A temporada do Benfica no futebol voltou a falhar no objetivo dos títulos e da entrada direta na Liga dos Campeões (e todo o futebol profissional, mesmo estando na SAD, acaba sempre por ser tema nas reuniões magnas do clube) mas o Orçamento para 2022/23, que iria a sufrágio esta quarta-feira à noite no Pavilhão da Luz, tinha todas as condições para passar sem qualquer tipo de contestação por dois grandes motivos: 1) os custos iriam aumentar, passando de 43,2 para 45,7 milhões de euros com mais de 50% desse acréscimo a ser refletido na rubrica “Gastos com pessoal e remunerações” (1,4 milhões, passando para um valor total de 14,1 milhões), mas com o resultado final líquido a dar mais lucro (600 mil euros perante os 381 mil do atual exercício); 2) os resultados das modalidades têm sido positivos, com o andebol a ganhar a Liga Europeia, o basquetebol à beira do título, o voleibol tricampeão e o setor feminino de novo a dominar.
“O Benfica manterá a ambição relativamente aos objetivos desportivos das nossas diversas modalidades (…) O reforço do investimento que este Orçamento reflete é premissa fundamental no atual compromisso de tornar as modalidades ainda mais competitivas e vencedoras (…) Uma vincada aposta que não se cinge apenas às cinco modalidades de pavilhão masculinas e se estende, igualmente, às equipas femininas, cujas conquistas nos orgulham – tanto nos pavilhões como no estádio. Uma das prioridades será a expansão da rede de escolas de futebol, com especial destaque a nível internacional, além do papel cada vez mais relevante da Fundação Benfica. Em suma, vamos querer ganhar cada vez mais. É essa a essência do Benfica. Este orçamento revela essa ambição, sustentada numa gestão responsável e rigorosa”, defendeu Rui Costa, presidente dos encarnados, no texto que acompanhava os números que iam a sufrágio.
No entanto, e como acontece variadas vezes, aquilo que deveria cingir-se à discussão de um Orçamento não iria ficar por aí – mesmo sendo um dado quase líquido de que a aprovação das últimas nove atas de reuniões magnas, uma delas a de setembro de 2019 onde Luís Filipe Vieira teve uma altercação mais acesa com um associado, ficaria para outra data. E a figura do antigo presidente dos encarnados deveria assumir um papel de relevo ao longo da Assembleia Geral, depois da entrevista no início da semana e de nova passagem pela CMTV na antecâmara do encontro desta noite, sendo que, além do movimento que já antes pedia para que a Direção colocasse um processo disciplinar a Vieira pelo comportamento que teve com um sócio do clube, outros grupos começaram a tentar organizar-se para tomarem medidas tendo em vista a possibilidade de afastar o antigo número 1 da condição de associado do Benfica.
Justificação? Os artigos 28 e 29 dos atuais estatutos do conjunto da Luz, que dizem que “constitui uma infração disciplinar dos sócios, punida disciplinarmente, a adoção de comportamentos como injúrias, difamações ou ofensas aos órgãos sociais do clube ou qualquer dos seus membros”, algo que pode depois ser punido com “repreensão simples, repreensão registada, suspensão temporária ou expulsão”. Segundo soube o Observador ainda antes da Assembleia Geral, o tema não faz parte das preocupações no momento dos membros da Direção (nem isso nem responder a Luís Filipe Vieira), que ainda esta terça-feira tiveram uma presença em massa no Pavilhão João Rocha para apoiar a equipa de hóquei em patins no jogo 3 das meias-finais do Campeonato (Fernando Tavares, Domingos Almeida Lima e Jaime Antunes, entre outros).
“Escolhemos um treinador que mudará o paradigma do que pretendemos para o futuro”
Pouco depois das 21h conforme previsto pelos estatutos, por não haver o quórum às 20h30 (que não existe em nenhuma Assembleia Geral de nenhum clube), Fernando Seara dava início à reunião magna, num momento que o próprio admitia ficar na memória por ser a primeira vez que estava a liderar um encontro destes no Benfica. E, ainda antes da apresentação mais detalhada do Orçamento pelo vice Luís Mendes, Rui Costa fez um pequeno discurso aos presentes no Pavilhão da Luz, onde já estavam os dois últimos nomes derrotas em eleições (Noronha Lopes com Vieira em 2020, Francisco Benítez com Rui Costa em 2021) e João Malheiro, adepto que esteve numa acesa discussão com Vieira por causa de Eusébio.
“É com orgulho que me apresento perante vós na minha primeira Assembleia Geral de aprovação do Orçamento como presidente eleito do Benfica. Um Orçamento que expressa equilíbrio e uma enorme vontade de vencer. Um Orçamento que traduz um forte aumento do investimento nas modalidades e futebol feminino, com o objetivo de reforçar o que de bom fizemos e melhorámos este ano mas que ainda está longe daquilo que todos nós ambicionamos. A época não terminou, há ainda sete títulos em disputa e com o apoio dos nossos sócios e adeptos estou certo de que saberemos elevar o nome e tradição do Benfica. Devo aqui expressar a minha gratidão pelo vosso apoio nos pavilhões ao longo dos últimos meses. Hoje assistimos a uma dinâmica nos pavilhões a que já não assistíamos há algum tempo. Abrir os pavilhões aos associados revelou-se ser uma medida acertada e com grandes benefícios para o clube e para os sócios, motivo pelo qual será para manter na próxima época”, começou por dizer o líder dos encarnados.
“Independentemente dos títulos e vitórias nunca nos poderemos desviar de uma verdade essencial: são os sócios a alma e a força deste clube. Este é um Orçamento que procura também ir ao encontro das suas ambições, aproximando ainda mais o clube dos sócios. Um exemplo claro é aquilo que vem sendo planeado para as Casas do Benfica, às quais gostaria de deixar um público reconhecimento pelo extraordinário trabalho que desenvolvem. Por fim, não posso estar perante vós e, embora não esteja no perímetro deste Orçamento, não deixar uma palavra sobre aquilo que é o coração do clube, o futebol. Foi um ano que ficou aquém das expetativas e sou o primeiro a assumir essa responsabilidade”, prosseguiu.
“Não tivemos a nível interno a mesma excelência demonstrada no plano internacional onde, passados seis anos, voltámos aos quartos-de-final da Liga dos Campeões e os nossos jovens conquistaram pela primeira vez a UEFA Youth League. Sabíamos que não ia ser um ano fácil. Foi um ano que ficou abaixo dos pergaminhos que o Benfica exige. Não estou satisfeito e sei que nenhum de vós estará. Por esse motivo, iniciámos já uma alteração na estrutura do futebol e escolhemos um treinador que mudará o paradigma do que pretendemos para o futuro, com o objetivo de tornar a equipa cada vez mais competitiva, sendo certo que a formação, como tenho dito, ocupará sempre um lugar especial na definição do plantel”, concluiu.
Orçamento aprovado com quase 75% num universo de 749 associados
Após a intervenção de Luís Mendes, os sócios foram começando a votar (e alguns começando a abandonar a sala) e vários inscreveram-se junto da Mesa para discursarem sobre vários temas do clube, sendo Jorge Máximo um dos primeiros a falar na Assembleia Geral. A possibilidade de voto ficou aberta até às 22h30, hora após a qual as urnas fecharam para uma contagem mais célere do ponto que estava em causa e que dizia respeito apenas à aprovação do Orçamento do clube para a temporada de 2022/23.
Contas feitas, o documento teve uma aprovação de quase 75% dos presentes, com 534 dos 749 associados a votarem a favor do Orçamento que tinha sido apresentado (equivalente à percentagem de 74,52%) e apenas 156 contra o mesmo (18,81%), havendo ainda 59 abstenções (6,67%).
Ao contrário do que chegou a ser levantado em alguma imprensa, o nome de Luís Filipe Vieira (que já tinha anunciado na CMTV que não estaria presente por “não estar cá”) começou a ser visado de uma forma mais crítica após o fecho nas urnas, não existindo todavia um ambiente de tensão até por comparação com reuniões magnas recentes no Pavilhão da Luz. Mesmo sem ter o seu nome visado de forma direta a não ser num par de ocasiões, Domingos Soares de Oliveira, CEO do clube e da SAD, também não fugiu a críticas dos associados. Houve também pedidos para que a ata da reunião magna de 2019 em que Vieira teve um momento mais acalorado com um associado seja aprovada pelos associados conforme decorreu.
Só mesmo a partir da quinta/sexta intervenção após serem conhecidos os resultados os ânimos começaram a aquecer, com um associado a ter declarações mais inflamadas sobre o antigo presidente e a ouvirem-se muitos gritos de “Vieira, rua!” entre os presentes. Entre os comentários, Noronha Lopes foi um dos mais aplaudidos, num discurso com críticas a Vieira também a propósito das declarações sobre Eusébio e reparos em relação à auditoria, aos estatutos e à inexistência de um corte radical com o passado no clube.
“Não posso inaugurar a entrevista de um ex-presidente do clube. O senhor Vieira já nos tinha envergonhado com a sua presença na Assembleia da República mas voltou a superar-se ao longo de várias horas celebradas pelos nossos dois rivais. O senhor Vieira atacou, difamou e mentiu, pondo os interesses pessoais à frente dos interesses do clube. Não olha a meios para proteger a sua imagem. Os benfiquistas não esquecerão nunca o momento repugnante em que tentou arrastar para a lama o maior símbolo da instituição. Rui Costa, o senhor teve várias ocasiões para se afastar de forma inequívoca da herança do antecessor. Não o fez nem com a determinação e o alcance que devia. Tem uma oportunidade nova de romper com o passado com a legitimidade de uma larga maioria que o elegeu”, disse, entre outros reparos como as relações com os rivais, em particular o líder portista Pinto da Costa “que há 40 anos que destila ódio”, e com as instituições (“Não devemos ser demónios mas não podemos também ser anjinhos”). Os pedidos à Mesa da Assembleia Geral para que Vieira seja expulso de associado continuaram de seguida.
Benítez usou também da palavra, os membros da Direção José Gandarez e Sílvio Cervan foram responder a questões e Rui Costa encerrou a Assembleia Geral falando no final sobretudo de futebol. “O que queremos saber é quando vamos ao Marquês. É verdade que falhámos esta época e sou o principal responsável mas nunca serei presidente das vitórias, não me vou esconder. Perdemos 18 pontos a jogar em casa, o que tem sido a nossa fortaleza este ano foi o nosso desastre. Agora o que procuramos é inverter este ciclo e mudar a mentalidade. No Benfica, ganhar, perder ou empatar nunca será igual”, referiu. “A principal escolha é a qualidade e muita da história do Benfica é feita por estrangeiros. Não é só ganhar, que venha trazer o futebol que nós queremos: de ataque, dinâmico e alegre”, acrescentou já perto das 2h da manhã.