Foi dado o primeiro passo que pode levar à reavaliação das medidas de coação de José Sócrates. Tal como o Observador avançou em primeira mão, o procurador Vítor Pinto solicitou ao Juízo Central Criminal de Lisboa que notifique o ex-primeiro-ministro para explicar as suas ausências no Brasil superiores a cinco dias que foram noticiadas pela revista Visão. Tais ausências constituem uma “violação de obrigação decorrente do termo de identidade e residência [a medida de coação mínima] a que se encontra sujeito”, lê-se no requerimento a que o Observador teve acesso.

O procurador Vítor Pinto não tem dúvidas de que o “arguido encontra-se sujeito às obrigações decorrentes da prestação de TIR [Termo de Identidade e Residência]” que lhe foi reconfirmada em abril de 2021 pelo juiz de instrução Ivo Rosa aquando da sua pronúncia para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documento (em conjunto com Carlos Santos Silva).

MP quer que Sócrates explique viagens ao Brasil e poderá promover alteração das medidas de coação

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Mais: “não se colhe dos autos que o arguido tenha alguma vez vindo aos mesmos comunicar as noticiadas ausências por mais de cinco dias“. Ou seja, desde que foi pronunciado para julgamento, Sócrates nunca informou o tribunal de qualquer viagem ao estrangeiro, sendo que certo que existem indícios de que terá estado ausente durante mais de duas semanas de Portugal.

Não há dúvida, segundo a visão do procurador Vítor Pinto, que qualquer arguido sujeito a TIR tem a obrigação de informar os autos da “nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado” se se ausentar mais de cinco dias da morada que deu aos autos — que, no caso de Sócrates, é um apartamento na Ericeira. Tal omissão “constitui violação de obrigação decorrente do TIR a que se encontra sujeito”, afirma o procurador. Tanto é assim que outros arguidos mediáticos, como Ricardo Salgado, informam sempre os autos em que são arguidos de qualquer viagem ao estrangeiro superior a cinco dias.

O ex-primeiro-ministro tem feito viagens regulares ao Brasil no contexto da inscrição num doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e para participar em ações do Partido dos Trabalhadores (PT)

Advogado de Sócrates diz que MP não tem competência para pedir reavaliação de medida de coação

Daí que o Ministério Público requeira ao tribunal que notifique José Sócrates para este explicar no prazo de cinco dias se:

  • “entre 9 de Abril de 2021 e a presente data, se alguma vez se deslocou ao estrangeiro e aí permaneceu por mais que cinco dias e, em caso afirmativo, quantas vezes o fez e, de cada uma dessas vezes, em que data saiu de Portugal e em que data regressou”
  • “A terem tais deslocações ocorrido, qual a razão por que não informou nos autos a sua ausência por mais de cinco dias nem indicou a sua nova morada ou o lugar onde podia ser encontrado.”

Se a juíza Margarida Alves, titular dos autos no Juiz Central Criminal de Lisboa, deferir o requerimento do Ministério Público, e se José Sócrates não der uma resposta cabal, o procurador Vítor Pinto poderá avançar para a promoção da reavaliação das medidas de coação, solicitando um agravamento das mesmas.

Sócrates e advogado dizem que não existe qualquer violação do TIR

Confrontando pela CNN Portugal na última quinta-feira, dia em que a revista Visão noticiou as viagens ao Brasil, José Sócrates afirmou que o tribunal tinha a sua “morada”: “Não mudei de endereço pessoal, razão pela qual não me sinto obrigado a comunicar ao tribunal nada mais que não seja o meu termo de residência”.

Já o advogado Pedro Delille apontou no mesmo sentido. “José Sócrates continua a residir na Ericeira e nunca se ausentou em termos que o obrigassem a comunicar nova residência onde pudesse ser encontrado”, afirmou Pedro Delille à agência Lusa,

Delille rejeitou que a não comunicação destas ausências possa levar o MP, tal como o Observador avançou em primeira mão, a pedir uma alteração da medida de coação de termo de identidade e residência (TIR) aplicada a Sócrates no âmbito do processo Operação Marquês. Delille sublinha “que o MP não tem competência para pedir a reavaliação da medida de coação motivada pela ausência”.

Recorde-se que o recurso do Ministério Público sobre a não pronúncia decidida do juiz Ivo Rosa ainda está à espera de subir para a Relação de Lisboa, já o julgamento de José Sócrates e de Santos Silva no Juiz 19 do Juízo Central Criminal de Lisboa também ainda não avançou — mais de um ano após a pronúncia decidida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal. Isto porque também ainda estão recursos pendentes.