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O porta-voz da ONU revelou ainda alguns dos obstáculos que a comitiva foi enfrentando e que acabaram por causar alguns atrasos. “Tivemos problemas de segurança, porque estamos a atuar numa zona de conflito ativo, numa zona de guerra. A segurança é a prioridade para as nossas equipas, para as pessoas que lá estão. Tivemos alguns incidentes de segurança que tivemos de resolver, esperar ou conversar durante o tempo da operação, tivemos de passar por todos os checkpoints que existem de lá para cá e de cá para lá. Todo esse processo contribuiu para que não fosse uma operação assim tão curta. Fomos para lá na sexta-feira, só chegámos no sábado de manhã mas agora já estamos aqui”, acrescentou, confirmando que a entrada da ONU na fábrica não foi permitida e que o resgate acabou por decorrer com o apoio do Batalhão Azov.

Ao Observador, Saviano Abreu também destacou que as pessoas que se juntaram aos autocarros ao longo do caminho obrigaram a negociações constantes. “Fizemos acordos com as partes em conflito. Mas esses acordos foram efetivados a cada momento, tivemos de perguntar a cada momento se podíamos parar em cada localidade”, revelou, destacando depois que os civis retirados de Azovstal foram escolhidos através de um “processo de seleção” feito pelas próprias pessoas. Ao longo do caminho, os civis dormiram em locais previamente estabelecidos, incluindo uma escola.

“É um país em guerra. As pessoas que estão lá há dois meses sem ver a luz do sol não sabem o que há cá fora, não sabem se há segurança. Acreditamos que, com esta primeira operação, muita gente que está lá pode ter agora mais confiança, acreditar que é seguro”, defendeu o porta-voz da ONU, que também revelou que não existem civis com ferimentos mas que “as pessoas estão traumatizadas”. “Esse é o principal ponto. Estão há dois meses sem acesso adequado a água, a comida, a luz, à luz do dia, isso é um processo traumatizante. Há crianças, há um bebé de seis meses que nunca brincou no chão de maneira tranquila do lado de fora”, concluiu.

Alguns minutos antes da chegada dos primeiros autocarros a Zaporíjia, a vice-primeira-ministra ucraniana já tinha indicado que a ONU não tinha sido autorizada a entrar em Azovstal. “Mariupol, apesar de ser uma cidade completamente controlada pelo exército russo, não é uma cidade perdida. Mariupol é Ucrânia”, indicou Iryna Verechtchuk. A governante revelou ainda que, em Tokmak, os civis com carro particular ou a pé foram impedidos de entrar nos autocarros da ONU ou de ir atrás desses autocarros, só permitindo que partissem da cidade as pessoas que estavam nestes veículos.

Em comunicado, a coordenadora humanitária das Nações Unidas para a Ucrânia, Osnat Lubrani, revelou que os civis que chegaram, esta terça-feira, a Zaporíjia “estão a receber assistência humanitária inicial, incluindo cuidados médicos e psicológicos, das agências especializadas da ONU, do Comité Internacional da Cruz Vermelha [CICV] e de outros parceiros humanitários“.

Também o CICV falou sobre a retirada dos refugiados que estavam na fábrica de Mariupol defendendo que, “para que a operação fosse bem-sucedida, ajudou as partes a chegar a acordo sobre aspetos como horários, localização, rota de retirada e outros pormenores logísticos, bem como sobre exatamente quem poderia ser retirado por vontade própria”. Agora, há um novo objetivo: “fazer todos os esforços possíveis” para chegar às pessoas que continuam na Azovstal.