A juíza Margarida Alves notificou esta segunda-feira a defesa de José Sócrates para explicar aos autos as viagens do ex-primeiro-ministro ao Brasil. Foi assim deferido o requerimento do procurador Vítor Pinto avançado pelo Observador, sendo que o prazo de cinco dias para Sócrates apresentar as suas explicações termina no próximo sábado.
“Atento o exposto pelo Ministério Público no requerimento que antecede, notifique o arguido José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa para, no prazo de 5 dias, vir aos autos prestar as informações”, lê-se no despacho da juíza Margarida Alves.
Caso as respostas não satisfaçam o Ministério Público, o procurador Vitor Pinto poderá avançar com a promoção da reavaliação das medidas de coação impostas ao José Sócrates – arguido que está sujeito apenas à medida de coação mínima: o termo de identidade e residência (TIR).
Ministério Público diz que Sócrates violou as regras da medida de coação a que está sujeito
O ex-primeiro-ministro tem feito viagens regulares ao Brasil no contexto da inscrição num doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e para participar em ações do Partido dos Trabalhadores (PT). Contudo, o TIR obriga todos os arguidos a informarem os autos nos quais são arguidos o local exato onde podem ser encontrados, sempre que saem da sua morada habitual por mais de cinco dias. No caso de Sócrates, há indícios de que terá estado no Brasil durante mais de duas semanas.
Pior: o procurador Vítor Pinto diz no seu requerimento que “não se colhe dos autos que o arguido tenha alguma vez vindo aos mesmos comunicar as noticiadas ausências por mais de cinco dias“. Ou seja, desde que foi pronunciado para julgamento, Sócrates nunca informou o tribunal de qualquer viagem ao estrangeiro, sendo que certo que, de acordo com a revista Visão (que denunciou o caso) foram várias as viagens realizadas por Sócrates ao Brasil desde 2021.
MP considera que Sócrates violou as medidas de coação
As respostas que José Sócrates terá de enviar aos autos são simples e correspondem às seguintes perguntas que constam do requerimento do Ministério Público:
- “entre 9 de Abril de 2021 e a presente data, se alguma vez se deslocou ao estrangeiro e aí permaneceu por mais que cinco dias e, em caso afirmativo, quantas vezes o fez e, de cada uma dessas vezes, em que data saiu de Portugal e em que data regressou”
- “A terem tais deslocações ocorrido, qual a razão por que não informou nos autos a sua ausência por mais de cinco dias nem indicou a sua nova morada ou o lugar onde podia ser encontrado.”
O procurador Vítor Pinto não tem dúvidas de que o “arguido encontra-se sujeito às obrigações decorrentes da prestação de TIR [Termo de Identidade e Residência]” que lhe foi reconfirmada em abril de 2021 pelo juiz de instrução Ivo Rosa aquando da sua pronúncia para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documento (em conjunto com Carlos Santos Silva).
MP quer que Sócrates explique viagens ao Brasil e poderá promover alteração das medidas de coação
Não há dúvida, segundo a visão do procurador Vítor Pinto, que qualquer arguido sujeito a TIR tem a obrigação de informar os autos da “nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado” se se ausentar mais de cinco dias da morada que deu aos autos — que, no caso de Sócrates, é um apartamento na Ericeira. Tal omissão “constitui violação de obrigação decorrente do TIR a que se encontra sujeito”, afirma o procurador.
Tanto é assim que outros arguidos mediáticos, como Ricardo Salgado, informam sempre os autos em que são arguidos de qualquer viagem ao estrangeiro superior a cinco dias.
Sócrates diz que não tem “mentalidade de servo “
Entretanto, José Sócrates já reagiu, repetindo a sua posição assumida na semana passada: do seu “ponto de vista” não há nada na lei a obrigar uma comunicação ao tribunal de de ausências superiores a cinco dias, avança o semanário Expresso, antecipando um artigo de opinião que o ex-primeiro-ministro publicará amanhã no “Tal & Qual”.
No mesmo artigo, Sócrates recorda que preferiu continuar em prisão preventiva a usar uma pulseira eletrónica nos autos da Operação Marquês para dizer que não tem “mentalidade de servo” e que não se deixa condicionar com as “ameaças dos procuradores” de promoverem a alteração das medidas de coação.
Além de alegar a defesa da vida privada (um segundo argumento para justificar a não comunicação das suas viagens), o ex-primeiro-ministro recorda ainda que a sua defesa contesta o facto da juíza Margarida Alves ter dividir a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa sobre a Operação Marquês em “dois processos” (um de pronúncia e outro de não pronúncia), alegando que isso é “ilegal”.
Na realidade, a juíza Margarida Alves suscitou um conflito de competências com a alegação de que o seu colega Ivo Rosa só poderia ter enviado para julgamento a decisão de pronúncia de José Sócrates e Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documento, ficando os autos da não pronúncia nas mãos do próprio Ivo Rosa à espera do respetivos recurso do Ministério Público que foi anunciado logo a seguir à leitura da decisão instrutória no dia 9 de abril de 2021.
O Tribunal da Relação de Lisboa veio a dar razão à juíza Margarida Alves numa decisão conhecida em outubro de 2021 — facto que aparentemente é omitido por Sócrates. Assim, o juiz Ivo Rosa ficou obrigado a ficar com os autos da não pronúncia por si decidida e admitir o recurso do Ministério Público — o que ainda não aconteceu até ao momento por estarem ainda pendentes outros incidentes processuais.