A presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Nazaré da Costa Cabral, acredita que “tudo aponta” para que a inflação deste ano seja mais elevada do que o projetado pelo Governo na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022.

“Neste momento, tudo aponta para valores de inflação mais elevados do que esses que estão já previstos na proposta de Orçamento do Estado”, disse a economista, numa audição parlamentar a propósito da discussão do OE, em resposta a questões do Chega. Nazaré da Costa Cabral não antecipou, porém, qual o valor da inflação agora calculado pelo Conselho, remetendo uma revisão para mais tarde. “Não quero estar a antecipar até porque ainda não atualizámos as nossas próprias previsões. É um exercício de acompanhamento que estamos a fazer”, disse, considerando que ainda é “prematuro“.

A presidente do CFP salientou que se vive uma fase de “incerteza” e “volatilidade”. “Se os valores de inflação forem mais expressivos ainda do que esses e não sendo eles acompanhados pelo aumento na mesma grandeza dos salários em geral é evidente que se traduzirá numa perda de poder de compra“, acrescentou. “O importante é que este episódio inflacionista seja contido”, afirmou ainda.

Na proposta de Orçamento do Estado para 2022, o Governo estima um índice harmonizado de preços no consumidor de 4%, o mesmo valor do Banco de Portugal, enquanto o Conselho das Finanças Públicas apontava, em março, para 3,9%. Em abril, a inflação acelerou para 7,2%, segundo confirmou esta semana o Instituto Nacional de Estatística (INE), mas o Governo mantém que acredita que o fenómeno é apenas temporário.

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Nazaré da Costa Cabral considera também que a política que está a ser seguida pelo Governo é “expansionista”, isto porque o saldo estrutural diminui embora o défice orçamental baixe. A visão de que este é um orçamento expansionista tem sido contrariada pelo Governo — o ministro das Finanças, Fernando Medina, chegou a dizer no Parlamento que seria um “erro” adotar uma “política orçamental mais expansionista”.

A economista diz, porém: “Estamos numa fase em que nossa política está a ser expansionista, é essa a postura da política orçamental neste exercício. Isso significa que, de facto, não estamos a aproveitar o momento de conjuntura económica favorável para fazer a consolidação orçamental, nomeadamente promovendo melhorias do ponto de vista do comportamento da despesa primária”.

“Não há instrumentos” para verificar se política pública cumpre objetivos

Nazaré da Costa Cabral alertou ainda para a “degradação” do esforço de implementar um processo orçamental mais plurianual, referindo que não há “instrumentos que permitam verificar” se as políticas públicas cumprem objetivos. A líder desta entidade sublinhou que existe “um problema” na “gestão orçamental”. “Não temos instrumentos que nos permitam verificar da economia, da eficiência, da bondade da própria política pública”, ou seja, para avaliar se esta é “eficaz tendo em conta os objetivos a que se propõe”.

Nazaré da Costa Cabral referiu que, na lei de enquadramento orçamental aprovada em 2015, “houve um propósito que o legislador teve e que foi sancionado, em linha com aquilo que são consideradas boas práticas internacionais, de criar” o que qualifica “como sistema de programação orçamental em cascata, associado à instituição de um processo orçamental de duas fases”.

Assim, indicou, “na primeira fase do ciclo orçamental em abril teríamos os instrumentos de programação plurianual”, que “centralizassem uma boa parte do programa político, isto é, que nessa altura fossem apresentados o Programa de Estabilidade”, discutido no parlamento e que fosse debatida “a lei das grandes opções do planeamento, agora incorporando um quadro plurianual de despesa pública onde são definidos os limites de despesa para as medidas de política e que nesta fase se pudesse centrar uma grande parte da discussão política”, explicou.

A segunda fase deste processo, em outubro, coincidiria com a apresentação da proposta de lei “e o OE, anual, seria um instrumento previamente enquadrado, previamente limitado pelos valores de despesa definidos a montante por estes instrumentos”, indicou a presidente do CFP.

Segundo Nazaré Costa Cabral, este processo faz sentido tendo em conta que “as políticas públicas, pela sua própria natureza, com raríssimas exceções, não têm uma dimensão anual. Têm uma dimensão, uma expressão e implicações plurianuais e quando se instituem programas orçamentais que definem essas metas de despesa para vários anos, estamos a balizar aquilo que é o desenho dos vários programas orçamentais”, referiu. “Isto implicaria a aprovação de programas plurianuais de despesa, concretizando as políticas públicas”, referiu.

“Temos vindo a salientar a degradação deste espírito que estava na letra da lei em vários momentos e isso não é desejável, estamos a voltar a uma visão das finanças públicas baseada numa lógica de anualidade, que é redutora, que não permite uma análise verdadeiramente crítica da despesa pública, não permite um desenho consequente da despesa pública, nem instituir instrumentos fundamentais de boa gestão da despesa pública do ponto de vista mais micro, que visam uma boa concretização da despesa pública”, lamentou a presidente do CFP, durante o período de perguntas dos deputados.

Para Nazaré da Costa Cabral era importante ter indicadores de atividades associadas aos programas e saber, nomeadamente, “quanto custa uma atividade pública”, bem como conhecer indicadores de desempenho.